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Governo culpa dado velho e pede 180 dias para ver Bolsa Família no Nordeste

Usuários do programa federal Bolsa Família em Alagoas - Victor Leahy/Governo de Alagoas
Usuários do programa federal Bolsa Família em Alagoas Imagem: Victor Leahy/Governo de Alagoas

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

15/10/2021 18h20

O Ministério da Cidadania culpou a falta de orçamento e a defasagem na estimativa de pessoas na linha de pobreza no Brasil para justificar a menor concessão de benefícios do programa Bolsa Família no Nordeste durante a pandemia. A União ainda pediu 180 dias para resolver o problema da estimativa, o que foi rechaçado pelos governadores.

Os argumentos foram apresentados aos governos do Nordeste durante audiência de conciliação de ação que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal), cobrando igualdade na distribuição de novos benefícios. O governador do Piauí e presidente do Consórcio Nordeste, Wellington Dias (PT), participou do encontro.

Segundo os dados dos governadores, o Nordeste tem 881 mil pessoas à espera de receber o Bolsa, o que representa 40% do total. Entretanto, a região só tem 25% da população nacional. "A discriminação está clara nesses números", diz Dias.

Segundo o governo federal, a estimativa usada hoje é de 2010. No caso do Nordeste, a estimativa é de pouco mais de 6 milhões de famílias na pobreza. Entretanto, a região tem atualmente 7,2 milhões de benefícios, o que representaria 111% de cobertura do público-alvo . No Sul, por exemplo, o governo alega que essa cobertura hoje é de 88%.

"Não houve discriminação técnica alguma com qualquer estado. O procedimento de concessão de 2020 foi o mesmo de 2008, de 2009, de 2015, de 2021. A gente atribui essa insatisfação a dois pontos: a estimativa —que pode não imprimir um retrato mais fiel da pobreza—; e o orçamento [limitado], que é um ponto em que nós temos empreendido esforços para que todas as pessoas sejam atendidas, mas estamos trabalhando com os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou a responsável pelo programa, do Ministério da Cidadania, Carolina Paranayba.

Para resolver esse problema, o governo sugeriu uma força-tarefa para atualização emergencial, em 180 dias, da estimativa a fim de saber onde estão os pobres do país hoje.

"O critério do Bolsa Família é de linha de pobreza, dividido por municípios. O que é possível fazer é rever a estimativa de forma acelerada. Se os estados quiserem participar, está aberto", diz.

O governador Wellington Dias criticou o prazo e disse que não é possível aceitar a proposta.

Esperávamos aqui que a União tivesse a apresentação de uma solução, dizendo que vai organizar suas contas, fazer cancelamentos [de gastos], como nos estados fazemos para atender a uma emergência do Brasil. Não dá para adiar por 180 dias. Estamos falando de fome! A partir desse ponto, só a decisão do STF é que vai ter a solução, porque eu vim para uma agenda, com uma liminar cumprida, esperando um cronograma para resolver essa clara discriminação aos estados e municípios."

Liminar impede cortes

Uma liminar impede que cortes sejam feitos a beneficiários do programa na região, que não se adequariam mais aos critério do Bolsa Família.

Ela é de março de 2020, foi determinada pelo ministro Marco Aurélio Mello e confirmado pelo plenário do STF em agosto do mesmo. O julgamento de mérito ainda está em andamento no STF.

A advogada Andrea Dantas, da Secretaria-Geral de Contencioso da AGU (Advocacia-Geral da União), explicou que, devido à proibição de cortes no Nordeste, 100 mil pessoas hoje estariam recebendo o Bolsa Família de forma irregular.

"Todos os casos são por falta de critério de elegibilidade ou fraude. Não há cancelamento sem isso, e desses 100 mil, temos 22 mil que são falta de cadastro, casos que são mais graves que, normalmente, ocorrem de posse no serviço público ou renda excessiva, casos muito díspares", afirmou, pedindo um acordo para retirar essas pessoas do programa.

A AGU ainda se comprometeu a mandar aos estados um relatório detalhado do motivo dos cortes de cada um dos cortes.

Os representantes legais dos governos do Nordeste afirmaram que, para permitir, queriam ter a garantia que esses cortes abririam novas vagas para a fila de espera na região —o que foi descartado, a princípio, pelo governo federal.

"Não podemos garantir isso. Se um município tiver 150% de cobertura, não vamos dar um benefício lá e penalizar o que tenha 50%, seja em qualquer região do país. Todos os cancelamentos e inclusões vão respeitar as regras normativas e não haverá discriminação. Eventualmente algum efeito vai percebido com concessões menores em alguma localidade", explicou Carolina Paranayba.

O governador Wellington Dias disse, diante da proposta e conversando com outros governadores do Nordeste, não teria sentido seguir a conciliação.

"Tem de ter dinheiro novo, não tem para onde correr! Você vai ter de reorganizar suas despesas programadas para cumprir, abrir a condição para um acordo. Se for essa a proposta, não faz sentido a conciliação. Estamos falando de uma decisão do Supremo desrespeitada, e seguimos com o mesmo ponto de partida de 2020", afirmou.

Regra transitória negada

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, defendeu a atualização emergencial da estimativa como uma solução definitiva do problema. "Quando arrumarmos essa estimativa em 180 dias, vai tirar esse embaçamento dos nossos olhos. Por isso aposto muito com uma nova estimativa que conseguirá aplicar as regras tradicionais sempre justo, como sempre foi", disse.

Entretanto, ele cobrou uma regra transitória até os 180 dias para que a redistribuição em razão das saídas respeitasse os estados onde estavam concedidos.

"Ou seja, se eu retiro o benefício de um baiano, eu coloco um novo de uma cidade pobre da Bahia. Porque, na ótica do ministério, sai de uma família mais rica do Nordeste para uma mais pobre do Rio. Mas também há menos renda para aquele estado, que é mais dependente da rede de proteção social. Me parece o melhor a se fazer", diz.

A advogada afirmou que não pode fechar um acordo causando prejuízo a outro estado. "A ação é só de beneficiários dos estados autores e, se fizer isso, tenho risco seríssimo de ter ações de outros estados. Se for uma decisão, a União pode cumprir, mas não posso fazer um acordo porque não temos como ceder em nome dos outros entes federados."