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Lira começa ano próximo a Bolsonaro, mas eleições podem azedar 'amizade'

9.nov.2021 - O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), durante sessão no plenário - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
9.nov.2021 - O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), durante sessão no plenário Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

02/02/2022 16h16Atualizada em 02/02/2022 18h18

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), começa o ano legislativo hoje próximo ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). No entanto, as eleições de outubro podem azedar a "amizade", que, na verdade, apenas segue a conveniência política do momento.

Na avaliação de aliados de ambos os políticos, a relação está bem porque o Planalto tem atendido aos pedidos de liberação de verbas e de indicação de cargos aos deputados ligados a Lira — em sua maioria, do centrão, grupo informal de partidos políticos sem ideologia bem definida que costuma se alinhar a quem estiver no poder.

Antes de assumir a presidência da Câmara, Lira era conhecido como o líder do centrão, situação que hoje divide, na prática, com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), de acordo com parlamentares ouvidos pela reportagem. Em relatos, afirmam que as principais decisões políticas sobre a destinação de recursos relacionados a deputados passam por Lira.

A lógica no Parlamento é que, quanto maior o controle sobre valores, maior a possibilidade de serem direcionados às bases eleitorais para, assim, os políticos conseguirem se reeleger.

A tendência é que a relação de conveniência entre Lira e Bolsonaro continue dessa forma pelo menos até o primeiro semestre deste ano, quando então as pré-campanhas vão se intensificar até o período de campanha oficial, em agosto e setembro, para finalmente chegar ao pleito, em outubro.

Enquanto Bolsonaro deve tentar a reeleição ao Palácio do Planalto, Lira deve tentar outro mandato na Câmara por Alagoas. Na Casa, deve buscar também se reeleger para o comando dos deputados, em eleição interna.

Ao longo dos próximos meses e, especialmente, do segundo semestre, porém, a permanência da "amizade" deve depender do desempenho de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto e das pautas que o governo insistir ou resistir em apoiar no Congresso.

Caso as pesquisas nos próximos meses indiquem uma vantagem crescente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com a aproximação de um nome da chamada terceira via, e os deputados do centrão virem um panorama em que Bolsonaro pode não passar ao segundo turno, a tendência é que o desembarque mais amplo do governo seja agilizado.

A situação é ainda mais delicada para políticos do Nordeste, como o próprio Lira, onde Lula e o PT sempre são considerados nomes fortes nas disputas. Nem mesmo o PL, novo partido de Bolsonaro que também compõe o centrão, está a salvo de disputas internas por causa de apoios divididos.

Não se espera que o Congresso aprove grandes reformas em 2022 — se aprovar alguma, a expectativa é que seja a tributária de forma mais desidratada somente no Senado. Os parlamentares e o Planalto não querem correr o risco de desagradar a base de apoio ou qualquer setor importante para se manterem no poder.

Ainda assim, o desenho de determinadas matérias econômicas, como as próprias propostas de reformas ou de tentar reduzir o preço dos combustíveis, pode causar algumas rusgas entre governo e a maioria da Câmara. E a resistência a Bolsonaro deve ser maior mesmo se ele decidir realmente levar à frente a chamada pauta de costumes.

Jogos de azar

Um tema que pode causar discórdia entre Bolsonaro e o centrão é a proposta de legalizar jogos de azar. Seriam beneficiados cassinos e bingos, por exemplo.

Arthur Lira já sinalizou querer tocar o tema desde o ano passado e conta com o entusiasmo de Ciro Nogueira. A maioria da bancada evangélica, porém, se posicionou contra por avaliar que a regulamentação pode ajudar a promover o crime de lavagem de dinheiro e aumentar o vício em jogos.

Os evangélicos são umas das principais bases eleitorais de Bolsonaro. Por isso, desagradar os políticos que comandam algumas das maiores igrejas do país e que têm forte influência sobre as escolhas eleitorais dos fiéis pode gerar sérios problemas ao presidente.

Maioridade penal

Em entrevista ao jornal O Globo, Ciro Nogueira disse que o presidente Bolsonaro pediu que se priorize proposta de redução da maioridade penal.

Uma PEC que propõe reduzir de 18 anos para 16 anos a idade mínima para responsabilização penal aguarda análise do Senado. Porém, por ser um tema extremamente polêmico, deve sofrer forte resistência. Para se ter uma ideia, esse texto foi apresentado em 1993 no Congresso e ainda não saiu do papel.

