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CPI: Prevent nega ocultar mortes, cita fraude, mas admite mudança em fichas

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Thais Augusto

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

22/09/2021 04h00Atualizada em 22/09/2021 18h15

O diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, negou hoje que a empresa tenha ocultado mortes por covid-19, rebateu acusação da CPI da Covid de que fez "estudo clínico" para balizar a aplicação do chamado kit covid e, em depoimento ao colegiado, responsabilizou médicos vinculados à operadora por suposta manipulação de dados e divulgação indevida de prontuários de pacientes.

Contudo, Batista Júnior confirmou que houve a orientação para que os médicos modificassem o CID (código de diagnóstico) de pacientes que deram entrada com covid-19, após 14 ou 21 dias, a depender do caso de cada um.

Ele alegou que a medida foi tomada para que se identificassem pacientes que não representariam mais riscos de transmissão do novo coronavírus. Senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito, porém, enxergaram uma tentativa de manipulação e subnotificação de casos e mortes.

"O senhor realmente não tem condição de ser médico com a desonestidade que eu vi agora. Sinceramente, sinceramente, modificar o código de uma doença é um crime. Infelizmente, o Conselho Federal de Medicina não pune o senhor", declarou Otto Alencar (PSD-BA).

"O que está acontecendo é que eles consideram que, depois de 14 dias, esse paciente não tem mais covid ou que, depois de 21 dias, ele não tem mais covid. Essas pessoas que morreram de complicações de quê? De covid! Então, é covid!", disse Humberto Costa (PT-PE).

Esses dois senadores também são médicos.

Para o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), é "óbvia a falsificação que foi levantada aqui".

O dossiê ao qual o colegiado teve acesso também aponta que a operadora de saúde não contou com o consentimento dos pacientes em todas as medidas tomadas.

Além de supostamente constranger os profissionais, de acordo com denúncias encaminhadas à CPI, a Prevent Senior teria ocultado mortes por covid-19 a fim de direcionar a conclusão do suposto estudo e impedido o uso de equipamento de proteção individual em suas instalações.

Batista Júnior nega. A defesa da Prevent Senior afirma ser vítima de fraude em relação às suspeitas apuradas pela comissão. O Parlamento investiga se a empresa pressionou ou não seus médicos a receitar, para fins de um estudo interno, o kit covid —composto por medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento da doença (como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e outros).

"(...) reitero que o dossiê entregue a esta Casa é uma peça de horror realmente, produzido a partir de dados furtados de pacientes, sem qualquer autorização expressa, o que configura crime que precisa ser investigado. Esses dados precisaram ser manipulados para deturpar a real conduta de mais de 3.000 médicos e, desta maneira, após furtados e adulterados, pudessem ser usados para atacar uma empresa idônea", disse Batista Júnior.

Segundo narram os relatos, a empresa se alinhou ao discurso de Jair Bolsonaro (sem partido) —entusiasta da hidroxicloroquina e de outros remédios.

Na versão de Batista Júnior, por outro lado, a Prevent Senior "vem sofrendo acusações infundadas". Ele afirmou que não houve um "estudo clínico" propriamente dito, e sim o "ato médico" autônomo —isto é, o direito garantido ao médico de prescrever medicamentos aos seus pacientes. O depoente também rotulou o trabalho como estudo "observacional" e rechaçou o conceito de "testagem em massa".

O depoente negou ter ocorrido pressão para que os profissionais se alinhassem ao posicionamento da empresa e também disse que não houve punição a quem foi contra a orientação.

Pressionado a esclarecer as circunstâncias das denúncias, o diretor-executivo afirmou que mensagens e planilhas de acompanhamento de pacientes teriam sido manipuladas e vazadas por um casal de médicos desligados da firma em julho de 2020.

"(...) [Eles] manipularam dados de uma planilha interna, que era uma planilha de acompanhamento de pacientes, para tentar comprometer a operadora. Esses profissionais então, já desligados, passaram a acessar e editar o referido arquivo, culminando no compartilhamento da planilha com a advogada B.M., em 28 de agosto."

Júnior relatou que as provas e evidências foram analisadas pela Agência Nacional de Saúde Complementar. O órgão supostamente teria chancelado a inexistência de infração por parte da Prevent.

"Ficou evidenciada a utilização de termo de consentimento livre e esclarecido, bem como a autonomia dos profissionais médicos, que indicavam o tratamento conforme sua convicção e mediante concordância expressa dos beneficiários, em estrita observância aos preceitos do Conselho Federal de Medicina."

Indagado sobre a distribuição de cloroquina a pacientes durante 2020, Batista Júnior respondeu que o fornecimento de medicamentos por parte de um plano de saúde não é ilegal. E, segundo ele, havia um contexto de desabastecimento nas farmácias, dada a alta na procura pelo remédio.

A testemunha negou, no entanto, que a empresa tenha enviado para a residência dos pacientes o chamado kit covid.

"Eram enviadas as medicações prescritas pelos médicos aos pacientes, nunca houve kit anticovid."

Renan Calheiros informou que Batista Júnior passará a ser considerado investigado pela comissão.

"Gostaria de elevar o senhor Pedro Benedito Batista Júnior à condição de investigado da CPI e quero comunicar que, adicionalmente, mandarei todas as informações colhidas aqui para a Procuradoria de Justiça do Estado de SP porque esses fatos aconteceram lá e há desejo grande em levantar essas circunstâncias", afirmou.

