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CPI: relatório acusa Bolsonaro e filhos de comandar fake news sobre covid

Foto de arquivo mostra o presidente Jair Bolsonaro acompanhado dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos - Roberto Jayme/Ascom/TSE
Foto de arquivo mostra o presidente Jair Bolsonaro acompanhado dos filhos Flávio, Eduardo e Carlos Imagem: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

19/10/2021 18h21Atualizada em 20/10/2021 18h35

O senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus três filhos mais velhos — o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) — comandaram uma organização de propagação de informações falsas sobre a pandemia, com prejuízo concreto para a saúde dos brasileiros. A acusação está na proposta de relatório final elaborada pelo senador, obtida hoje pelo jornal O Estado de S. Paulo e cujo teor foi confirmado pelo UOL.

No documento, Renan afirma que trata-se de "uma intrincada organização fora do controle do poder público, envolvendo a participação de grande número de pessoas, gasto de vultosas quantias financeiras e uso de avançados recursos tecnológicos". A organização teria como objetivo "influenciar a opinião da população quanto a determinado tema" por meio da prática de crimes e com o intuito final de "obter vantagens político-partidárias e/ou econômico-financeiras".

O texto afirma que a CPI da Covid reuniu "elementos que evidenciam" a omissão do governo federal na conscientização da população sobre a pandemia; a participação de Bolsonaro, seus filhos e do primeiro escalão do governo na criação e disseminação das informações falsas; o uso do governo para promover essas declarações do presidente; e o apoio a comunicadores que propagam mentiras sobre a covid.

Segundo o relatório, as fake news sobre a pandemia "amplificaram os riscos de contaminação das pessoas, levarem à sobrecarga o sistema de saúde e, lamentavelmente, causaram mais óbitos". A desinformação sobre vacinas, por exemplo, levou parte da população a resistir à imunização, o que "certamente causou a perda de inumeráveis e valiosas vidas durante a pandemia". Renan afirma que as informações falsas espalhadas por Bolsonaro sobre vacinas são indícios de "incitação ao crime de descumprimento de norma sanitária".

Na quarta (20), em discurso, Bolsonaro atacou a CPI e disse que seu governo não tem culpa de nada. Flávio e Carlos Bolsonaro afirmam que as acusações das quais são alvo no relatório não têm fundamento. A reportagem não conseguiu contato com o gabinete de Eduardo Bolsonaro. O UOL busca contato com todos os alvos de pedidos de indiciamento (veja as respostas mais abaixo).

Em resumo, o capítulo da proposta de relatório que fala sobre desinformação aponta o seguinte:

  • Presidente e filhos formariam "comando" da desinformação sobre a pandemia e fizeram propaganda de divulgadores de notícias falsas
  • Estrutura para desinformar incluiria os assessores do "gabinete do ódio", parlamentares, políticos, autoridades públicas, lideranças religiosas, empresários, influenciadores de redes sociais, sites alinhados ao governo e perfis anônimos
  • Desinformação mirou temas como a origem do coronavírus; medidas de isolamento; responsabilidade do governo Bolsonaro na pandemia; falsos tratamentos para a covid; número de mortes pela doença; uso de máscaras; e vacinas
  • "Quanto mais enganam sua audiência, mais benefícios econômicos obtêm, a despeito das nefastas consequências que vêm causando na pandemia", diz relatório sobre donos de perfis que espalham desinformação
  • Secretaria de Comunicação do Planalto teria gastado R$ 4 milhões com influenciadores que espalharam notícias falsas sobre a pandemia

É importante reiterar que a propagação de informação falsa e os ataques as instituições não se limitam à opinião pessoal de Jair Bolsonaro. Ao assumir a presidência da República, ele assume as responsabilidades e competência do cargo em que ocupa, de forma que suas declarações têm a natureza de decisões oficiais, que influenciam fortemente a população. Desta maneira, conclui-se que o Presidente foi ator relevante na propagação de comunicação falsa em massa no que se refere à pandemia de covid-19."
Proposta de relatório final da CPI da Covid

Estrutura da organização

O senador Renan Calheiros lista cinco núcleos da suposta organização, todos articulados entre si:

  • Núcleo de comando

Formado por Bolsonaro e os filhos Flávio, Carlos e Eduardo, teria "a função de dirigir a organização e orientar estrategicamente as ações realizadas nos níveis inferiores da hierarquia, dando-lhes diretrizes e informando-lhes prioridades de ação."

  • Núcleo formulador

É formado pelos integrantes do chamado "Gabinete do Ódio", chefiado por Filipe Martins, assessor especial para Assuntos Internacionais, ligado diretamente a Carlos e atuando de dentro do Palácio do Planalto. O núcleo seria "formulador de conteúdos e distribuição aos disseminadores" de notícias falsas, diz o relatório.

  • Núcleo político

Formado por parlamentares, políticos, autoridades públicas e religiosas. São citados o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni (DEM); os deputados federais Ricardo Barros (PP-PR), Osmar Terra (MDB-RS), Carlos Jordy (PSL-RJ), Carla Zambelli (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF); o pastor Silas Malafaia; o empresário Carlos Wizard; o ex-ministro Ernesto Araújo; o ex-presidente da Funag (Fundação Alexandre de Gusmão) Roberto Goidanich; e o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-SP) .

Segundo o relatório, eles "incentivaram as pessoas ao descumprimento das normas sanitárias impostas para conter a pandemia e adotaram condutas de incitação ao crime."

