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Homens com uniforme de filha de Cunha, pré-candidata, fazem obra em favelas

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

05/05/2022 04h00

Homens com uniformes que levam o nome de Danielle Cunha, filha do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PTB), fizeram obras de concretagem em ruas de ao menos quatro favelas do Rio de Janeiro nos últimos dois meses.

Nas redes sociais, eles agradecem Dani Cunha —como é conhecida a pré-candidata a deputada federal pelo União Brasil— pelas benfeitorias. O governo do Rio admitiu participação nas obras, mas negou cunho político. Especialistas ouvidos pelo UOL defendem que as obras sejam investigadas pelo MPE (Ministério Público Eleitoral) para apurar eventual irregularidade.

Pelo WhatsApp, Dani afirmou que não existe qualquer participação ou despesa dela nas obras tampouco propagandas de sua pré-candidatura e pedidos de voto nas postagens.

Ela não explicou de onde partiram os recursos para os serviços. "Não autorizei quem quer que seja a utilizar qualquer material que fizesse menção a meu nome."

Por sua vez, o governo do Rio confirmou que "promove mutirões de obras de concretagem em diversas áreas de interesse social" após ser questionado sobre as obras nas quatro favelas das zonas norte e oeste. A assessoria de imprensa do Palácio Guanabara disse ao UOL ter doado o material para as obras e que a mão de obra é dos próprios moradores.

"As ações são definidas com base nas necessidades da população fluminense, e não em relações políticas ou partidárias. Vale ressaltar que essas intervenções foram solicitadas pelas associações de moradores das comunidades. Qualquer ação política não é de conhecimento ou autorizada pelo Governo do Rio", afirmou o governo fluminense, por meio de nota.

Agradecimentos ao governador do RJ

Os vídeos da concretagem de ruas em três favelas da zona norte (Eternit, Terra Nostra e Obrigado Meu Deus) foram publicados por Marcos Vinícius Alves Fernandes, conhecido como Galô Fernandes, no perfil de Instagram dele.

Apesar de Dani afirmar que não autorizou o uso de seu nome, ela foi marcada em diversas postagens por Galô que mostravam o andamento das obras. O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), também foi marcado e mencionado nos agradecimentos.

Além da inscrição "Equipe Dani Cunha", as camisas usadas pelos operários que aparecem nos vídeos tinham nas costas a #TôcomEla, que vem sendo usada pela pré-candidata em suas redes.

Embora negue qualquer relação com as obras, a própria Dani postou, em 13 de abril, uma foto em que aparece com Galô na favela Obrigado Meu Deus. A pré-candidata admitiu na ocasião "levar melhorias" a pedido da comunidade.

"A comunidade Obrigado Meu Deus pediu e nós resolvemos! Temos muito orgulho por conseguir levar melhorias para a comunidade Obrigado Meu Deus, que fica em Costa Barros, junto com meu amigo deputado [estadual] Val Ceasa [Patriota]. Meus amigos Galô Fernandes, Oseias Santos e Lota são os responsáveis por essa parceria dar certo", escreveu ela.

Na noite da última terça (3), após o UOL entrar em contato com Dani Cunha, as postagens de Galô que mostravam as obras na zona norte foram apagadas.

Galô Fernandes foi candidato a deputado estadual pelo PP em 2018, mas não conseguiu se eleger. Também teve cargos na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) entre 2013 e 2017, e na Prefeitura do Rio, em 2019, na gestão de Marcelo Crivella (Republicanos).

O UOL tentou contato com ele por meio de redes sociais, mas não obteve retorno.

Parceria Cunha e PT?

Obras de concretagem feitas por homens com camisas de Dani Cunha também foram realizadas na favela Castor de Andrade, na Vila Kennedy, zona oeste do Rio.

Emerson Galdino e Andrey Araújo, que se identificaram como agentes comunitários, divulgaram vídeos dos serviços com os logotipos de Dani e de Andrezinho Ceciliano.