No depoimento, Batista Júnior revelou ainda que foi incluído em um grupo de WhatsApp pelo empresário Carlos Wizard, mas que saiu pouco tempo depois ao não entender qual seria o objetivo dele.

Wizard é acusado por parte dos senadores da CPI de integrar o chamado gabinete paralelo, que teria assessorado o presidente Bolsonaro à revelia das recomendações do Ministério da Saúde ao longo da pandemia.

"Não via nenhuma situação que fosse plausível para ter um grupo desse", disse o diretor-executivo da Prevent Senior.

Executivo faltou à CPI na semana passada

A intenção da CPI era ter ouvido Batista Júnior, que é tenente médico da reserva do Exército, na semana passada. Na ocasião, ele faltou e alegou que não havia sido notificado a tempo de viajar a Brasília. Os parlamentares chegaram a cogitar um pedido de condução coercitiva contra ele — a solicitação, no entanto, não foi adiante.

Batista Júnior obteve no STF (Supremo Tribunal Federal) o direito de ficar em silêncio em resposta a perguntas que possam incriminá-lo. O ministro Ricardo Lewandovski, porém, não desobrigou o comparecimento.

Tratamentos experimentais sem consentimento

A Prevent Senior é acusada de ter pressionado profissionais e pacientes a utilizar remédios do kit covid. A empresa estaria, segundo relato do senador Humberto Costa, promovendo ainda tratamentos experimentais sem o consentimento de pacientes.

"Recebi aqui uma correspondência, que é cópia de um processo que está sendo movido por um grupo de profissionais médicos ligados à rede Prevent Sênior, em que formalizaram uma denúncia contra essa instituição, por conta da política de coerção que foi assumida por essa direção em termos de orientações aos profissionais médicos, para adotarem aquelas orientações do chamado tratamento precoce. Inclusive, aqueles que, em algum momento, se recusaram a implementar essas medidas foram demitidos", disse Costa na CPI em 26 de agosto.

Segundo o senador, as denúncias apontam ainda que profissionais de saúde foram proibidos de usar equipamentos de proteção individual, até com o objetivo de "disseminar o vírus, no ambiente hospitalar, para que, assim, pudesse ser feita uma pesquisa que constava da utilização de cloroquina, de azitromicina, de ivermectina com os pacientes".

"Uma das coisas que o hospital orientava era que os pacientes e os seus familiares não tivessem conhecimento de que essa experiência estava sendo feita, que não tivessem conhecimento de que estavam sendo administrados esses medicamentos. A informação que se tem é que isso foi um acerto entre a direção do hospital e o governo federal, contra aquelas orientações que havia do Ministério da Saúde, no período do ministro Mandetta", disse Costa.

Para o senador, documentos apontam que o chamado gabinete paralelo estaria por trás da iniciativa da Prevent Senior. Segundo integrantes de oposição da CPI, faziam parte do grupo a médica Nise Yamaguchi e o empresário Carlos Wizard, por exemplo.

A convocação de Batista Júnior, a pedido de Humberto Costa, foi aprovada na CPI em 3 de agosto.

No requerimento de convocação, o senador incluiu mensagem atribuída a cliente da Prevent Senior em que denuncia suposto assédio para a utilização do kit covid, sem citar nomes ou data.

A comissão também já pediu o compartilhamento de série de informações sobre a atuação da Prevent Senior a órgãos como o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Ministério Público de São Paulo e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, além da própria empresa.

Pedido de acesso a prontuários

A CPI aprovou hoje requerimento de acesso aos prontuários completos do médico Anthony Wong e de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang. Ambos morreram na pandemia e a suspeita é de foi de covid-19, embora os atestados de óbito não citem essa causa, segundo documentos obtidos pelos senadores na comissão. Eles haviam sido internados em estabelecimentos sob responsabilidade da Prevent Senior.

Ao contrário do que apontam falas de Luciano Hang em vídeo apresentado hoje na CPI, Regina havia sido tratada com medicamentos que compõem o kit covid, como azitromicina e hidroxicloroquina, segundo seu prontuário mostrado pelo vice da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Assim, como Wong, ela ainda teria recebido ozonioterapia por via retal. Para parte dos senadores, as certidões de óbito teriam sido manipuladas de forma a não constar o insucesso das medidas, então defendidas por ala de bolsonaristas.

Batista Júnior negou que tenha havido mudanças nas certidões de forma a acobertar que morreram de covid-19.

Aziz critica aval a processo contra Miranda

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), criticou hoje aval dado a processo contra o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) no Conselho de Ética da Câmara por falas dele no caso Covaxin/Precisa Medicamentos.

"A Câmara foi muito ágil em relação ao deputado Luis Miranda e muito lenta em relação a coisas muito mais graves que se faz nesse país: desrespeito à Constituição, aos Poderes", afirmou.

"Espero que a Câmara possa ter a mesma agilidade quando a gente entregar o relatório ao presidente [da Casa] Arthur Lira sobre o que a CPI está apurando e o que virá no relatório desta CPI principalmente em relação aos investigados", acrescentou.

O relator do caso no conselho, deputado Gilberto Abramo (Republicanos-MG), defendeu hoje que se dê continuidade à representação que pede a cassação do mandato de Miranda.

Em depoimento à CPI, o deputado federal Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, denunciaram suspeitas de irregularidades envolvendo o contrato da Covaxin. Após a denúncia e o aparecimento de mais suspeitas de irregularidades, o contrato foi suspenso.

Ao ouvir denúncia sobre o caso, segundo os irmãos Miranda, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), poderia estar envolvido no "rolo". O líder do governo nega qualquer irregularidade.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.