  • Núcleo de produção e disseminação

Núcleo que dissemina as notícias falsas. Seria composto por três grupos: influenciadores em redes sociais, como Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio, Leandro Ruschel, Bernardo Küster, entre outros; veículos de mídia organizados, como os sites Terça Livre, Brasil Paralelo, Jornal da Cidade Online, entre outros; e perfis anônimos, incluindo "robôs" digitais.

  • Núcleo de financiamento

Grupo que forneceria os "recursos materiais e financeiros necessários para sustentar economicamente a organização e permitir a realização das ações decididas pelo núcleo de comando". Entre os principais financiadores investigados são citados os empresários Otávio Fakhoury, que integra o Instituto Força Brasil, e o empresário Luciano Hang, fundador da Havan.

Principais assuntos da desinformação

O relatório elenca ainda os principais assuntos tratados pela organização de desinformação supostamente comandada pela família Bolsonaro. São eles:

  • Origem do coronavírus: a organização teria espalhado "notícias infundadas sobre a origem do vírus, perpetrando e encorajando ataques à China e seu povo, por meio de conteúdo nitidamente xenófobo";
  • Desestímulo ao isolamento social: ataques a este tipo de medida com "argumentos falhos" sobre sua eficácia. "Como consequência, incutiu desconfiança em parte da população, que acabou por não compreender o benefício das medidas e, em casos mais extremados, até refutá-las";
  • Isenção de responsabilidade do governo Bolsonaro: O grupo também teria estimulado o discurso de que, por causa de uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo federal estaria isento de tomar decisões sobre a pandemia, cuja responsabilidade seria inteiramente de estados e municípios. A verdade é que o Supremo decidiu pela autonomia de estados e municípios e pela competência compartilhada entre União, governos estaduais e prefeituras;
  • "Tratamento precoce": a organização teria incentivado o uso de remédios sem eficácia contra a covid com base em estudos falhos;
  • Mentiras sobre número de mortes: "Muitas dessas noticias falsas davam a entender que médicos e demais profissionais da saúde eram incentivados ou coagidos a registrar os óbitos como decorrentes de covid-19, independentemente de sua real causa", diz o texto;
  • Desestímulo ao uso de máscaras: apesar de o uso de máscaras ter eficácia cientificamente comprovada, o relatório diz que algumas publicações "até indicavam suposta nocividade em seu uso". "Outros seguiram a linha da politização do uso do equipamento, que passou a ser apontado como 'medida de controle social'", aponta o relatório;
  • Propaganda antivacina: Considerado pelo relatório o mais nocivo de todos os tipos de fake news supostamente divulgados por Bolsonaro. "O próprio presidente da Republica praticou abertamente o discurso antivacina, ao desacreditar, mais do que uma vez, a vacina CoronaVac, porque o medicamento 'não transmite segurança pela sua origem'", diz o documento, que traz diversos exemplos de falas de Bolsonaro questionando o imunizante;

Essas publicações são indícios da prática da infração penal de incitação ao crime de descumprimento de norma sanitária. Na prática, ao estimular a população a se aglomerar, a não se vacinar, a desobedecer as regras de uso de máscara e lockdown, pessoas influentes e agentes políticos contribuíram para o agravamento da pandemia."
Proposta de relatório final da CPI da Covid

Outro lado

A Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) não respondeu sobre as acusações feitas contra o presidente Jair Bolsonaro. Em discurso na quarta (20), Bolsonaro disse que o seu governo "não tem culpa de absolutamente nada" em relação à pandemia.

Em nota enviada por sua assessoria, o senador Flávio Bolsonaro chamou o relatório de "alucinação" e afirmou que as acusações contra ele e contra o governo "não têm base jurídica e sequer fazem sentido."

A assessoria jurídica de Carlos Bolsonaro disse que um eventual indiciamento não tem fundamento "nos fatos apurados na CPI e nas inúmeras narrativas que foram criadas e que não se sustentaram com o tempo." Segundo a assessoria, o vereador "não tem qualquer relação com as medidas adotadas no enfrentamento da pandemia pelo governo federal".

O ministro Onyx Lorenzoni não comentará o relatório, segundo sua assessoria de imprensa.

O deputado federal Ricardo Barros disse que vai processar o senador Renan Calheiros "por abuso de autoridade e denunciação caluniosa."

A deputada federal Carla Zambelli informou que entrou com pedido de habeas corpus no STF (Supremo Tribunal Federal) para que seja ouvida na CPI da Covid. Em nota, a deputada disse que o CPP (Código de Processo Penal) "garante a todo cidadão o direito à ampla defesa e sugere aos demais possíveis indiciados que façam o mesmo". O processo foi distribuído ao ministro Ricardo Lewandowski, que já intimou a CPI para prestar esclarecimentos.

A deputada federal Bia Kicis foi procurada três vezes por telefone por meio de sua assessoria de imprensa, conforme orientação de seu gabinete, mas não comentou. Também não respondeu por mensagem de texto, nem enviou posicionamento até a última atualização deste texto.

Na quarta (20), via Twitter, Leandro Ruschel disse que a CPI criminaliza conservadores e ataca a liberdade de expressão. Ele afirmou que foi acusado de incitação ao crime "por posts de Twitter que não trazem fake news, um um conceito vago que passou a significar tudo aquilo que o seu oponente político defende, tampouco incitação a cometer qualquer crime". Segundo Ruschel, nenhum de seus posts apresentados no relatório "sugere que alguém desobedeça lei alguma".

Oswaldo Eustáquio disse que a CPI "foi um um teatro dos senadores para chegar a uma conclusão falsa" e questionou ter sido alvo de um pedido de indiciamento sem ser ouvido para se defender.

O UOL aguarda manifestações dos outros citados.