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"Passo atrás" no combate à corrupção, diz ex-chefe da CGU sobre decreto

O ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Jorge Hage - Renato Costa 7.jul.2015 /Folhapress
O ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Jorge Hage Imagem: Renato Costa 7.jul.2015 /Folhapress

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

24/01/2019 19h14

O decreto publicado nesta quinta-feira (24) que amplia a lista de autoridades que podem impor sigilo sobre dados do governo representa um "passo atrás" no combate à corrupção e na fiscalização do poder público, segundo afirma o ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União) Jorge Hage. 

"A imprensa investigativa nos últimos anos, desde a Lei de Acesso à Informação, de 2011, vinha dando colaboração importantíssima ao combate à corrupção no Brasil, em grande parte viabilizada no acesso à informação, e agora se dá um passo atrás", ele afirma. 

Para Hage, que comandou a CGU de 2006 a 2014, a justificativa do governo de que a medida visa desburocratizar a atuação do governo "não se sustenta", pois seria baixo o número de documentos e informações que precisam ser classificadas sob sigilo. 

"Isso não se sustenta, até porque, como essas próprias autoridades estão dizendo, é muito pequeno o número de documentos classificados como ultrassecretos. Ora, se são muito poucos, como é que se usa o argumento da necessidade de delegar para desburocratizar? Ou uma coisa ou outra", diz o ex-ministro. 

O decreto, assinado pelo presidente interino, Hamilton Mourão (PRTB), alterou as regras de aplicação da LAI (Lei de Acesso à Informação) e permitiu que ocupantes de cargos comissionados e dirigentes da administração indireta pudessem classificar dados do governo federal como ultrassecretos e secretos, com grau de sigilo de até 25 anos e 15 anos, respectivamente.

Antes, essa classificação só poderia ser feita pelo presidente da República, o vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior.

Pelo decreto, agora as autoridades também podem delegar a classificação de documentos como sigilosos para dirigentes de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista.

A ampliação das autoridades com poder de decretar sigilo pode, segundo Hage, aumentar o número de documentos que serão classificados como secretos, dificultando a fiscalização exercida pela sociedade. 

"Existem autarquias diminutas, pequenas. O que não faz nenhum sentido, porque nesse nível da administração, provavelmente não existem documentos que justifiquem sua classificação como ultrassecreto. É lamentável", ele afirma. 

O ex-ministro diz que quando esteve à frente da CGU, nos mandatos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), também havia resistência à aplicação da Lei de Acesso à Informação por parte de setores do governo que defendiam mais sigilo em nome da segurança. 

Mas, para Hage, a nova regulamentação representa um retrocesso no nível de transparência pública do atual governo. 

A mim me parece que é uma sinalização muito ruim porque indica um certo retrocesso na medida em que se percebe que prevaleceu agora o ponto de vista dos setores que defendem o sigilo em detrimento de setores que defendem a transparência"

Jorge Hage, ex-chefe da CGU 

"É claro que sempre existiu essa tensão desde a época da elaboração da Lei de Acesso à Informação, que existe dentro do governo em qualquer tempo, entre setores que defendem a transparência e setores que defendem o fechamento das informações em nome da segurança", afirma Hage.

"Desde que estávamos na CGU existia resistência dos setores militares, da Defesa, do Itamaraty, mas principalmente da área militar, da Abin, sempre uma resistência muito grande", diz. "E agora a gente percebe que a correlação de forças mudou, então há um passo atrás", diz o ex-ministro.

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