Agentes comunitários Andrey Araújo e Emerson Galdino mostram as obras na comunidade Castor de Andrade - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Agentes comunitários Andrey Araújo e Emerson Galdino mostram as obras na comunidade Castor de Andrade
Imagem: Reprodução/Instagram

Pré-candidato a deputado estadual pelo PT, Andrezinho é filho do presidente da Alerj e pré-candidato ao Senado pelo mesmo partido, André Ceciliano.

"Não temos ligação com essas pessoas. Infelizmente, divulgam o nome sem autorização", disse o presidente da Alerj. Ceciliano admitiu, contudo, que tem parceria política com Dani Cunha nas cidades de Nova Iguaçu e Japeri, na Baixada Fluminense.

Ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha foi o principal condutor do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Enquanto Dani prepara a candidatura a deputada federal pelo Rio, seu pai se filiou ao PTB, com a expectativa de concorrer ao mesmo cargo, mas por São Paulo.

O político, no entanto, continua inelegível até 2027 devido à Lei da Ficha Limpa. Ele só concorrerá ao pleito se recuperar os direitos políticos.

O ex-parlamentar ficou preso entre 2016 e 2020 em decorrência da Operação Lava Jato. Segundo Délio Lins e Silva Jr., advogado que representou Cunha, todos os processos criminais foram transferidos para a Justiça Eleitoral.

No Rio, o ex-deputado tem atuado não só nos bastidores como também aparecido ao lado da filha em redes sociais. Em postagem no Instagram neste mês, ele aparece com Dani e o secretário estadual de Cidades, Uruan Cintra, em uma visita a Sepetiba, na zona oeste.

O ex-deputado Eduardo Cunha (à esquerda) com o secretário estadual de Cidades, Uruan Cintra, e a pré-candidata Dani Cunha (União Brasil), em visita a Sepetiba, na zona oeste do Rio - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
O ex-deputado Eduardo Cunha (à esquerda) com o secretário estadual de Cidades, Uruan Cintra, e a pré-candidata Dani Cunha (União Brasil), em visita a Sepetiba, na zona oeste do Rio
Imagem: Reprodução/Instagram

Dani Cunha, por sua vez, tem aparecido em diversas agendas com o governador Cláudio Castro. Em vídeo no mês passado, ele chegou a afirmar que mandaria fazer uma obra de uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) na Cidade Alta, na zona norte, a pedido da pré-candidata.

Em 2018, a filha de Eduardo Cunha foi candidata a deputada federal pelo MDB, mas não conseguiu se eleger. Teve 13.424 votos.

Obras podem gerar investigação

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem acreditar que as obras com homens vestidos com uniformes de Dani Cunha sejam enquadradas como ilícito eleitoral.

Para a advogada Aline Ribeiro Pereira, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, proibições que valem em período eleitoral também se estendem à pré-campanha.

"Observa-se tanto nos vídeos como nas fotos postados em redes sociais que a pré-candidata é conhecida como 'líder' do projeto, levando-se a concluir que, de alguma forma, ela está contribuindo para a execução das obras", diz Aline, que integra o escritório Lima e Góis Advogados

"Existe entendimento jurisprudencial de que tudo aquilo que é vedado na campanha eleitoral, também é vedado na pré-campanha. É proibido doar, oferecer, prometer ou entregar qualquer bem ou vantagem pessoal com o objetivo de conseguir voto, assim como é proibido distribuir quaisquer bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor. Essas práticas podem configurar captação ilícita de sufrágio."

Para o doutor em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) Renato Ribeiro de Almeida, da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), o caso, em tese, poderia se enquadrar no que a legislação eleitoral chama de abuso de poder econômico —emprego de gastos vultosos com propósito eleitoral.

"O abuso de poder econômico precisa ser muito bem provado. Deve haver a comprovação de que os recursos financeiros empregados tiveram propósito eleitoral e visavam a eleição de alguém específico, alterando o equilíbrio e isonomia das eleições (...) No caso em questão, caberia ação de investigação judicial eleitoral para comprovar se houve o propósito eleitoral ou se os fatos narrados constituem meros atos de caridade."

Dentre as possíveis sanções do abuso de poder econômico, destacam-se multa, cassação do registro ou diploma (se eleito) e inelegibilidade por 8 anos, explica Ribeiro de Almeida.