Emendas do orçamento secreto pagaram serviço de empresário bolsonarista
Recursos provenientes das emendas de relator-geral (RP-9) — que ficaram conhecidas como "orçamento secreto" — foram destinados ao custeio de serviços prestados pelo Grupo GSI Serviços Especializados, empresa de segurança privada fundada pelo policial civil, instrutor de tiro e entusiasta armamentista Carlos Alberto Rodriguez Tabanez.
Neste ano, a empresa recebeu R$ 86.774,13 até o dia 18, segundo dados oficiais disponíveis no Portal da Transparência. Os serviços foram prestados entre janeiro e maio de 2021 a partir de licitações vencidas em duas pastas federais: os ministérios do Turismo e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Em 2020, também com as RP-9, o Grupo GSI recebeu pouco mais de R$ 777 mil em serviços para os ministérios da Saúde, do Turismo e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Somados os empenhos (recursos autorizados no governo) e notas em liquidação, o volume de verbas para a empresa é de R$ 2,6 milhões no ano passado.
Emendas podem ser utilizadas no Orçamento federal para o custeio de serviços prestados por qualquer empresa que venha a ser contratada por um agente público.
Tabanez é apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ex-candidato a deputado federal (pelo Pros, nas eleições de 2018) e foi homenageado pela ONG Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários). Atualmente, o Grupo GSI, fundado por Tabanez, está registrado em nome de sua mulher, Kelly Fragoso.
Da Senah, ele recebeu em 2019 o título de "Embaixador da Paz". Três anos antes, foi agraciado com o título de "Cidadão Benemérito de Brasília" na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
A Senah, que em 2019 se chamava Senar (Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos), e seu fundador, o reverendo Amilton de Paula, foram investigados pela CPI da Covid por suposta atuação fraudulenta na oferta de vacinas ao Ministério da Saúde.
Em uma das oitivas da CPI, o reverendo Amilton foi questionado pelo vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sobre a honraria concedida ao empresário. Na ocasião, em 3 de agosto de 2021, o senador indagou se o depoente considerava que o trabalho Tabanez, defensor da ampliação do acesso a armas de fogo, podia ser considerado "humanitário".
"Ele faz trabalho, ele tem um instituto que faz trabalho social", respondeu o reverendo Amilton.
Outro lado
Procurado pelo UOL, Tabanez afirmou nunca ter sido procurado por nenhum parlamentar federal e/ou distrital com o objetivo de "negociar verbas". "Nem sabia de onde vem", disse ele, argumentando que os contratos foram firmados após participação em "pregões abertos ao público".
"A gente ganha a licitação e, no dia 30, recebe. De onde vem o dinheiro a gente não sabe",afirmou. "Isso aí não é problema meu. Eu só quero que me paguem. E, de vez em quando, ainda atrasa."
O empresário disse que ainda é filiado ao Pros, mas que aguarda a definição do destino partidário de Bolsonaro para acompanhá-lo — o presidente está em conversas com o PL. Tabanez disse ter recebido a homenagem da entidade do reverendo Amilton em razão de seu trabalho como voluntário e que depois disso nunca mais teve contato com o religioso.
O fundador do Grupo GSI Serviços Especializados também expressou descontentamento com a menção feita a ele durante a CPI da Covid. Ele alegou que um trabalho desempenhado no Haiti junto ao Exército brasileiro na descontaminação de regiões com explosivos e artefatos bélicos pode ser considerado um trabalho "humanitário", pois muitos cidadãos podem ser vítimas.
A reportagem tentou entrar em contato com o reverendo Amilton por meio de telefones do seu ex-advogado e de um amigo do religioso, porém não conseguiu localizá-los. Já os canais institucionais da Senah estão indisponíveis desde a polêmica na CPI. Atualmente, o site da entidade informa que está "em construção".
Serviços
De acordo com o site oficial da empresa, o Grupo GSI é uma firma "autorizada pela Polícia Federal a prestar serviços de vigilância e segurança" e tem o "propósito de garantir excelência na execução na segurança de pessoas, seguimentos empresariais e organizações públicas".
