Oposição vai a STF e PGR contra sigilo sobre visita de pastores a Bolsonaro
Partidos de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) se movimentam para tentar barrar o decretamento de sigilo sobre os encontros do chefe do Executivo com os pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura na sede da Presidência da República.
As representações no STF (Supremo Tribunal Federal) e na PGR (Procuradoria-Geral da República) ocorrem depois de o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) ter afirmado que as informações têm caráter sigiloso e que, se divulgadas, poderiam comprometer a segurança do mandatário.
Numa ação protocolada hoje na PGR, o PDT afirma que a manutenção de segredo sobre o caso viola o Direito Constitucional de acesso à informação e os princípios da transparência no governo.
Os religiosos estão na mira de investigação da Polícia Federal, sob a suspeita de terem intermediado a liberação de recursos da Educação para prefeituras, durante a gestão do ex-ministro Milton Ribeiro, exonerado do cargo no fim de março. Segundo registros públicos, Bolsonaro esteve ao menos três vezes com os dois pastores.
No documento, o partido afirma que a manutenção de sigilo das informações viola o Direito Constitucional de acesso à informação e os princípios de transparência por parte do Governo Federal.
"Constata-se odioso acinte aos princípios constitucionais em apreço, sobretudo em relação à Lei, pois a decretação de sigilo por tempo desmedido no conteúdo de reuniões com setores estratégicos da sociedade, às vésperas de um pleito eleitoral e realizadas com recursos públicos, em flagrante desvio de finalidade, consubstancia em um aberrante vilipêndio ao sacrossanto princípio democrático", afirma o PDT.
O PSB protocolou hoje no STF peça assinada pelo deputado federal professor Israel, presidente da Frente da Educação no Congresso, e pelo presidente da sigla, Carlos Siqueira. No documento, eles pedem medida cautelar para que Bolsonaro "se abstenha de mobilizar a norma excepcional de sigilo para proteção estratégica eleitoreira, de campanha ou que não evidencia qualquer interesse público".
"A norma federal que determina a publicidade dos atos administrativos merece ser interpretada à luz do mandamento constitucional da publicidade, o que subsume a Presidência da República à obediência das normas constitucionais, inclusive no que diz respeito a encontros mantidos pelo presidente, e conversas que podem revelar tratativa estranha à democracia constitucional", diz o PSB.
A praxe na Corte é que pedidos como o do PSB sejam enviados para análise da PGR, que deve recomendar ações, como o acolhimento da ação ou o arquivamento.
PSOL na Câmara quer ouvir Augusto Heleno
O PSOL na Câmara pediu a convocação do ministro do GSI, general Augusto Heleno, pra prestar esclarecimentos sobre a recusa da pasta em divulgar os dados sobre os encontros. Na ação, protocolada ontem na Casa, o grupo de deputados categoriza como "frágil e absolutamente ilegal" a justificativa do GSI para ocultar as informações sobre os encontros de Bolsonaro com os religiosos.
"É flagrante que tal postura viola o dever de transparência, corolário do princípio republicano, moralidade e legalidade, alicerces para que as instituições trabalhem no sentido de formular e executar políticas públicas com o objetivo de concretizar os valores constitucionais, vedando que o poder público seja cooptado para agir apenas para a proteção do Presidente da república e seus aliados", dizem os congressistas.
Representação contra Heleno na PGR
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB - SP) anunciou na tarde de hoje que ele e o deputado federal Marcelo Freixo (PSB - RJ) entraram representação na PGR contra o ministro Augusto Heleno, chefe do GSI, pelo ministro ter decretado o sigilo nas informações do presidente.
'Risco de exposição', alegou GSI
Em resposta a pedido de LAI (Lei de Acesso à Informação) feito pelo jornal O Globo sobre as reuniões, o GSI disse que "a solicitação não poderá ser atendida" porque há risco de exposição de "dados pessoais coletados" ("no caso, nome e data de entrada, na Presidência da República"), e essas informações "cumprem a finalidade específica de segurança". A pasta informou ainda que é de sua competência "zelar pela segurança pessoal" do presidente e do vice-presidente, pela segurança dos palácios presidenciais e residências oficiais.
"Do exposto, fica clara a impossibilidade do fornecimento dos dados pessoais solicitados para outros fins que não a segurança na Presidência da República." Em um comunicado divulgado ontem, o GSI afirma ratificar o "seu posicionamento de não difundir dados pessoais — de qualquer visitante —registrados em sua plataforma exclusiva e restrita à segurança para o controle de acesso".
