Rixas com Doria e Lula e decepção nas redes travam ida de Bolsonaro ao PL
Embora as negociações estivessem em fase avançada, a filiação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao PL, marcada para 22 de novembro, foi adiada sem nova data prevista. Entre os motivos estão as articulações regionais do partido para as eleições do ano que vem, especialmente em São Paulo e no Nordeste, que esbarram nas rixas do presidente com o governador paulista, João Doria (PSDB), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Além disso, entram na lista a decepção demonstrada por parte do eleitorado nas redes sociais com a oficialização de Bolsonaro como membro do centrão e a falta de compromisso da legenda com tradicionais bandeiras bolsonaristas, como a ampliação do acesso às armas.
Disputa em São Paulo
O PL não quer romper hoje com Doria, um dos maiores rivais políticos de Bolsonaro e que pretende disputar a Presidência da República no próximo pleito. Há conversas para que o PL apoie o atual vice de Doria, Rodrigo Garcia (PSDB), como candidato a governador do estado na eleição.
Bolsonaro não aceita o apoio do PL a aliados de Doria e cogita lançar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, como eventual concorrente de Garcia. Uma possibilidade, no entanto, é que Tarcísio saia como candidato a outro cargo e por outro estado —como senador por Goiás—, mas a questão ainda está sendo discutida. De toda forma, o presidente não deverá permitir que o próprio partido apoie o grupo de seu inimigo número 1.
Disputa no Nordeste
Como partido do centrão —grupo informal de partidos sem ideologia clara que costuma apoiar o governante no poder em troca de cargos e recursos—, o PL também negocia apoiar chapas compostas por políticos de esquerda no Nordeste. Isso abre a possibilidade de que o PL acabe na base de candidatos que eventualmente pedirão votos para o ex-presidente Lula, que deve voltar ao jogo eleitoral.
Seriam as divergências apenas um pretexto?
Há no PL quem afirme que as disputas políticas regionais, especialmente relativa a São Paulo, são apenas um pretexto de Bolsonaro para acabar com as negociações após repercussão negativa da suposta ida ao PL entre a base bolsonarista mais fiel —essencial para manter um patamar significativo de apoio a Bolsonaro nas eleições.
Se antes Bolsonaro e aliados eram críticos ao centrão, mas buscam minimizar isso agora, parte dos eleitores bolsonaristas lembrou o antigo posicionamento e lançou questionamentos nas redes sociais. Bolsonaro dá grande importância ao que dizem os apoiadores e costuma medir a temperatura das reações a suas iniciativas pela internet.
Carlos Bolsonaro apagou um post de 2016 em seu perfil no Twitter. Na publicação, o vereador do Rio de Janeiro compartilhava reportagem sobre supostos pagamentos de propina ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e ao Partido da República (antigo nome do PL).
Para um interlocutor próximo a Costa Neto, Bolsonaro estava ciente da proximidade do PL com Doria, que não é recente. Ele considera que a filiação de Bolsonaro ao partido já "babou" e é questão de dias, ou até mesmo de horas, para qualquer intenção ser desfeita.
O interlocutor aponta que Bolsonaro já enfrentou problemas semelhantes ao conversar com outros partidos, principalmente o PP, e lembra que os potenciais adversários ao Planalto em 2022 começam a se articular de forma mais concreta. Por exemplo, o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, agora filiado ao Podemos.
A própria filiação de Bolsonaro ao PL poderia servir de munição para Moro reforçar o discurso de combate à corrupção, já usado ao entrar para o partido na semana passada, em Brasília.
Pautas de costumes e controle
Outros pontos de conflito são a adesão —ou falta dela— do PL às pautas de costumes defendidas por Bolsonaro. O PL nunca teve compromisso relevante ou duradouro com as mesmas bandeiras do presidente, como a ampliação ao acesso às armas ou temas religiosos.
Valdemar Costa Neto também não permitiu que Bolsonaro tomasse conta da Executiva nacional e tivesse controle sobre todos os diretórios estaduais, como preferia o grupo do mandatário. Isso foi tentado por Bolsonaro em conversas com outros partidos, como o Patriota, sendo inclusive motivo de briga na Justiça e, diante da impossibilidade, da desistência da filiação.
Essa falta de controle sobre um partido influencia diretamente no poder de tomar conta dos recursos partidários, essenciais para emplacar com força as campanhas de aliados e a própria.
