Governo expôs população a risco de infecção em massa, diz relatório
Em sua proposta de relatório final da CPI da Covid-19, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) afirma que o governo federal "assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros" ao deliberadamente promover a disseminação do novo coronavírus com o objetivo de promover uma imunidade de rebanho.
Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, Renan apresentará o documento de quase 1.200 páginas ao grupo de senadores da cúpula da CPI, conhecido como G7, na noite de hoje. No encontro serão discutidas possíveis alterações no texto final que será apresentado amanhã e submetido a votação a semana que vem.
Esta versão do relatório final, obtida e divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, foi confirmada ao UOL por integrantes do colegiado. Nela são sugeridos os indiciamentos de 72 pessoas e empresas.
Segundo o documento, Bolsonaro, ministros de Estado, membros do governo federal e integrantes do chamado gabinete paralelo agiram para que a covid-19 se propagasse em meio à população, tendo responsabilidade direta pelas mais de 600 mil mortes registradas no país.
"Com esse comportamento o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros".
Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid-19 no Senado
"Após quase seis meses de intensos trabalhos, esta Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia colheu elementos de prova que demonstraram sobejamente que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa", diz o texto.
Ainda segundo o relatório, "comprovaram-se a existência de um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo científico de eficácia, o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas. Paralelamente, houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a vida das pessoas".
O relatório atribui a ações e declarações feitas diretamente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) o objetivo de promover a contaminação em massa da população —um dos pontos usados pelo relator para pedir seu indiciamento por diversos crimes.
"Visando ao atingimento da imunidade de rebanho pela contaminação, o governo federal, em particular o presidente Jair Messias Bolsonaro, com o uso da máquina pública, de maneira frequente e reiterada, estimulou a população brasileira a seguir normalmente com sua rotina, sem alertar para as cautelas necessárias, apesar de toda a informação disponível apontando o alto risco dessa estratégia", afirma Renan. "A ênfase do governo foi em proteger e preservar a economia, bem como em incentivar a manutenção das atividades comerciais, inclusive, com propaganda oficial apregoando que o Brasil não poderia parar".
Gabinete paralelo
Na visão de Renan Calheiros, ficou provado que o principal objetivo do gabinete paralelo "composto por médicos, políticos e empresários" era aconselhar diretamente o presidente Jair Bolsonaro sobre a condução da pandemia, com a finalidade de promover a imunidade de rebanho.
" A CPI também pôde concluir que um dos principais objetivos do gabinete paralelo era o aconselhamento do Presidente da República para que fosse atingida a imunidade de rebanho pela contaminação natural no Brasil. Essa estratégia levou o Presidente Jair Bolsonaro, por um lado, a resistir obstinadamente à implementação de medidas não farmacológicas, tais como o uso de máscara e o distanciamento social e, sobretudo, a não conferir celeridade na compra de imunizantes, mas, em sentido oposto, a dar ênfase à cura via medicamentos, por meio do chamado "tratamento precoce", assevera Renan Calheiros no documento.
De acordo com o relator, "o grupo, que não tinha investidura formal em cargos públicos, prestava orientações ao Presidente da República sobre o modo como a pandemia da covid-19 deveria ser enfrentada e participava de decisões sobre políticas públicas, sem que fossem observadas as orientações técnicas do Ministério da Saúde".
Segundo ele, os integrantes do gabinete paralelo agiam fora da máquina formal do Estado para evitar possíveis punições por conta de suas orientações sem embasamento científico.
"O fato de não integraram os quadros da Administração Pública, além de atrapalhar o planejamento e a execução dos trabalhos de combate à covid-19, servia para ocultá-los e dificultava sua responsabilização pelos atos praticados".
Rede de fake news
O relatório diz também que o presidente e seus três filhos mais velhos — o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) — comandam uma organização de propagação de informações falsas sobre a pandemia.
No documento, Renan afirma que trata-se de "uma intrincada organização fora do controle do poder público, envolvendo a participação de grande número de pessoas, gasto de vultosas quantias financeiras e uso de avançados recursos tecnológicos".
Defesa do tratamento precoce
Renan também responsabiliza Bolsonaro pela defesa "incondicional e reiterada" do uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19, como a cloroquina, a hidroxicloroquina, a ivermectina e a azitromicina, que compõem o chamado "kit covid". Os remédios foram distribuídos por entidades públicas e privadas para promover falsamente um tratamento precoce contra a doença —esse tipo de terapia não tem efeito positivo sobre os pacientes. O relator da CPI afirma que o presidente é o "principal responsável" pelos erros no combate à pandemia.
"Especialistas internacionais concordam sobre o fracasso e a incapacidade do presidente brasileiro em lidar com a pandemia. Com efeito, a insistência no tratamento precoce em detrimento da vacinação aponta para o Presidente da República como o principal responsável pelos erros de governo cometidos durante a pandemia da covid-19, já que foi corretamente informado e orientado pelo Ministério da Saúde, e mesmo assim agiu em contrariedade à orientação técnica, desprezando qualquer alerta que se contrapusesse a suas ideias sem fundamento científico, ou simplesmente demitindo os técnicos responsáveis por esses alertas", avalia.
" Atuando assim, a opção levada a cabo sobretudo pelo Chefe do Executivo Federal contribuiu para uma aterradora tragédia, na qual centenas de milhares de brasileiros foram sacrificados e outras dezenas de milhões foram contaminados", completa Renan.
Indígenas
O relatório parcial também aborda o impacto da pandemia sobre os povos indígenas. No texto, Renan cita o termo "genocídio". "Denúncias sobre a ocorrência de genocídio contra povos indígenas começaram a surgir ainda em 2019, para a incredulidade de muitos. Afinal, é comum o uso de hipérboles em disputas políticas. Mas fatos novos, documentos e pareceres trazidos à atenção da Comissão Parlamentar de Inquérito durante a pandemia constituem indícios fortes de que esse crime esteja, de fato, em curso", afirma.
O documento afirma que houve "intenção" de colocar os indígenas sob "risco de contágio". "Atitudes deliberadas do governo ajudaram a produzir esse efeito, como fica demonstrado a partir da análise de documentos entregues à CPI.
Propostas de novas leis
O relatório parcial também sugere a criação de leis.
Confira, abaixo, as principais propostas:
- Tornar crime a criação ou divulgação de notícias falsas, com pena aumentada se prejudicar a saúde pública
- Fazer com que a retirada do ar de notícias falsas que atentem "contra a saúde, a segurança, a economia ou outro interesse público relevante" possa ser determinada como medida cautelar
- Obrigar redes sociais e aplicativos a identificarem usuários que mandam mensagens para pessoas no Brasil
- Obrigar redes sociais e aplicativos a tomar medidas contra notícias falsas, sob pena de multa ou suspensão de atividades no Brasil
- Suspender monetização, via redes, de usuários que divulgam notícias falsas ou usam perfis falsos
- Obrigar empresas donas de aplicativos e redes sociais a manter registros de transações e comunicar operações financeiras ao Coaf
- Aumentar penas de crimes contra a administração pública, como peculato, se houver desvio de verbas para emergência de saúde pública
- Criar o crime de extermínio, que seria cometido por quem quer ou assume o risco de "destruir parte inespecífica da população civil"
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