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Transparência? Governo Bolsonaro dificulta acesso a dados públicos

29.jun.22 - O presidente Jair Bolsonaro durante anúncio do Plano Safra de 2022/23, no Planalto - EVARISTO SÁ/AFP
29.jun.22 - O presidente Jair Bolsonaro durante anúncio do Plano Safra de 2022/23, no Planalto Imagem: EVARISTO SÁ/AFP

Do UOL, em Brasília

03/07/2022 04h00

Criada para facilitar o acesso da população a dados públicos, a LAI (Lei de Acesso à Informação) completou, em maio, dez anos em vigor no país. Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que a ferramenta é fundamental, mas sua eficácia ainda é falha: o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo eles, tem usado uma série de estratégias para reduzir a transparência nos órgãos federais.

Dados da ONG Transparência Brasil, que monitora o tema há mais de duas décadas, mostram que a gestão Bolsonaro registrou alta no número de pedidos de informação negados e de respostas insuficientes por meio da LAI — embora o aumento não tenha sido significativo. O mais grave, segundo os analistas, são os precedentes que o governo tem aberto para impor sigilos e dificultar o acesso a dados de interesse público.

Na visão dos especialistas, uma das principais "muletas" do governo para limitar a transparência é a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que foi aprovada pelo Congresso em 2018 mas só entrou em vigor em agosto de 2020. Desde então, o texto tem sido usado para negar ao público informações que antes eram abertas, sob a justificativa de que elas violam dados pessoais.

"A LGPD veio como um brinquedo novo para um governo que já estava muito inclinado a colocar sigilos e restringir o acesso aos dados. Eles aproveitam que se trata de uma lei nova, e do fato de haver poucas pessoas com conhecimento para questionar uma eventual negativa a um pedido de informação", afirma Marina Atoji, gerente de projetos e comunicação do Transparência Brasil.

Em dezembro do ano passado, a entidade publicou um estudo demonstrando o uso crescente da LGPD como base para recusa do governo em fornecer dados requisitados por meio da LAI. Em 2020, quando o governo negou 7.377 pedidos de informação, 119 mencionavam a LGPD, o que representou 1,6% das recusas. No ano passado, até setembro, já eram 178 negativas com base na legislação, ou 3,7% do total (4.827 pedidos negados).

A lei já foi usada pelo governo, entre outros casos, para barrar o acesso a dados de visitas de lobistas de armas ao Palácio do Planalto, para excluir microdados do Censo Escolar e para impedir a publicação de empresas autuadas por trabalho análogo à escravidão, a chamada "lista suja" do trabalho escravo.

"A gente tem situações em que o sigilo foi utilizado pelo governo de forma equivocada ou abusiva, o que gera uma percepção de retrocesso em matéria de transparência pública", avalia o advogado Bruno Morassutti, cofundador e diretor de advocacy da Fiquem Sabendo, uma agência de dados independente especializada na LAI.

Sigilos

Logo que chegou ao Planalto, em janeiro de 2019, Bolsonaro editou um decreto que ampliava a lista de autoridades com poder para classificar documentos do governo como sigilosos. A medida, no entanto, foi atacada por entidades públicas e privadas, e acabou derrubada pelo próprio governo no mês seguinte, após o Congresso discutir sua revogação.

Apesar do recuo, o governo tem decretado sigilos que os especialistas classificam como questionáveis. Foram negados, entre outros, pedidos de acesso aos dados do cartão de vacinação de Bolsonaro, gastos do cartão corporativo, registros de reuniões e viagens e processos sobre a conduta dos agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) envolvidos na morte de Genivaldo dos Santos, em maio.

"O que nós vemos, nesses casos mais impactantes, é que estão muito relacionados à pessoa do presidente da República, ou pessoas próximas e familiares dele. Não existe, desde o fim da ditadura, a previsão de qualquer sigilo indeterminado ou eterno, nem quanto ao presidente nem em relação a servidores públicos", explica Maria Vitória Ramos, cofundadora da Fiquem Sabendo.

Para os especialistas, falta independência à CGU (Controladoria-Geral da União) para impedir os abusos na interpretação da lei que permitem negativas a esses dados. Quando o Ministério da Economia restringiu as informações da "lista suja" do trabalho escravo, por exemplo, a CGU mudou o próprio precedente para concordar com o entendimento da pasta de que os dados não poderiam ser liberados.

"A CGU já tem, por natureza, menos independência do que o ideal, por ser um órgão ministerial. É um órgão do próprio governo fiscalizando o governo. Mas foi perceptível, nos últimos anos, uma queda acentuada nessa autonomia", critica Atoji, da Transparência Brasil.

O UOL questionou a CGU sobre as alegações de queda na transparência e do mau uso da legislação para a imposição de sigilos, mas não houve resposta até a publicação da reportagem. Se o órgão prestar esclarecimentos, eles serão incluídos no texto.

Respostas insuficientes

Uma reclamação constante de usuários da LAI é que os pedidos de informação, mesmo que não sejam negados, às vezes são respondidos de maneira incompleta ou insuficiente. No governo Bolsonaro, os índices desse tipo tiveram ligeiros aumentos em relação a anos anteriores, mas especialistas afirmam que os números devem ser vistos com cautela.

"A Lei de Acesso à Informação é muito nova, e tem sido mais utilizada a cada ano. Por isso, fica difícil usar esses dados como base de comparação com governos anteriores. Além disso, boa parte do acesso à informação não tem influência direta do governante de turno, porque os pedidos são respondidos por servidores concursados, que trabalham há anos para o Estado", diz Ramos, da Fiquem Sabendo.

Segundo a Transparência Brasil, o percentual de pedidos de acesso à informação negados pelo governo oscilou de 8% a 13% em todos os anos desde 2012. No governo Bolsonaro, as taxas de 2019 (9,2%) e de 2020 (9,3%) foram as mais altas desde 2014.

No ano passado, até setembro, a taxa de respostas negativas caiu para 8,3%, mas o número de respostas parciais, que não atenderam integralmente ao pedido do usuário, foi de 7,2%, o mais alto da série histórica ao lado de 2016.

Sempre que o governo nega um pedido de acesso à informação, o autor tem a opção de recorrer, mas o índice de sucesso dessas reclamações é baixo. Segundo os mesmos dados da Transparência Brasil, 2021 teve uma taxa de 38% de recursos deferidos, a menor da história. Ou seja, de cada 10 usuários que recorreram ao ter um pedido negado, menos de 4 conseguiram obter a informação em segunda instância.

"Os dados mostram uma necessidade mais frequente de recursos para obter a resposta desejada. Ou eles [o governo] dão uma negativa surreal, em que se alegam sigilos de dados pessoais e coisas do tipo, ou a resposta vem incompleta. Aí é preciso entrar com recurso para se conseguir uma resposta mais satisfatória, o que nem sempre acontece", critica Atoji.