Nesses temas, aliados de Bolsonaro e Lira lembram que o centrão pode até ser governista, mas não chega a ser bolsonarista.

'Interesses políticos para outubro'

Após recesso de aproximadamente 40 dias, o Congresso abriu hoje o ano legislativo com sessão solene no plenário da Câmara dos Deputados. Estiveram presentes Jair Bolsonaro Arthur Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux.

Em seu discurso, Lira ressaltou que a Câmara, no ano passado, "apesar das turbulências, foi a grande fiadora da estabilidade".

"Segurou trancos e sobressaltos, arrefeceu crises e diminuiu a pressão. Além disso, a despeito de algum descrédito, costuramos vários acordos para votação de matérias polêmicas que eu chamaria aqui de matérias de enfrentamento, no sentido de modernização de leis e códigos que
passavam da hora de serem atualizados", declarou.

Lira ainda pediu que os "interesses políticos" fiquem para outubro. Na prática, o discurso é visto mais como um recado ao presidente Bolsonaro, que contou com falas e ações supostamente golpistas ao longo dos últimos anos, do que para o centrão permanecer agarrado ao Planalto até o dia do primeiro turno do pleito.

Ao longo do discurso, Lira ressaltou estar "certo" de que os membros de cada Poder "não pouparão esforços para agir em sintonia, cada qual estritamente dentro de suas competências constitucionais".

Também disse que "nunca é demais reiterar a soberania do Parlamento" e que, "como Poder mais transparente e democrático da República, não permitiremos retrocessos discricionários e quiçá imperiais".

Neste momento, Lira foi aplaudido por parcela de políticos no plenário.

Busca de solução para conter alta de preços

Um dos principais pontos em discussão entre o governo federal e o Congresso hoje é como conter a disparada nos preços de alimentos, combustíveis e do gás de cozinha, o que não foi esquecido por Lira no discurso.

Embora o auxílio emergencial e o auxílio gás tenham sido importantes durante a pandemia, disse, "a questão dos constantes e seguidos reajustes nos preços dos combustíveis continua indefinida".

Lira lembrou que, em outubro, a Câmara aprovou um projeto para que o ICMS, que representa parte significativa do valor da gasolina, seja calculado por unidade de medida do combustível e não mais sobre o seu valor. A seu ver, a Casa "entende que a solução mitigaria em parte as variações dos preços do petróleo".

Ele então defendeu que a questão seja discutida com quem defenda outras soluções e declarou que "o que não se pode fazer, em nossa visão, é protelar indefinidamente o assunto e ignorar os efeitos de seus impactos perversos sobre a economia nacional e a sociedade brasileira".

Desemprego e inflação são adversários a serem 'confrontados'

Arthur Lira elegeu o desemprego e a inflação como os dois principais adversários a se "confrontar" ao longo de 2022, com a devida responsabilidade fiscal.

Segundo o presidente da Câmara, ambos "precisam ser vencidos com os instrumentos testados e reconhecidos pela ciência econômica, sem truques ilusionistas ou aventuras temerárias".

Ele deu ainda destaque às reformas como caminhos para melhorar o ambiente de negócios, otimizar a organização do Estado brasileiro e estimular a geração de empregos. Citou, por exemplo, a reforma tributária, dizendo que "todos concordam que a complexidade do nosso arcabouço de impostos, taxas e contribuições, é uma âncora que trava o crescimento do país".

Em seguida, defendeu projeto já aprovado pela Câmara em setembro do ano passado sobre mudanças relacionadas ao imposto de renda, e lembrou haver "diversas outras matérias prementes". Como exemplo, mencionou a unificação do PIS e da Cofins, e a reforma administrativa.

Esforços de combate à pandemia

O presidente da Câmara afirmou que a Casa continuará empenhada nos esforços de combate à pandemia do novo coronavírus. Isso inclui ações para "garantir que não faltem recursos, leitos, equipamentos, medicamentos e tudo o mais que for necessário para a segurança da população brasileira", considerou.

Lira ainda reforçou que as recomendações de autoridades para o enfrentamento da crise sanitária devem ser seguidas e os esforços para a campanha de vacinação, redobrados.