Adiamento 'após intensa troca de mensagens'
Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, Bolsonaro disse ainda ter "muita coisa a conversar" com Valdemar Costa Neto.
"Temos muitas coisas a acertar ainda. Por exemplo, o discurso meu e do Valdemar nas questões das pautas conservadoras, nas questões de interesse nacional, na política de relações exteriores. A questão de defesa, os ministros, o padrão de ministros a continuar. Casamento tem que ser perfeito", afirmou, ao também citar a disputa em São Paulo.
O presidente, comitiva de ministros e a primeira-dama Michelle Bolsonaro, entre outros, estão em viagem de uma semana pelo Oriente Médio. O grupo chegou ontem a Dubai e deve passar também por Abu Dhabi, Manama (Bahrein) e Doha (Catar).
Logo depois, o PL tornou pública nota em que confirmou o cancelamento do evento de filiação marcado para 22 de novembro. Em texto a correligionários, Costa Neto diz que a decisão do adiamento da filiação foi tomada "de comum acordo" e "após intensa troca de mensagens na madrugada" com o presidente da República.
Mais tarde, Bolsonaro disse que a nota do adiamento da filiação foi "combinada" com Costa Neto.
Sem partido após brigas
Bolsonaro está sem partido desde o final de 2019, quando deixou o PSL, partido pelo qual se elegeu à Presidência da República em 2018, após brigas pelo comando da sigla com o grupo do deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE).
Desde então, o presidente tentava negociar com partidos de centro-direita, como Republicanos, Patriota e PP (Progressistas). Ele também tentou criar uma nova legenda, a Aliança pelo Brasil, que está longe de deslanchar por falta de apoio formal.
Antes crítico ao centrão e insatisfações
O PL é um dos principais símbolos do centrão. Bolsonaro e seus principais aliados —incluindo o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno— costumavam criticar o centrão na campanha eleitoral e no início do governo.
Contudo, o presidente intensificou a aproximação com o centrão em abril do ano passado para formar uma base aliada mais consistente no Congresso —com o objetivo de segurar pedidos de impeachment e aprovar matérias de interesse do governo— em troca de emendas e cargos a indicados por esses partidos.
Se por um lado a chegada de Bolsonaro ao PL é festejada pela cúpula do partido, do outro, um grupo de deputados federais eleitos pela sigla demonstra insatisfação. Um deles é o primeiro vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (AM), que já manifestou publicamente o seu descontentamento.
Na visão de Ramos, dividir espaço na legenda com o atual chefe do Executivo federal é um fato "absolutamente incômodo", segundo declarações dadas à imprensa antes do anúncio de filiação.
A previsão inicial é que ao menos um dos filhos de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (SP), se filie ao PL. Atualmente, os três filhos políticos do presidente estão em partidos distintos: Carlos é vereador no Rio de Janeiro pelo Republicanos, Flávio é senador pelo Patriota e Eduardo é deputado pelo PSL.
Opositores atribuíram a aliança de Bolsonaro com o PL a uma suposta dificuldade do presidente em encontrar uma sigla para participar da disputa presidencial no ano que vem.
Valdemar Costa Neto
Ex-deputado condenado no escândalo do mensalão, o líder do PL foi criticado mais de uma vez pelo próprio Bolsonaro e por seus filhos no passado. Em 2018, quando negociava quem seria seu vice, criticou o liberal. "O Valdemar Costa Neto já foi condenado no Mensalão, está citado, citado não, está bastante avançada a citação dele no tocante à Lava Jato."
Além da condenação a 7 anos e 10 meses no escândalo do Mensalão (por corrupção passiva e lavagem de dinheiro), Costa Neto foi citado na Operação Porto Seguro, em 2013, que investigou esquema de fraudes em pareceres técnicos, e na Lava Jato, por suspeita de receber R$ 500 mil para manter esquema da construtora UTC com o Ministério dos Transportes.
Partido Liberal
O atual PL é fruto da fusão do antigo PL com o Prona (Partido de Reedificação da Ordem Nacional).
Com a junção dos partidos, sua direção alterou o nome da legenda para PR (Partido da República), em 2006. A volta para PL foi possível em 2019, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) permitiu a mudança.
Atualmente, o PL é o partido com a terceira maior bancada na Câmara dos Deputados (atrás do PSL e do PT), com 43 deputados federais. A expectativa de líderes do partido é que ele forme, após as eleições do ano que vem, a maior bancada na Casa.
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