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Familiar, Podemos já dançou com PT e PSDB antes de assumir Moro e Lava Jato

O ex-juiz volta a política com a filiação ao Podemos; objetivo do partido é tê-lo como candidato a presidente da República - 4.dez.19 - Adriano Machado/Reuters
O ex-juiz volta a política com a filiação ao Podemos; objetivo do partido é tê-lo como candidato a presidente da República Imagem: 4.dez.19 - Adriano Machado/Reuters

Nathan Lopes

Do UOL, em São Paulo

10/11/2021 04h00

Ex-juiz e ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), Sergio Moro se filiou nesta quarta-feira (10) ao Podemos, um partido que costuma dançar conforme a música do momento. Hoje, tem como bandeira a defesa dos conceitos da Lava Jato, operação que teve Moro como comandante no Judiciário. Já foi aliado do PSDB na eleição presidencial de 2014 e do PT, na de 2010.

Além disso, é um partido familiar, comandado pela família Abreu desde sua fundação, ainda como PTN (Partido Trabalhista Nacional), em 1995. A presidente atual é a deputada federal Renata Abreu (SP). Seu pai, José de Abreu, é fundador do CTN (Centro de Tradições Nordestinas), localizado na capital e que chegou a ser usado como sede do partido anos antes de se tornar o Podemos, em 2016. A direção do partido, porém, insiste em marcar uma separação entre as duas legendas.

Mudança com Alvaro Dias

"O Podemos é dessa característica de ser um partido sem posicionamento", diz Flávia Babireski, doutoranda em Ciência Política na UFPR (Universidade Federal do Paraná). "Ele aceita figuras importantes com as quais o partido tem a ganhar. E isso foi o que aconteceu com o Alvaro", completou, em referência ao senador Alvaro Dias (PR).

Após deixar o PSDB, Dias teve uma breve passagem pelo PV e se filiou ao Podemos em 2017. Pelo partido, disputou o Planalto em 2018, já encampando o discurso de defensor da Lava Jato, em alta na ocasião. O senador foi um dos grandes incentivadores da ida de Moro para o governo Bolsonaro e um dos responsáveis pela escolha do ex-juiz pelo Podemos. "Agora Moro vem para contribuir com isso [marca de lavajatista no partido]."

Se o partido parece adotar uma linha mais consistente em relação à última eleição, nem sempre foi assim.

O Podemos, quando ainda era PTN, já apostou em famosos para atrair atenção, como o ex-boxeador Maguila, um clone de Enéas Carneiro, a atriz pornô Cameron Brasil e a dançarina Mulher Pêra, como aconteceu na eleição de 2010. "Antes dessa bandeira que assumiu com o Alvaro Dias, o PTN não tinha nenhuma bandeira, defesa de nada", diz Babireski. "Era um partido pequeno e aumentou a bancada com o Alvaro."

Em 2014, o Podemos, ainda como PTN elegeu 4 deputados federais. Quatro anos depois, foi quase o triplo: 11 deputados. Em 2010, o partido não elegeu deputados.

Força no Senado

A força do partido está no Senado. Em 2018, elegeu um senador. Após fusão com o PHS e filiações, conta hoje com nove parlamentares, a terceira maior bancada do Senado, atrás de PSD (12) e MDB (15). Inclusive, os três senadores do Paraná, estado da Lava Jato, são justamente do Podemos.

"Uma das estratégias do partido sempre foi a atração de políticos que já possuíam mandato", diz Danilo Medeiros, pesquisador de pós-doutorado do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). "Senadores são figuras políticas de maior destaque e com capacidade de mobilizar políticos, potencialmente trazendo aliados de vários cargos eletivos. Isso vai aos poucos aumentando a rede do partido e aumentando sua capacidade de atração."

Em seus quadros, há, além de apoiadores da Lava Jato, defensores de Bolsonaro, como o deputado José Medeiros (MT), e de alianças com a esquerda, como o deputado Bacelar (BA). Por escrito, a presidente do partido disse ao UOL que essas diferentes visões são um "diferencial" do Podemos. "O partido é independente e essa é a prova disso. Com o nascimento de uma candidatura [a presidente], em breve, deve-se caminhar para unificação", redigiu Renata Abreu.

Com um crescimento que não é orgânico, o Podemos "é um partido similar a muitos outros partidos no país", afirma o cientista político Glauco Peres, professor da USP (Universidade de São Paulo).

Por esse motivo, ao contrário do que acontece com outros partidos mais tradicionais e com uma ideologia mais clara, como PT, PSDB, Novo e PSOL, por exemplo, o Podemos depende muito das figuras que possui para ter voto. "Não vai ter essa associação à legenda", diz Peres, lembrando do que aconteceu com o PSL, um partido então pequeno como o Podemos, e Bolsonaro em 2018.

O Podemos é um partido pequeno tentando sobreviver --e, se possível, crescer-- no sistema partidário brasileiro. Calcula o tempo todo qual a melhor estratégia para isso. Se ligar a diferentes partidos em diferentes momentos foi o que a direção do Podemos achou que era o melhor para alcançar tais objetivos. Se fizerem o cálculo correto, não sei, mas o partido está aí vivo e crescendo. Endossar o lavajatismo --mesmo tendo filiados investigados em casos de corrupção-- também fez parte da sua estratégia de sobrevivência e crescimento
Danilo Medeiros, pesquisador do Cebrap

História

A sigla PTN foi resgatada do partido que abrigou Jânio Quadros, eleito presidente em 1960, última eleição antes do golpe que resultou na ditadura militar. Com um governo conservador, ele foi marcado pela figura da "vassourinha", que iria acabar com a bandalheira e tornar o Brasil um país "moralizado". O partido foi fechado em 1963. Em 1995, a família Abreu resgatou a sigla.

O discurso em defesa da moralização da política faz parte da estratégia do Podemos, que prepara o lançamento do nome de Moro para a disputa pela Presidência da República. Não é possível afirmar, no entanto, que o partido é o único que tem como bandeira o combate à corrupção —afinal, nenhum apoiaria publicamente a conduta. "Ninguém vai defender corrupção. Nem direita nem esquerda", diz Babireski.

O discurso anticorrupção já foi utilizado por Bolsonaro, ex-chefe de Moro, no último pleito. "Ele foi eleito com um discurso contra a corrupção e extremamente conservador. Trocou a vassourinha pela arminha", diz Medeiros. "A candidatura de Moro, se de fato ocorrer, provavelmente será focada na sua figura, no lavajatismo, e não no partido."

Abreu prefere separar a história do PTN da do Podemos, novo nome utilizado desde 2017, e fala em refundação. Por escrito, ela rechaçou comparações com o símbolo do PTN de Jânio. "Não existe vassourinha no Podemos." Ela ainda afirmou que apoiar a Lava Jato é uma questão de consciência cívica. "Jamais foi estratégia eleitoral."