Entre as especialidades constam: "segurança armada ou desarmada, segurança pessoal, escolta armada para operações logísticas e serviços de brigadistas". Também faz parte do grupo um clube de tiro com sede em Brasília.
Em relatórios oficiais, parte dos serviços do Grupo GSI empenhados e/ou liquidados em 2020 e 2021 (com custeio das emendas de relator-geral) estão registrados como "pesquisa e desenvolvimento para geração de ativos pré-tecnológicos, ativos tecnológicos e apoio à inovação".
Segundo o site da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), autorizada a contratar a demanda, os ativos pré-tecnológicos são "coleções biológicas", "bancos de germoplasma vegetal", "bancos de metabólitos, genes e marcadores moleculares".
Os estudos da área analisam microrganismos, enzimas e caracteres genéticos, entre outros.
Os cadastros do governo federal apontam que o Grupo GSI tem participado de licitações e tem assinado contratos com o poder público desde 2018. O mais valioso, no total de R$ 4,3 milhões, foi assinado em fevereiro de 2020 com o Ministério da Defesa, com a execução de serviços dentro do Hospital das Forças Armadas.
Em quatro anos de contratações em diferentes órgãos, o volume total de recursos recebidos foi de R$ 16.195.188,71.
Defesa de armas
Tabanez é conhecido no meio político de Brasília como um defensor ferrenho do acesso a armas de fogo pela população. Além de ser instrutor e fundador de um clube de tiro, o empresário trabalhou por mais de 15 anos na Divisão de Operações Especiais da Polícia Civil do Distrito Federal. A carreira política começou em 2018, ano em que ficou como suplente nas eleições para deputado distrital.
Em 4 de junho de 2020, Tabanez e outros entusiastas armamentistas (integrantes do Clube de Atiradores e Caçadores) conseguiram um rápido encontro com o presidente Jair Bolsonaro na porta do Palácio da Alvorada, residência oficial da chefia do Executivo.
Na ocasião, Bolsonaro disse ao grupo que providenciaria um encontro deles com o general Alexandre de Almeida Porto, diretor de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército (departamento militar que autoriza e fiscaliza a produção e o comércio de material bélico). O governante pediu a um assessor que anotasse o telefone de Tabanez.
"Basta ele marcar o dia, presidente", declarou o empresário.
'Orçamento secreto'
O "orçamento secreto" é o nome dado às emendas de relator (RP-9), que dificultam a transparência na destinação de verbas públicas.
Diferentemente das emendas individuais (quando há a assinatura do parlamentar na liberação do recurso), as RP-9 são registradas apenas como sendo "do relator-geral".
Sem a identificação, abre-se espaço para negociações entre o governo federal e parlamentares em troca de apoio político dentro do Congresso. Ou seja, um deputado ou senador pode votar de acordo com os interesses do Executivo em contrapartida a recursos liberados por meio de emendas de relator-geral.
Este dispositivo orçamentário passou a mobilizar a Câmara dos Deputados em meio à votação da PEC dos Precatórios, proposição que altera a Constituição para postergar o pagamento de dívidas judiciais, flexibilizar as regras do teto de gastos e, dessa forma, abrir espaço orçamentário a fim de financiar a criação do Auxílio Brasil —programa que substitui o Bolsa Família.
As mudanças ocorrem um ano antes da disputa presidencial, na qual Bolsonaro deverá ser candidato à reeleição.
A PEC dos Precatórios, aprovada na Câmara e agora em análise no Senado, vem sendo chamada por opositores e por setores da sociedade que são contrários ao projeto de "PEC do Calote", pois permite ao governo federal adiar o pagamento de dívidas incontestes. Além disso, sua aprovação é vista por economistas, investidores e segmentos políticos como um furo do teto de gastos, levando o país a uma situação de instabilidade e risco fiscal.
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