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PSOL pede que MPF investigue conversas do gabinete do ódio com a DarkMatter

O prédio do MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, no Distrito Federal, em foto de arquivo - José Cruz/Agência Brasil
O prédio do MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, no Distrito Federal, em foto de arquivo Imagem: José Cruz/Agência Brasil

Jamil Chade e Lucas Valença

Do UOL, em Genebra e em Brasília

19/01/2022 04h00

A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados enviou um requerimento ao MPF (Ministério Público Federal) solicitando a abertura urgente de investigações após o UOL revelar o interesse de integrantes do chamado "gabinete do ódio" por uma ferramenta de espionagem que seria usada contra jornalistas e opositores neste ano eleitoral.

"Gabinete do ódio" é a expressão usada em referência a um grupo de assessores que atuam no Palácio do Planalto com foco nas redes sociais. O trabalho envolve inclusive a gestão de páginas de apoio à família Bolsonaro, que difundem desinformação e atacam adversários políticos do presidente.

O temor dos parlamentares é de que o acesso aos programas vendidos por empresas estrangeiras ao governo do presidente Jair Bolsonaro ameace a democracia brasileira.

Encontro em Dubai

Nesta semana, reportagem do UOL revelou que um integrante do gabinete do ódio —perito em inteligência e contrainteligência, que fazia parte da comitiva presidencial— usou o compromisso oficial do presidente na feira Dubai Airshow, nos Emirados Árabes Unidos, em novembro, para conversar, no stand de Israel, com um representante da empresa DarkMatter, que vende tecnologia de espionagem usada por ditaduras para monitorar opositores e jornalistas.

O especialista, cujo nome não foi informado, responde extraoficialmente ao vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos).

No requerimento entregue ao MPF ontem, o grupo de parlamentares afirmou que o pedido de investigação ocorre "em razão de indícios consistentes de atos ilegais e inconstitucionais praticados em viagem da delegação brasileira à feira aeroespacial Dubai AirShow".

Os deputados querem que o órgão acusatório requisite, de forma imediata, informações sobre a agenda de cada um dos membros da delegação brasileira no Dubai Air Show. Também querem saber quem organizou encontros entre a DarkMatter e a delegação brasileira. No requerimento, o PSOL cobra ainda explicações sobre o papel do Itamaraty e questiona se a chancelaria foi informada.

Na eventual compra da tecnologia, os congressistas cobram explicações sobre as regras de licitação que seriam aplicadas.

Pedido inclui investigação sobre influência de Carlos Bolsonaro

"De acordo com o histórico de perseguições, censuras e autoritarismo do governo Bolsonaro, é fundamental que se investigue, com urgência, se o 'gabinete do ódio' pretende utilizar o programa DarkMatter para perseguir aqueles que criticam o atual presidente da República", afirmam os deputados.

Os parlamentares ressaltam que, no Estado Democrático de Direito, os cidadãos devem respeitar e o livre exercício dos Poderes e as liberdades democráticas dos cidadãos e pedem que "as instituições democráticas atuem para frear o viés autoritário e antidemocrático do governo Bolsonaro".

Na avaliação do PSOL, a busca do governo pelo programa DarkMatter, com o possível objetivo de espionar detratores e opositores, tem sido reflexo de uma prática "reiterada e permanente" à democracia. "A lógica do combate ao inimigo interno, típica de regimes autoritários, está presente de forma constante no atual governo", afirmam.

O grupo também pede que se investigue a "influência do vereador Carlos Bolsonaro e do 'gabinete do ódio' para adquirir um software avançado de espionagem que pode ser utilizado para perseguir opositores políticos". O documento afirma ainda que o "aparelhamento do Estado para perseguir opositores políticos é ilegítimo e inconstitucional na Democracia. Admitir-se a manutenção dessa lógica significa permitir que o Presidente da República e Ministros de Estado tenham sob seu comando uma verdadeira polícia política".

Procurados, o vereador Carlos Bolsonaro, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a Presidência da República não responderam aos questionados da reportagem. O UOL se coloca à disposição para manifestações futuras.

Deputados apontam uso da máquina pública contra opositores

A deputada federal Talíria Petrone (RJ), líder do PSOL na Câmara, declarou ao UOL que "não se pode aceitar" que "a máquina pública seja utilizada pelo gabinete do ódio para adquirir tecnologias de espionagem como a DarkMatter e o Pegasus".

"Desenvolvidas no contexto do apartheid israelense contra o povo palestino, estas ferramentas agora são utilizadas para atacar a democracia. Os interesses do governo Bolsonaro nesse programa espião são os piores possíveis. Querem dar uma ferramenta ao gabinete do ódio, às vésperas das eleições, para perseguir e violar os direitos de opositores, defensores de direitos humanos e jornalistas", afirmou.

A deputada Fernanda Melchionna (PSOL/RS) também destacou os riscos que as ações do Executivo representam. "É muito grave que o governo da extrema-direita esteja buscando adquirir sistemas de espionagem usados em ditaduras como a saudita. Obviamente, querem investigar jornalistas, movimentos sociais e adversários políticos", completou.

De forma isolada, o gabinete do deputado federal Ivan Valente, do PSOL, também enviou pedidos de informação na segunda-feira (17) ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao GSI, ao comando do Exército e à Presidência da República. Valente compara a intenção do gabinete do ódio em adquirir um artefato espião poderoso com os abusos cometidos pela ditadura militar e classifica as negociações com a DarkMatter como algo "extremamente grave".

O parlamentar também já protocolou virtualmente na Câmara dos Deputados, quatro requerimentos de informação, mas que só deverão ter sua tramitação oficial após o fim do recesso parlamentar. Nos pedidos, enviados ao GSI, aos ministérios da Defesa, da Justiça, e das Relações Exteriores, o integrante do PSOL cobra os registros "de entrada e saída de representantes das empresas Polus Tech, DarkMatter e NSO Group nas dependências" dos respectivos órgãos e de "contratos eventualmente firmados" pelas pastas com as companhias desde janeiro de 2019.

O opositor cita a reportagem do UOL para justificar os pedidos, afirmando que o "uso de espionagem por órgãos públicos para monitorar e perseguir opositores políticos é incompatível com o Estado Democrático de Direito".

Em 2021, ao questionar o Ministério da Defesa sobre a tentativa do grupo ligado ao vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) de intervir em uma licitação do Ministério da Justiça para comprar licenças de uso da poderosa ferramenta Pegasus, desenvolvida pelo NSO Group, o parlamentar recebeu respostas evasivas do órgão.