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'Sempre soube quem ele é', diz jovem que denunciou Arthur do Val no Paraná

Arthur do Val (Podemos-SP) foi investigado por importunação a menor no Paraná - Carine Wallauer/UOL - 3.jul.2019
Arthur do Val (Podemos-SP) foi investigado por importunação a menor no Paraná Imagem: Carine Wallauer/UOL - 3.jul.2019

Abinoan Santiago

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

08/03/2022 11h00Atualizada em 09/03/2022 18h25

Quando ouviu os áudios sexistas sobre refugiadas ucranianas proferidos pelo deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP), o Mamãe Falei, a universitária Maria*, 23, se indignou mais uma vez. Ao mesmo tempo, confirmou a sua visão sobre o parlamentar paulista em relação às mulheres.

"Sempre soubemos quem ele é. Obrigada por compartilhar [os áudios] comigo para lembrar que nenhuma luta é em vão", disse a jovem ao responder à sua advogada, Tânia Mandarino.

A luta a que Maria se refere foi travada por ela e Tânia contra Arthur do Val ao longo de três anos. Aos 17 anos, a então adolescente procurou a Polícia Civil do Paraná, em 19 de outubro de 2016, para denunciá-lo após ter "sido violentada sexualmente", segundo consta no boletim de ocorrências registrado na Delegacia de Investigação de Crimes Contra a Mulher de Curitiba.

Vítima de importunação em escola pública, em 2016, comenta áudio de Arthur do Val - Reprodução - Reprodução
Vítima de importunação em escola pública, em 2016, comenta áudio de Arthur do Val
Imagem: Reprodução

A vítima, que era adolescente, registrou às 14h30 daquele dia que Arthur do Val passou uma das mãos em seus seios, descendo-a pelas costas até sua cintura durante a ocupação secundarista no Colégio Estadual do Paraná. No dia do fato, Mamãe Falei gravava vídeos desdenhando do movimento dos estudantes, que lutavam contra a reforma do ensino médio.

A estudante fez o boletim de ocorrência acompanhada por um advogado, que sugeriu o registro por crime de estupro. "Por determinação da autoridade policial de plantão", contudo, o caso acabou registrado como importunação ofensiva ao pudor, uma contravenção penal considerada de menor gravidade e que não existe mais desde 2018, quando virou importunação sexual, sendo agora equiparado a estupro.

Vítima registou BO por importunação contra Arthur do Val - Reprodução - Reprodução
Vítima registrou BO por importunação contra Arthur do Val
Imagem: Reprodução

Procurado, o parlamentar paulista disse ao UOL que não iria se manifestar sobre o caso. Depois de o texto ter sido publicado, o deputado enviou uma nota à reportagem na qual afirmou que "agora estão levantando uma falsa acusação de estupro" contra ele.

"Em 2016, fiz um vídeo sobre a PEC do teto em uma escola no Paraná. Era plena luz do dia e havia mais de 50 pessoas com celular filmando", escreveu o parlamentar.

Arthur do Val disse ainda que as vítimas se recusaram a fazer exame de corpo de delito. "Desistiram da acusação de estupro e então acusaram que passei a mão nelas, mas como tudo foi gravado, provei mais uma vez que jamais encostei nelas", continuou.

No dia do ocorrido, ele publicou dois vídeos. Um mostrava que teria sido supostamente expulso da escola e outro acusando a vítima de denunciá-lo após ser induzida por um advogado.

Promotor falhou em não denunciar, diz defesa da vítima

Como o crime de importunação ofensiva ao pudor era considerado uma contravenção penal, a vítima e Arthur do Val assinaram um termo circunstanciado e receberam intimação para uma audiência em 2 de dezembro de 2016, no Juizado Especial Criminal de Curitiba.

No encontro, o MP (Ministério Público) do Paraná ofereceu um acordo, mas Arthur do Val negou, alegando ser inocente, o que gerou um inquérito criminal.

Em 17 de junho de 2017, o MP arquivou o inquérito sob o argumento de falta de provas porque uma testemunha não foi localizada e outra disse que Arthur havia passado a mão na nádega, e não na cintura da vítima, configurando divergência entre os depoimentos. "Olha só que absurdo", desabafa a advogada da jovem.

Como o caso tramitou em segredo de Justiça por envolver menor de idade, à época, a defesa não quis informar qual a promotoria que fez a investigação.

Para Tânia Mandarino, existem indícios que apontam a "omissão" do promotor no caso.