O governo também negou outro pedido em que foi solicitado o acesso a todos os e-mails, cartas e outros tipos de documentos enviados pela Presidência aos pastores ou recebidos destes entre janeiro de 2019 a 24 de março deste ano. O governo alegou impossibilidade de atender ao pedido por não conter "especificação de forma clara e precisa, da informação requerida".
Além disso, a Secretaria-Geral da Presidência da República argumentou que "existe risco de divulgação de informações pessoais sensíveis" caso os emails institucionais solicitados não passem por uma "análise de conteúdo". Já em relação a outros documentos —como ofícios e cartas— o órgão alegou que encontra "limitações e imprecisões no rastreamento de documentos" no sistema interno.
'Governo prioriza indicados por pastores'
Gilmar Santos é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e Arilton Moura é assessor de Assuntos Políticos da entidade. Os dois participariam de um suposto gabinete paralelo no MEC, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo.
Em áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo, Milton Ribeiro afirmou que o governo federal prioriza a liberação de verbas a municípios que eram indicados por Santos e Moura —os recursos eram direcionados a obras de creches, escolas e quadras e para a compra de equipamentos eletrônicos. "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar", disse o ministro no áudio obtido pela Folha de S. Paulo.
Inicialmente, Ribeiro admitiu ter encontrado os líderes religiosos, mas isentou Bolsonaro. Uma semana depois, ele pediu exoneração. Em carta, defendeu a investigação do caso. "As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade", afirmou.
O pastor Santos negou ter recebido ou contribuído para o recebimento de propina. Pelas redes sociais, Santos também eximiu Bolsonaro de culpa. "Gostaria de externar que nenhum pedido fora feito ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República", disse. Ailton Moura não se manifestou.
'Cadê as suas demandas?'
De acordo com os depoimentos dos prefeitos à Comissão de Educação do Senado Federal, os encontros com os pastores teriam ocorrido entre março e abril de 2021 e o modus operandi era parecido.
Primeiro, os gestores municipais eram recebidos em um encontro com o MEC, com a presença de Ribeiro, e, depois, levados pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura para restaurantes onde as propostas eram feitas.
Ele [Moura] virou para mim e disse: 'Cadê suas demandas?'. Eu apresentei minhas demandas para ele e ele falou rapidamente: 'Você vai me arrumar R$ 15 mil para protocolar suas demandas e, depois que o recurso tiver empenhado, como sua região é de mineração, você vai me trazer 1 kg de ouro'. Eu não disse nem que sim nem que não e me afastei."
Gilberto Braga (PSDB), prefeito de Luís Domingues (MA), em depoimento no Senado
O prefeito Kelton Pinheiro (CD), de Bonfinópolis (GO), disse que, primeiro, foi procurado pelos pastores para a compra de 50 bíblias por R$ 1 mil cada. Como negou, depois, foi levado a um restaurante em Brasília, onde os dois pastores pediram uma "contribuição" para a liberação de obras.
Quando chegou na minha mesa, o pastor Arilton me abordou de forma muito abrupta e direta, dizendo: 'Olha, prefeito, vi aqui que seu ofício está pedindo escola de 12 salas. Essa escola deve custar R$ 7 milhões, o recurso. Mas, é o seguinte, eu preciso de R$ 15 mil na minha mão hoje. Você faz uma transferência para a minha conta, porque esse negócio de paga depois não cola comigo não. Vocês políticos são um bando de malandros, que se não pegar antes, depois não paga ninguém'. Aquilo me deu ânsia de vômito."
Kelton Pinheiro, prefeito de Bonfinópolis (GO)
A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a conduta de Ribeiro e as denúncias de favorecimento e corrupção. A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a abertura de investigação.
À PF, o ex-ministro Ribeiro confirmou que o presidente Jair Bolsonaro lhe pediu para receber o pastor Santos, mas negou "tratamento privilegiado" e a existência de um "gabinete paralelo" na pasta.
O prazo para conclusão das primeiras diligências é de 30 dias. As suspeitas são de crimes de corrupção passiva, advocacia administrativa e tráfico de influência.
*Colaborou Beatriz Gomes, em colaboração para o UOL, em São Paulo
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