MP não usou novas provas para apurar rachadinha de Flávio Bolsonaro
Ao denunciar Júlia Lotufo, viúva do ex-PM Adriano da Nóbrega, em março do ano passado, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) anexou uma interceptação telefônica em que ela diz ter conhecimento de que Danielle Nóbrega, ex-mulher dele, era funcionária fantasma no gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
Apesar disso, até hoje —mais de um ano depois— a PGJ-RJ (Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro), responsável por atuar na investigação sobre Flávio, não tomou providências sobre essa e outras provas —o áudio é mais um elemento que reforça a existência da prática de rachadinha no gabinete do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Flávio nega que houvesse um esquema de rachadinha em seu gabinete e sustenta que, até onde sabia, todos os funcionários trabalhavam de acordo com as regras da Alerj.
A gravação revelada pela Folha de S.Paulo foi juntada aos autos da Operação Gárgula, da qual Júlia foi alvo, em março do ano passado. Desde então, o material foi compartilhado com o Judiciário e as defesas dos acusados.
O MP-RJ mostrou que, além de ser companheira de Adriano, Júlia tinha participação ativa nos negócios da quadrilha supostamente comandada por ele, participando inclusive da divisão de seu espólio após ele ser morto em um sítio no interior da Bahia durante operação policial.
Capitão Adriano, como era conhecido, foi acusado de ser chefe da principal milícia de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio, e do Escritório do Crime, um grupo de matadores de aluguel.
Na gravação, Júlia diz: "Ela [Danielle] foi nomeada por 11 anos. Onze anos levando dinheiro, R$ 10 mil por mês para o bolso dela. E agora ela não quer que ninguém fale no nome dela? [...] Bateram na casa dela porque a funcionária fantasma era ela, não era eu".
Segundo investigadores ouvidos pelo UOL sob anonimato, a gravação poderia ajudar a embasar um novo pedido de quebra de sigilo no caso da rachadinha de Flávio —a medida é considerada essencial para a retomada das investigações.
Na denúncia apresentada à Justiça contra Flávio, a maioria das provas era relativa aos dados financeiros. De um lado, os saques e transferências feitos ao ex-assessor Fabrício Queiroz e, de outro, imóveis e despesas pagos com dinheiro vivo.
Apesar de a interceptação ser de julho de 2019, a praxe é que o compartilhamento de provas com outros setores do MP-RJ ocorra após as operações.
No caso de Júlia, como a Operação Gárgula só ocorreu em março do ano passado, o material poderia ser usado a partir disso. Além disso, o UOL apurou que é praxe a PGJ do Rio ser comunicada sobre operações dos grupos de atuação.
Júlia tentou fazer uma colaboração premiada com o MP-RJ no ano passado e não mencionou essa informação. Segundo o jornal O Globo, a delação foi recusada.
Provas válidas do Caso Queiroz
A gravação se soma a uma das poucas provas da investigação sobre o gabinete de Flávio que não foi anulada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2021.
Até o momento, ainda constam no rol de provas válidas no caso o conjunto de mensagens de Danielle Nóbrega e Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio apontado como operador do esquema pelos investigadores.
O celular de Danielle foi obtido na Operação Intocáveis, que investiga milícias no Rio, em janeiro de 2019. Ela chegou a admitir, em mensagens para uma amiga, que se sentia mal com "a origem do dinheiro".
Os dados tinham sido compartilhados com o extinto Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) e foram utilizados em buscas e apreensões e até na denúncia contra Flávio, Queiroz e Danielle. A denúncia não foi analisada pela Justiça do Rio após a anulação das provas pelo STJ.
Em outro lote de mensagens, de dezembro de 2017, Queiroz manifesta a Danielle o temor da família Bolsonaro de que o vínculo dela com Capitão Adriano prejudicasse suas campanhas —Jair Bolsonaro já era pré-candidato à Presidência da República àquela altura, enquanto Flávio havia se lançado na disputa por uma cadeira no Senado.
Áudios de ex-cunhada de Jair Bolsonaro
A PGJ fluminense —órgão que chefia o MP-RJ— também não atuou ante os áudios divulgados pelo UOL da fisiculturista Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada de Jair Bolsonaro.
