Topo

Empresário admite que financiou instituto que negociou vacinas contra covid

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

30/09/2021 15h50Atualizada em 30/09/2021 17h01

O empresário bolsonarista Otávio Oscar Fakhoury admitiu hoje, em depoimento à CPI da Covid, que financiou o Instituto Força Brasil, que buscou intermediar negociação de vacinas contra a covid-19 com o Ministério da Saúde na qual há denúncia de pedido de propina.

O Instituto Força Brasil, do qual Fakhoury também é vice-presidente, não tem qualquer relação com a área de saúde. Mesmo assim, tentou intermediar a venda de 400 milhões de doses de vacinas Oxford/AstraZeneca ao governo federal por meio da empresa norte-americana Davati Medical Supply.

Segundo o policial militar e lobista da Davati, Luiz Paulo Dominghetti, o então diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, lhe fez pedido de propina de US$1 por dose de imunizante em jantar em 25 de fevereiro deste ano, em Brasília.

Dias nega ter feito qualquer pedido de propina ou cometido irregularidades. O governo argumenta que o diálogo com a Davati nunca passou de tratativas iniciais.

O negócio acabou não sendo concretizado, mas as circunstâncias das negociações são investigadas pela CPI da Covid. A AstraZeneca negou ter vínculo com a Davati para que esta possa vender vacinas da farmacêutica. Por isso, a comissão apura inclusive se as vacinas realmente existiam.

De acordo com relatos de depoentes à CPI, quem participou das negociações pelo Instituto Força Brasil foi o presidente da entidade, tenente-coronel da reserva Hélcio Bruno de Almeida. Em depoimento à CPI, Hélcio negou ter presenciado oferta ou cobrança de propina e negou quaisquer irregularidades.

À CPI, o representante oficial da Davati, Cristiano Carvalho, afirmou que Hélcio teria sido o responsável por conseguir uma reunião do grupo com o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a pedido do reverendo Amilton Gomes de Paula, diretor da entidade Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários).

O encontro ocorreu em 12 de março deste ano e contou, segundo Carvalho, com Franco, Hélcio, Amilton, Dominghetti e dois coronéis da cúpula do ministério — Marcelo Bento Pires e Cleverson Boechat, além dele próprio.

Segundo Carvalho, ele e Dominghetti foram buscados no aeroporto de Brasília por um advogado do Instituto Força Brasil com alguns funcionários da Senah e então levados à sede do Força Brasil. O instituto se declara "sem fins lucrativos" com o objetivo de "fazer frente à hegemonia da esquerda como participante do poder, bem assim ao crime organizado nas instituições".

Para Carvalho, o Instituto Força Brasil foi o "braço" que a Senah usou para chegar "frente a frente" com Élcio Franco.

Fakhoury nega gerência em instituto

Embora seja vice-presidente do Instituto Força Brasil, Fakhoury alegou não ter gerência na entidade, apenas uma "posição institucional em São Paulo". Segundo ele, os executivos que comandam o instituto ficam em Brasília. No entanto, Fakhoury afirmou que custeou o Força Brasil até "junho ou julho" deste ano.

Fakhoury disse ainda só ter ficado sabendo da reunião promovida pelo Instituto Força Brasil para a negociação das vacinas depois que ela já tinha ocorrido.

"Em relação à Davati, a essa história toda que eu soube depois... Eu só vim a saber da reunião com a Davati depois que ela aconteceu, até porque eu não fico em Brasília, fico em São Paulo, tenho outra vida, uma vida empresarial, uma vida de trabalho e de outros negócios... Vim a saber depois que ela aconteceu, tanto que não fui citado por nenhum dos depoentes aqui. Eu não conheço nenhuma dessas pessoas que estão envolvidas nessa transação", declarou hoje.

O empresário se opõe às vacinas contra a covid-19 por considerá-las "experimentais" e já se declarou contra o uso de máscaras, item que usou hoje na Comissão Parlamentar de Inquérito.

Diferentemente do que declarou Fakhoury durante a oitiva da CPI, vacinas como a da Pfizer e a da Fiocruz/AstraZeneca já concluíram os testes de fase 3 e possuem o registro definitivo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), órgão responsável pelo controle sanitário no país. A eficácia dos imunizantes contra a covid-19 já foi comprovada.

É mentira que as vacinas contra a covid aplicadas na população sejam "experimentais". Todos os imunizantes usados no Brasil foram autorizados pela Anvisa após terem eficácia e segurança comprovadas depois de testes com milhares de voluntários. A Anvisa continua exigindo que as vacinas passem pela fase 3 de testes; o que a agência dispensou foi a realização desta fase no Brasil.

Quanto ao uso de máscaras, medida não farmacológica fundamental no combate à pandemia, Fakhoury reproduziu fake news e declarou que "elas não têm a eficiência que se fala".

A eficácia do uso de máscaras como forma de conter a disseminação da covid tem evidências científicas e é defendida por autoridades de saúde ao redor do mundo. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera o uso de máscaras como uma "medida chave para conter a transmissão e salvar vidas". No Brasil, o Ministério da Saúde diz em seu site que o uso de máscaras "é fortemente recomendado para toda a população em ambientes coletivos (...), como forma de proteção individual, reduzindo o risco potencial de exposição do vírus especialmente de indivíduos assintomáticos."

Mesmo com Fakhoury se opondo às vacinas contra a covid-19, o Instituto Força Brasil buscou ajudar a Davati Medical Supply a vender suposto lote de imunizantes ao governo federal. A contradição foi alvo de questionamento do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a Fakhoury.

"Não entendi, não entendi. Veja bem: o presidente desta instituição tentou vender vacina da Davati, tentou ganhar uma ponta lá, está bom? O senhor é vice-presidente e aqui disse que não se vacinou, que os seus filhos não se vacinaram, que a sua família não se vacinou, mas o senhor continua com o cara que quis vender vacina?! Vice-presidente do cara", indagou Aziz.

Fakhoury disse que o instituto discute trocas na diretoria.

"O Instituto Força Brasil... O Hélcio já o tinha de forma informal. Eu... No ano passado, ele me procurou para que... Queria formalizar o instituto e me apresentou os estatutos. Eu combinei, prometi fazer um aporte no instituto para custear, custear o instituto por um período até que ele estivesse operando e estivesse com a captação, estivesse com os membros para que ele pudesse andar por conta própria", afirmou Fakhoury.

O Instituto Força Brasil chegou a projetar a criação de um aplicativo para oferecer o chamado "tratamento precoce" para a covid-19. A ideia não foi adiante. Por enquanto, nenhum tratamento farmacológico se mostrou eficaz para prevenir a doença.

Fakhoury ainda está sob suspeição na CPI ainda como possível membro do chamado gabinete paralelo.

Em agosto deste ano, senadores do colegiado aprovaram a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do empresário. A CPI já recebeu documentos da Receita Federal, do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e de instituições bancárias que contêm informações sobre as movimentações de Fakhoury.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.