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O que acontece após a aprovação do relatório final da CPI da Covid?

20.10.21 - O senador Renan Calheiros (MDB-AL) na apresentação do relatório final da CPI da Covid - Edilson Rodrigues/Agência Senado
20.10.21 - O senador Renan Calheiros (MDB-AL) na apresentação do relatório final da CPI da Covid Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

26/10/2021 14h33Atualizada em 27/10/2021 11h26

Após quase seis meses de trabalhos, o relatório final da CPI da Covid elaborado por Renan Calheiros (MDB-AL) foi aprovado hoje pela maioria dos membros da comissão. E, agora, quais são os próximos passos?

O documento recomenda 80 indiciamentos, sendo 78 pessoas e duas empresas.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é apontado no texto como um dos principais responsáveis pelo agravamento da pandemia e sugere que ele seja responsabilizado e investigado por dez crimes.

Entre as imputações ao chefe do Executivo federal estão crimes comuns, que têm pena de prisão e/ou multa, crimes contra a humanidade e crimes de responsabilidade, que podem resultar em impeachment, em última instância.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, durante sessão deliberativa da Casa - Leopoldo Silva/Agência Senado - Leopoldo Silva/Agência Senado
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, durante sessão deliberativa da Casa
Imagem: Leopoldo Silva/Agência Senado

Entrega dos resultados ao presidente do Senado

Os senadores da CPI querem entregar o relatório final ao presidente do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco (MG).

Em princípio, a ideia dos senadores era promover o ato no gabinete da presidência do Senado amanhã às 10h, informou o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). No entanto, até a última atualização desta reportagem, o encontro não havia sido confirmado.

A ideia é mostrar ao presidente da Casa os resultados da comissão. Inicialmente, Pacheco resistiu à CPI e permitiu a instalação da comissão somente após determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). No entanto, prorrogou seu funcionamento sem maiores divergências quando solicitado pela cúpula do colegiado.

Caminhos ao MP e entrega ao procurador-geral da República

A CPI não tem poder para punir suspeitos. Portanto, após a deliberação do plenário da comissão sobre o relatório, as sugestões de aprofundamento de investigações e de indiciamentos serão encaminhadas aos órgãos de fiscalização e controle —sobretudo o MPF (Ministério Público Federal), por meio da PGR (Procuradoria-Geral da República), e o Ministério Público dos estados, com foco no Distrito Federal e em São Paulo, onde já existem apurações em andamento.

Cabe ao Ministério Público promover a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Para fins de responsabilização na Justiça, o relatório feito pela CPI pode servir como ponto de partida para uma investigação do Ministério Público, autoridade competente para a função. Nesse caso, as informações, evidências, provas, depoimentos e materiais obtidos durante as diligências podem ajudar a embasar eventual denúncia oferecida pelo MP —o que daria início ao devido processo legal.

Caso a denúncia seja oferecida, os fatos serão analisados pela instância da Justiça de acordo com as pessoas que supostamente praticaram crimes. Se um investigado tiver foro privilegiado em âmbito federal, situação que inclui o presidente da República, por exemplo, o foro proporcional é o STF.

Pela importância central do Ministério Público Federal para eventual denúncia contra o presidente Bolsonaro, uma das primeiras providências do G7, grupo majoritário da Comissão Parlamentar de Inquérito formado por oposicionistas e independentes, será tentar entregar o texto ao procurador-geral da República, Augusto Aras.

A previsão é que os senadores se reúnam com Aras amanhã, às 10h30.

Augusto Aras já afirmou que analisará relatório da CPI da Covid com independência, sem convencer todos os senadores - Pedro França/Agência Senado - Pedro França/Agência Senado
Augusto Aras já afirmou que analisará relatório da CPI da Covid com independência, sem convencer todos
Imagem: Pedro França/Agência Senado

Parte dos senadores da CPI tem receio de que Aras engavete as sugestões da comissão. Isso porque ele foi indicado ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo governo é o principal alvo de eventuais irregularidades investigadas pelo colegiado. Aras já afirmou que fará uma análise independente, sem convencer todos os parlamentares.

Caso o Ministério Público chegue à conclusão de que, apesar do trabalho da CPI, não há elementos mínimos que justifiquem o processo criminal, não oferecerá a denúncia.

A entrega do relatório final ao Ministério Público dos estados, como de São Paulo e do Rio de Janeiro, deve acontecer a partir de 8 de novembro, devido ao feriado de Finados da semana que vem.

Há ainda jurisprudência no STF que permite que as informações contidas no relatório de uma CPI possam ser utilizadas por outros órgãos de apuração e/ou execução, tanto na esfera criminal quanto na cível. É o caso, por exemplo, de um eventual inquérito da Polícia Federal que proponha o aprofundamento de um ponto específico da investigação conduzida pela CPI.

Cúpula da CPI defende criação de frente parlamentar para funcionar como um "observatório" e acompanhar desdobramentos do relatório final - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
Cúpula da CPI defende criação de frente parlamentar para funcionar como um "observatório" e acompanhar desdobramentos do relatório final
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Criação de 'observatório' e pedido de impeachment

Ainda nesta semana, os membros do G7 e outros senadores que apoiaram a CPI da Covid nos últimos meses deverão criar uma frente parlamentar que, na prática, funcionará como um observatório para acompanhar os desdobramentos do relatório final da comissão.

"O relatório da CPI deve ser nosso instrumento de defesa [contra o cometimento de crimes na pandemia] e, por isso, a criação do observatório para 'orar e vigiar'", disse Randolfe.

O senador disse que a intenção é aprovar a resolução para criação do observatório até quinta (28).

Por meio da iniciativa, os senadores pretendem entregar o relatório ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-PL), na semana que vem.

Isso porque o documento imputa ao presidente Bolsonaro o cometimento de crimes de responsabilidade previstos na Lei do Impeachment (1070/50) —violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo—, que dependem da análise preliminar do presidente da Câmara para posterior andamento no Congresso Nacional.

A reunião com Lira, porém, ainda não está confirmada. O atual presidente da Câmara é desafeto de Renan Calheiros por questões políticas locais.

A CPI não pode pedir diretamente o impeachment do presidente Bolsonaro, mas, além de o eventual pedido ter a previsão de acontecer por meio do observatório, o texto deverá ser subscrito por um grupo de juristas —em articulação pela cúpula da comissão.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, é o responsável por aceitar ou não eventual análise de processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
O presidente da Câmara, Arthur Lira, é o responsável por aceitar ou não eventual análise de processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro
Imagem: Alan Santos/PR

Se houver consenso, Arthur Lira pode abrir eventual processo de impeachment. Trata-se de um cenário improvável neste momento, pois o governo tem ao seu lado, na base de apoio, o bloco conhecido como "centrão". Além disso, Lira já se manifestou contrário à medida.

O relatório final da CPI da Covid imputa a Bolsonaro ainda crimes contra a humanidade nas modalidades "extermínio, perseguição e outros atos desumanos". A eventual responsabilização depende do Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. Os senadores da CPI ainda não chegaram a uma definição de como irão agir neste caso.

Uma possibilidade em aberto é também um encontro dos parlamentares defensores da CPI com o presidente do STF Luiz Fux ou o ministro da Corte Alexandre de Moraes para marcar o compartilhamento de informações com o inquérito das fake news. Moraes é o responsável pelo caso no tribunal.

O relatório final também pode ser usado como ponto de partida para a elaboração de projetos de lei com o objetivo de promover mudanças em relação a normas e procedimentos de casos apurados pela CPI.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.