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Bolsonaro exalta 'meu Nordeste' e troca 'pau de arara' por 'cabra da peste'

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

08/02/2022 12h20Atualizada em 08/02/2022 13h57

O presidente Jair Bolsonaro (PL) usou hoje a expressão "cabra da peste" para se referir aos nordestinos e, durante discurso em Pernambuco, onde participou de inauguração de obra pública, referiu-se à região de forma amistosa, "meu Nordeste".

O gesto ocorre menos de uma semana depois que o chefe do Executivo federal utilizou o termo "pau de arara" (de cunho racista) em referência a assessores nordestinos que o acompanhavam em uma live.

Bolsonaro participou na manhã de hoje do evento que simboliza o acionamento das bombas de uma estação do eixo norte da transposição do rio São Francisco. O cerimonial ocorreu em Salgueiro, no sertão pernambucano.

Na sequência, o governante vai à barragem de Jati, no interior do Ceará, para a retomada da liberação hídrica para o cinturão das águas do estado.

Em discurso no sertão pernambucano, Bolsonaro declarou que era "uma satisfação muito grande retornar ao meu Nordeste" e comentou ter nascido em São Paulo (ele é natural de Glicério, um pequeno município no noroeste paulista) —onde a capital é "a cidade que mais tem nordestinos no Brasil". "Até mesmo a minha filha é neta de um cearense", lembrou.

O presidente, que será candidato à reeleição em 2022 e tenta diminuir sua rejeição no Nordeste a fim de atrair votos, afirmou ainda que "muitos cabras da peste trabalharam arduamente nas obras" da estação do eixo norte da transposição das águas do Velho Chico. "Muitos realmente se sacrificaram nesta coisa vultosa que vemos aqui do lado", completou.

Na última quinta-feira (3), em sua tradicional live semanal realizada nas redes sociais, o presidente usou o termo "pau de arara" (de cunho racista) para se referir a assessores nascidos em estados do Nordeste.

A expressão escolhida pelo chefe do Executivo federal para se dirigir a nordestinos teve forte repercussão negativa e gerou críticas na opinião pública. Não foi a primeira vez que Bolsonaro utilizou termos racistas em referência aos nordestinos.

Ao comentar a revogação de mais de duas dezenas de decretos de luto oficial, Bolsonaro também errou o estado de nascimento do líder religioso Padre Cícero (1844-1934). "Dadas as nossas revogações, feitas há pouco tempo, falaram que eu revoguei o luto de Padre Cícero, lá de Pernambuco."

Na verdade, Padre Cícero nasceu no estado do Ceará. O presidente também cometeu outro equívoco. Entre os decretos de luto revogados por ele, não consta o do líder religioso. "É isso mesmo? De que cidade fica lá?", questionou o presidente a assessores que estavam na sala de transmissão. "Está cheio de pau de arara aqui e não sabem que cidade fica padre Cícero?"

Auxiliares, então, responderam Juazeiro do Norte e corrigiram Bolsonaro, apontando que o município fica no estado do Ceará.

"Dada aquela confusão toda, começaram, a esquerda, a oposição, [a dizer:] 'Olha só, eu não tenho respeito com Padre Cícero'", afirmou Bolsonaro.

Marcas do PT

Além das agendas em Pernambuco e no Ceará, Bolsonaro também viajará, amanhã, ao Rio Grande do Norte. O objetivo é mesmo: inaugurar partes concluídas na complexa obra de transposição das águas do rio São Francisco.

Os compromissos fazem parte de uma estratégia que tem se intensificado nos últimos meses: associar à imagem do atual chefe do Executivo federal, de forma isolada, os méritos por projetos iniciados em gestões anteriores, do PT, sobretudo a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (provável adversário na eleição deste ano).

Paralelamente, Bolsonaro tem como meta tentar reduzir rejeição entre os eleitores nordestinos e atrair principalmente os mais pobres, que compõem um reduto eleitoral histórico do Partido dos Trabalhadores.

Um dos objetos de disputa política, que colocam Bolsonaro e Lula em rota de colisão, é justamente a empreitada de transposição das águas do "Velho Chico" —cujas obras perduram há 14 anos.

A temperatura da disputa pela "paternidade" do projeto começou a subir no fim de 2019, com as primeiras entregas de trechos concluídos após anos em execução. Posteriormente, ficou ainda mais elevada em meados de 2021, quando Bolsonaro voltou a usar as redes sociais, oficiais e não oficiais, a fim de tentar atribuir a si próprio a responsabilidade exclusiva pelas ações.

Iniciadas em 2007, durante o segundo mandato de Lula, as intervenções no rio atravessaram os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), seguindo na gestão Bolsonaro. Michel Temer, em 2017, inaugurou o começo do Eixo Leste. Em 2020, Bolsonaro deu início ao funcionamento de uma parte do Eixo Norte.

Em vídeos compartilhados desde 2020, Bolsonaro já buscava se apresentar como protagonista da transposição do rio São Francisco, mas omitia ter começado a sua gestão, em janeiro de 2019, com mais de 90% das obras em fase de execução.

Uso eleitoral

Rio São Francisco - Alan Santos/Presidência da República - Alan Santos/Presidência da República
26.jun.2020 - Bolsonaro na inauguração de canal da transposição do rio São Francisco em Penaforte, no Ceará
Imagem: Alan Santos/Presidência da República

O embate público ganhou força em 2021 com os movimentos de Bolsonaro, alinhado aos interesses do centrão, visando a campanha eleitoral. Aconselhado por ministros com base no Nordeste, como Rogério Marinho (PL, do Desenvolvimento Regional) e Fábio Faria (PSD, das Comunicações), o governante aumentou o número de viagens na região e buscou avançar sobre os programas sociais —até então, marcas isoladas de governos petistas.

Já em dezembro do ano passado, no pronunciamento de fim de ano transmitido ao vivo em rede nacional, Bolsonaro voltou a falar do projeto em tom de paternidade. "A transposição do rio São Francisco, finalmente, já é uma realidade, e estamos levando mais água para o Nordeste. Somente nos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte foram beneficiados 12 milhões de brasileiros em 390 municípios", disse.

Projeções eleitorais divulgadas até agora indicam que Lula teria ampla vantagem em relação a Bolsonaro nos estados do Nordeste. Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em dezembro do ano passado mostra o petista com 61% das intenções de voto na região (44 pontos percentuais a mais que o atual presidente, que registrou 17%). A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.

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