Comissão discute fim de 'orçamento secreto', mas tende a meio-termo com STF
A CMO (Comissão Mista de Orçamento) do Congresso Nacional, que analisa e toma decisões em relação a recursos ano a ano para a manutenção da administração pública federal, discute acabar com as emendas de relator, também apelidadas por críticos de "orçamento secreto".
No entanto, a tendência é que os parlamentares façam um aceno ao STF (Supremo Tribunal Federal) no sentido de dar mais transparência na aplicação dessas emendas para que os recursos com o pagamento atualmente suspensos sejam liberados pela Corte.
No papel, as chamadas emendas de relator, de código técnico RP-9, pertencem ao relator-geral do Orçamento, definido a cada ano. O relator pode encaminhar sugestões de parlamentares para a aplicação de verbas federais aos ministérios. Na prática, elas costumam ser usadas para destinar dinheiro a obras e projetos nas bases eleitorais dos parlamentares, o que acaba aumentando o capital político deles.
Os verdadeiros "donos" das sugestões só aparecem em documentos internos dos ministérios e dos gabinetes do Congresso, um processo cujo controle integral é paralelo e está fora dos portais de transparência utilizados pelos cidadãos.
Por essa razão, o STF suspendeu o pagamento dessa modalidade de transferência de dinheiro. Antes, a ministra Rosa Weber também havia determinado a divulgação de documentos que justifiquem a distribuição dessas verbas no orçamento do ano passado e deste ano, e a criação de um sistema que registre e centralize esses pedidos.
Como o pagamento das emendas de relator não é obrigatório, há suspeitas de que o governo as utilize como moeda de troca quando precisa de apoio em votações no Congresso, como no caso da PEC dos Precatórios. O consenso entre os deputados federais é que as emendas de relator hoje são controladas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e sua cúpula aliada na Casa, segundo relatos feitos à reportagem.
Um dos vice-presidentes da CMO, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirmou à reportagem que integrantes da comissão discutem internamente até acabar com as emendas de relator da maneira como ela funciona hoje para dar fim à polêmica. Isso porque a modalidade foi introduzida no Orçamento de 2020.
Meio-termo com o Supremo
Porém, há muitas resistências de colegas parlamentares, e a opção vista como mais viável agora é buscar um meio-termo com o Supremo, prometendo mais transparência proativa. Os congressistas avaliam pedir ao tribunal que reconsidere a decisão da suspensão, ao menos em parte, em troca de novas regras que detalhem a execução dos recursos das emendas de relator.
"Estamos buscando uma maneira de dar mais transparência ao processo dos recursos das emendas de relator. Também para descentralizar mais o poder do relator, não ficar tanto só na mão dele. Todas as opções estão sobre a mesa", declarou Izalci Lucas.
A forma como isso poderia ser feito está em discussão. O primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), chegou a formular um projeto de resolução do Congresso Nacional na tentativa de dar mais transparência a essas emendas.
Ramos sugere que as emendas apresentadas pelo relator-geral do projeto de Lei Orçamentária Anual, exceto quando se prestem a corrigir erros, omissões ou inadequações de ordem técnica ou legal, devem conter "o objeto da emenda, a identificação do solicitante das alterações na programação orçamentária, bem como do beneficiário final da aplicação dos recursos".
"Quando a seleção do beneficiário ocorrer durante a execução orçamentária, ficará a cargo do órgão executor a disponibilização das informações para acesso público", complementa o projeto. Ainda não há, porém, acordo para que essa sugestão seja votada.
Um eventual meio-termo antes que a maioria do Supremo chegasse a uma decisão, como cogitaram os governistas, não vingou. A ideia do grupo era que um ministro mais alinhado ao Planalto, como Kassio Nunes Marques, apresentasse um voto propondo um caminho para esse meio-termo e, então, os demais ministros o seguissem. Porém, isso não aconteceu.
"Acho que esse instrumento que esta Casa aprovou precisa ser revisto, até para não criminalizar a política, até para nós colocarmos cada pingo no 'i' e mostrar como o orçamento público é utilizado", já afirmou a deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP), integrante da CMO.
Outras alternativas
Enquanto isso, outras alternativas são discutidas. Parte dos parlamentares pressionam o governo federal para que o Executivo envie projetos de lei que transformem gastos previstos por meio das emendas de relator para outros tipos técnicos de despesa, como emendas coletivas.
Esta é uma das principais apostas do deputado Cláudio Cajado (PP-BA).
"Com a decisão do Supremo, temos com certeza a expectativa — aí eu falo em meu nome, porque não tive ainda a informação oficial do governo — de virem outros PLNs para poder ajustar essa questão do RP-9, já que eles não poderão ser pagos. Eu não sei se os que estão empenhados terão sequência ou serão cancelados", falou, durante reunião na terça (9).
Um ponto que joga contra essa mudança na modalidade de emendas é que o processo é burocrático e os recursos previstos para serem executados ainda neste ano correriam o risco de ser perdidos por falta de tempo para os projetos serem apreciados, alega um líder governista consultado pelo UOL.
Há projetos de lei relativos ao orçamento já enviados ao Congresso há mais de um mês que ainda não chegaram à CMO para análise, por exemplo, segundo fala da presidente da comissão, senadora Rose de Freitas (MDB-ES), também na terça passada.
Como o próprio Cajado disse, também não há ainda uma sinalização certeira do Planalto para a iniciativa.
Para complicar o avanço do debate no futuro próximo, tanto Lira quanto o presidente do Congresso e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estão em missão oficial em Portugal, onde participam de evento da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, entre outros.
Um dos líderes do centrão, sob reserva, se mostrou irritado com a falta de críticas públicas mais direcionadas ao Supremo por parte de Pacheco e disse que agora a questão deve ser resolvida por ele, já que é presidente também do Congresso.
Rebeldia
Uma ação mais radical também não é descartada pelos deputados federais: não respeitar o resultado do julgamento do STF por meio da aprovação de um projeto de decreto legislativo do Congresso nos plenários da Câmara e do Senado.
Essa alternativa, porém, é vista como "agressiva", nas palavras de um líder do governo, e poderia causar uma crise institucional séria entre Judiciário e Legislativo.
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