Entre as revelações, ela admitiu que, quando constava como funcionária de Flávio, em 2018, entregava R$ 7.000 todos os meses a Guilherme Hudson, seu tio e coronel da reserva do Exército. Hudson também constou como assessor de Flávio em 2018.
As gravações de Andrea motivaram a abertura de procedimentos preliminares no MPF (Ministério Público Federal) do Distrito Federal e na PGR (Procuradoria-Geral da República).
No entanto, no Rio de Janeiro, apenas a 3ª Promotoria de Investigação Penal a chamou para depor no caso do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos). O filho "02" de Jair Bolsonaro é investigado por prática de rachadinha, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Provas contra Flávio anuladas
Com as decisões do STJ em 2021, foram anuladas todas as provas obtidas nas medidas cautelares autorizadas pelo juiz Flávio Itabaiana na 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio.
Entre o material anulado, estão os áudios de Queiroz e da família dele publicados no episódio 3 do podcast A vida secreta de Jair.
No entanto, além das mensagens de Danielle, está livre da nulidade todo o material coletado antes das medidas cautelares e que embasou o primeiro pedido de quebra de sigilo.
A investigação sobre o gabinete do senador se iniciou em julho de 2018 a partir de um RIF (Relatório de Inteligência Financeira) do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que mostrou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Queiroz entre 2016 e 2017.
Nesse relatório, que incluía diversos outros dados de assessores da Alerj, é possível verificar repasses de oito ex-funcionários de Flávio para Queiroz. Lá também está a informação sobre um conjunto de cheques, no total de R$ 24 mil, de Queiroz para Michelle Bolsonaro, primeira-dama.
A partir disso, o MP obteve outros relatórios do Coaf que citavam o senador Flávio Bolsonaro. Um deles mostra 48 depósitos de R$ 2.000 em dinheiro vivo feitos pelo senador, presencialmente, em um caixa eletrônico dentro da Alerj.
A versão do filho do presidente é de que ele recebeu esse dinheiro como parte de um pagamento na venda de um imóvel.
Além dos relatórios, Queiroz admite, em depoimento apresentado ao MP-RJ por escrito, em fevereiro de 2019, que ficava com parte dos salários.
Ele também apresentou versão de que obtinha os valores para fazer contratações de outros assessores. Disse que apresentaria uma lista dessas pessoas, o que nunca ocorreu. Mesmo assim, a prática é ilegal.
O MP também obteve informações de construtoras envolvidas nas negociações de imóveis de Flávio. Uma das empresas admitiu ter recebido R$ 86 mil em espécie durante parte dos pagamentos.
Outra evidência da chamada rachadinha é o depoimento de Luisa Souza Paes, ex-assessora de Flávio, que admitiu que nunca trabalhou para o então deputado estadual e que devolveu cerca de R$ 160 mil para Queiroz.
Outro lado
Na terça-feira (12), um dia após a publicação da reportagem, o MP-RJ enviou ao UOL uma nota em que diz estar atento "a cada movimentação processual e pronta a adotar as medidas cabíveis".
"O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, por seu procurador-geral de Justiça, a respeito das notícias que procuram difundir a falta de ação da PGJ no caso da "rachadinha" envolvendo ex-deputado estadual, vem informar que a insinuação de que há uma desídia institucional é absolutamente inverídica e em nada contribui para o devido esclarecimento à população. A Instituição está atenta a cada movimentação processual e pronta a adotar as medidas cabíveis, devendo-se destacar que desde o início de 2021 o processo judicial vem sendo constantemente impugnado em instâncias recursais, pela defesa e pelo MPRJ, sendo certo que os últimos julgamentos ocorridos no Supremo Tribunal Federal definiram a competência para o processo e julgamento e anularam as provas produzidas durante a investigação, cujas decisões foram disponibilizadas nos dias 28 e 30 de março último. O MPRJ reafirma seu inarredável comprometimento com a defesa da ordem jurídica e com a fiel execução de sua missão constitucional".
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