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Centrão dribla Guedes e Senado para tentar baixar preço de combustíveis

Luciana Amaral e Carla Araújo

Do UOL, em Brasília

04/02/2022 04h00Atualizada em 04/02/2022 12h35

Sob pressão em um ano eleitoral e em busca de protagonismo, o centrão driblou o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o Senado para tentar baixar o preço de combustíveis com a circulação de uma nova PEC (Proposta de Emenda à Constituição) sobre o tema nesta quinta-feira (3).

Segundo o UOL apurou, o texto para a redução de tributos sobre combustíveis teve a benção do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), e o empenho do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não queria deixar com o Senado todo o protagonismo da pauta.

O texto conta com digitais da Casa Civil no documento oficial, segundo o jornal Valor Econômico.

Nogueira e Lira são considerados os líderes informais do centrão, atual base de sustentação do governo no Congresso. Até mesmo o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), teria ficado de fora das tratativas, de acordo com relato à reportagem.

Os dois caciques do PP articularam com um correligionário, deputado Christino Áureo (PP-RJ), para que ele fosse o autor da PEC, em uma iniciativa que auxiliares do governo e políticos ouvidos pela reportagem consideram uma feira de vaidades.

Guedes só ficou sabendo do texto da PEC pela imprensa

Para se ter ideia, Paulo Guedes foi surpreendido pela publicação da nova PEC na imprensa durante viagem a São Paulo, e a equipe econômica já vê o texto como inviável financeiramente, segundo apuração do UOL. Os cálculos da equipe econômica preveem que o custo fiscal da nova PEC pode chegar a R$ 75 bilhões.

Políticos vinham reclamando da alta dos preços dos combustíveis e dizendo tratar o tema como prioridade. Eles sabem que a população está insatisfeita com os preços cada vez mais altos nas bombas dos postos e que isso deve respingar neles nas eleições de outubro se alguma providência não for tomada.

Entraram no debate o Palácio do Planalto, o Ministério da Economia, governadores e o Congresso Nacional, mas de forma difusa, sem uma liderança para tratar o tema.

Na sessão de abertura do ano legislativo, na quarta (2), Arthur Lira então resolveu reforçar o recado de que não se pode "protelar indefinidamente o assunto" e que a Câmara está aberta a discutir uma solução conjunta.

Outros dois projetos podem ganhar espaço no Senado

O Senado já discute a possibilidade de tocar outros dois textos de forma independente, na tentativa de baixar os preços dos combustíveis. Mas ambos são encampados principalmente pela oposição, o que desagrada o governo e o centrão. Os governadores tendem a apoiar um desses projetos no Senado que cria um fundo para tentar estabilizar os preços. Só que essa opção já havia sido descartada pela equipe econômica.

Há quem reclame também da suposta vagareza do Senado para tocar o tema. Em reunião de líderes da Casa nesta quinta, por exemplo, ficou decidido que haverá nova reunião para discutir a questão. Um líder governista ouvido pela reportagem defendeu ser natural não haver um consenso ainda, posto que os trabalhos no Congresso após o recesso voltaram somente nesta semana.

Além disso, líderes do Parlamento já vinham conversando com Paulo Guedes. Quando o ministro começou a estimar o impacto das propostas para baixar os preços dos combustíveis, sugeriu medidas menores e pontuais, e chegou a ouvir de Lira que ele se comprometeria a adotar propostas mais cautelosas do ponto de vista fiscal.

Mas, no final das contas, ninguém até agora surgiu com uma solução, muito menos consenso, para o problema da alta dos combustíveis.

Fonte da equipe de Guedes avalia PEC como "fim dos tempos"

Guedes chegou a convencer o presidente Jair Bolsonaro (PL) que o Congresso tinha que fazer com que os governadores também pagassem essa conta. Bolsonaro então concordou em desistir, em tese, das duas propostas em tramitação no Senado. Mas, ao mesmo tempo, o presidente não se opôs à iniciativa de redução de tributos prevista na PEC capitaneada pelo ministro Ciro Nogueira.

A versão da PEC que circulou em Brasília foi classificada por um integrante da equipe de Guedes de "fim dos tempos".

O que se espera do presidente

Fontes do governo dizem que o presidente Bolsonaro vai apoiar qualquer iniciativa que lhe dê algum discurso positivo sobre o preço dos combustíveis e que, para ele, pouco importa por onde a matéria vai começar a tramitar. O importante é buscar alguma melhora na opinião pública e nas pesquisas de intenção de voto relativas à disputa pelo Planalto.

Por conta das trapalhadas nas negociações, auxiliares de Bolsonaro admitem que o futuro da PEC é bastante duvidoso. Por enquanto, não se sabe ainda se essa nova PEC vai vingar no Congresso, mas deputados aliados apostam que Nogueira e Lira não arriscariam o cacife político deles à toa. Mesmo que consigam aprovar a matéria na Câmara, o destino dela pode ser ficar parada no Senado.

Disputa entre Câmara e Senado por protagonismo

A ideia de tratar o tema por meio de uma PEC foi criada na Casa Civil, por Ciro Nogueira, no início de janeiro. Senador licenciado, Nogueira convenceu o presidente Bolsonaro que agradar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), poderia ajudar a destravar matérias de interesse do governo na Casa, como a reforma tributária.

Cotado como pré-candidato do PSD à presidência da República, Pacheco é tido como adversário de Bolsonaro, embora as discórdias não sejam tão explícitas entre os dois.

As articulações envolveram até mesmo um convite para que o senador Alexandre Silveira (PSD-MG) —que ficou no lugar de Antonio Anastasia (PSD-MG)— assumisse a liderança do governo no Senado e tomasse a frente da negociação da PEC. Mas o presidente do PSD, Gilberto Kassab, barrou a associação de seu correligionário ao governo, até o momento. Além disso, não havia consenso sobre o conteúdo do que viria a ser o texto da PEC. Tanto que o governo tentou resolver o problema do preço dos combustíveis por meio de um projeto de lei— mais simples de ser aprovado no Congresso.

Diante da falta de consenso e de inciativas, Nogueira contou com Lira —aliado do governo federal, que durante todo o ano passado disputou protagonismo com Pacheco.

Numa iniciativa que deixou os ânimos ainda mais à flor da pele, ontem à noite, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), correligionário de Pacheco, também apresentou uma PEC para a redução dos preços dos combustíveis. Assim como a PEC de Nogueira e Lira, o texto encampado por Fávaro é muito mais amplo do que deseja a equipe econômica do governo.

A disputa agora é para ver quem sairá por cima nesta guerra de versões: se Senado ou Câmara. Ao Ministério da Economia, resta minimizar eventuais estragos.