"A gente vê algumas fragilidades, como um adolescente [a testemunha] não ser encontrado. Mas, com todo respeito ao MP, penso que a fala desse adolescente dizendo que o Arthur teria passado a mão em direção às nádegas deveria ter sido melhor elucidada pelo próprio promotor. Era um depoimento que praticamente confirmava o dela. Era só uma questão de diferença entre cintura e nádegas. O MP tinha uma testemunha isenta, que não era amiga da vítima nem inimiga do investigado", reclama a advogada.

Para a defesa, o MP deveria seguir e apresentar a denúncia contra Arthur do Val para o caso ser elucidado durante a instrução processual.

"O MP não deveria ter pedido arquivamento. Deveria pedir a tomada de outro depoimento ou acareação. Houve uma falha em não oferecer a denúncia porque uma vez denunciado, as provas, de fato, iriam ser arroladas nos autos. Os indícios de autoria e materialidade foram comprovados", opina.

O promotor foi omisso, o que possibilitou que ele [Arthur do Val] continuasse, fazendo esses áudios absurdos."
Tânia Mandarino, advogada da vítima

Em nota ao UOL, o MP do Paraná confirmou que não conseguiu ouvir testemunhas. "Apesar das várias tentativas para ouvir as adolescentes à época, não se obteve êxito".

"A oitava das adolescentes, no caso, se mostrava imprescindível, pois contribuiria para total esclarecimento dos fatos. Assim, por falta de elementos que pudessem dar suporte para o oferecimento da denúncia, foi pedido o arquivamento", esclareceu.

"Nesse particular, cabe destacar que o artigo 395 do Código de Processo Penal deixa claro que a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Por justa causa, entende-se que exista um suporte fático probatório mínimo indicando a materialidade do fato e os indícios de autoria", acrescentou.

O MP ainda explicou que "no Juizado Especial Criminal se prevê um rito simplificado, célere e com aplicação de medidas despenalizadoras". "No caso, só havia para análise a lavratura de um termo circunstanciado da ocorrência. Como não houve êxito na oitiva das adolescentes, o promotor de Justiça, entendendo que os elementos eram frágeis, manifestou-se pelo arquivamento", concluiu.

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Arthur do Val processou vítima

Após o arquivamento, Arthur do Val protocolou em 15 de maio de 2018, quando a vítima já era maior de idade, uma ação com pedido de indenização, cobrando da jovem o valor de R$ 15 mil por falsa acusação de crime de estupro.

Filha de uma diarista, a jovem teve que lidar com o medo de pagar o valor após ter sido vítima. O caso, contudo, acabou arquivado porque Arthur do Val não foi denunciado por estupro, e sim por importunação ofensiva ao pudor. A sentença é de 13 de junho de 2019.

Arthur do Val em audiência em que pedia indenização da vítima - Reprodução - Reprodução
Arthur do Val em audiência em que pedia indenização da vítima
Imagem: Reprodução

A vítima poderia recorrer, pedindo uma indenização, mas decidiu seguir a vida, segundo a advogada. "Ela tem tanta dignidade, é tão séria, que conta com muita verdade tudo o que aconteceu e mantém até hoje a sua versão. Só que possui um trauma, um pavor tão grande em relembrar, que não quis recorrer".

'Estragou a vida de uma família'

Maria, que atualmente tem 23 anos, está com o curso de Engenharia Ambiental trancado após ter um bebê e formar a sua família, o que era um sonho pessoal ainda enquanto era adolescente.

"Quando o caso foi arquivado, falou que não queria mais mexer no processo porque gostaria de ter um filho e formar família sem ser perturbada por isso. (...) Ela é muito reservada e disse recentemente que trancou o curso porque decidiu cuidar da criança", diz a advogada.

O atual momento de sua vida é bem diferente de quando travou as batalhas judiciais para provar a sua versão sobre a importunação que diz ter sofrido.

Ao UOL, uma das pessoas que acompanhou a vítima durante uma das audiências contra Arthur do Val relatou que a jovem demonstrava "sentimento de injustiça".

"Levei a vítima em uma das audiências. Era bem tranquila e humilde, só que vivia apreensiva com toda a situação, com sentimento de injustiça e cansada. Ela queria tocar a vida após ter passado pelo o que passou como vítima, mas depois respondeu o pedido de indenização", narrou o amigo, que preferiu não se identificar.

Até os estudos acabaram sendo prejudicados pelo fato ocorrido na escola durante a ocupação.

"Ela sofreu bullying, contou que a mãe a proibiu por um tempo de voltar à escola. E a mãe se culpava chorando, perguntando 'minha filha, você me perdoa?', como se realmente tivesse culpa de algo", lamenta Tânia Mandarino.

O que aconteceu [devido ao Arthur do Val] foi um estrago que afetou a vida de uma família inteira.
Tânia Mandarino, advogada da vítima

*Maria é um nome fictício usado a pedido da defesa para preservar a identidade da vítima.