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Deputado usou helicóptero de firma ligada a 'máfia de barões do ouro'

O deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL) e o helicóptero ligado a empresa suspeita de envolvimento com rede de garimpo ilegal de ouro - Reprodução
O deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL) e o helicóptero ligado a empresa suspeita de envolvimento com rede de garimpo ilegal de ouro Imagem: Reprodução

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

16/07/2022 04h00

O deputado estadual Rodrigo Bacellar (PL), ex-secretário de Governo e um dos principais apoiadores do governador Cláudio Castro (PL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, usou neste ano um helicóptero de empresa investigada por suspeita de integrar uma rede de garimpo ilegal de ouro.

Pré-candidato a reeleição, o deputado utilizou a aeronave para se deslocar para eventos políticos no estado. Especialistas ouvidos pelo UOL veem indícios de abuso de poder econômico no uso da aeronave e afirmam que cabe investigação do Ministério Publico Eleitoral. Se confirmado o abuso de poder econômico, a punição chega a até oito anos de inelegibilidade.

A aeronave prefixo PR-BLK, que está registrada em nome da Zocar Rio Caminhões, com sede na capital fluminense, figura na lista de bens apreendidos no início do mês na Operação Ganância. A Polícia Federal apura suposto esquema de extração irregular do minério —também chamado de "máfia dos barões do ouro"— em área de preservação ambiental no Pará.

O UOL apurou que Bacellar usou o helicóptero para diversos deslocamentos a cidades do interior do RJ. Uma imagem de maio mostra a aeronave pousada em um campo de futebol na cidade de Natividade logo após a chegada da comitiva do deputado.

A assessoria de imprensa do deputado encaminhou mensagem do parlamentar confirmando o uso do helicóptero "em algumas oportunidades". Bacellar diz que é amigo de Marcos Dadalto Zoboli, um dos sócios da empresa investigada.

"Não tenho conhecimento sobre quaisquer ilegalidades que envolvem a atividade empresarial do Marcos, o que seria uma surpresa para mim, pois é uma pessoa que admiro e torço que consiga se defender corretamente", completou o deputado.

Por e-mail, a Zocar Rio deu a mesma versão, afirmando que "não configura qualquer ilícito" o empréstimo da aeronave para o parlamentar.

Marcos Zoboli não foi alvo da operação, mas seu irmão e também sócio da empresa, Domingos Dadalto Zoboli, chegou a ficar preso preventivamente por alguns dias. Ele conseguiu um habeas corpus na última terça-feira (12) no plantão judiciário do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) para responder ao processo em liberdade. Domingos pagou fiança de 80 salários mínimos (R$ 96.960).

Bacellar disse que só encontrou com Domingos uma vez, apresentado por seu irmão Marcos.

Abuso de poder econômico

Para o doutor em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) Renato Ribeiro de Almeida, da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), há indícios de abuso de poder econômico no uso da aeronave pelo deputado.

"O que a jurisprudência tem trazido é que não deve haver [em período de pré-campanha] excessos para que não se caracterize o abuso de poder econômico. A utilização de uma aeronave, que gera gastos vultuosos, a depender do teto de recursos da campanha para deputado e também do próprio montante que será declarado pelo parlamentar na campanha, pode ultrapassar a razoabilidade", diz.

Para Almeida, o fato de o helicóptero pertencer a uma empresa pode ser um agravante, já que a legislação eleitoral proíbe o financiamento empresarial de candidaturas.

Alberto Rollo, advogado especializado em Direito Eleitoral, diz acreditar que cabe neste caso um pedido de investigação do Ministério Público Eleitoral para apurar se as condições do uso do helicóptero configuram abuso de poder econômico.

"Se pensarmos em helicóptero, que não é algo comum de todo mundo usar, ainda mais havendo denúncias contra a empresa, creio que caiba um pedido de informações do MP para que se descubra quem está pagando, quantas vezes a aeronave foi usada, para que eventos e em que datas."

Veículos para o garimpo

Segundo as investigações da PF, a Zocar Rio era a principal responsável pelo fornecimento de veículos usados no garimpo em Itaituba (PA). O endereço da empresa no Rio, no bairro de Parada de Lucas, foi um dos alvos de busca e apreensão da operação.

Registrado em nome da Zocar Rio, o helicóptero, de acordo com as investigações da PF, também era usado para fins pessoais por outro alvo da operação —apontado como o principal administrador do grupo Gana Gold, Márcio Macedo Sobrinho é acusado de operar a extração ilegal do minério.

Em imagem que aparece na decisão do juiz Walison Gonçalves Cunha, da 3ª Vara Federal Criminal de Rondônia, que decretou a prisão preventiva de Sobrinho, o empresário sorri ao lado da aeronave, em um heliponto que tem atrás as iniciais MM, de seu nome.

"As fotos a seguir demonstram os bens de alto valor que Márcio Macedo tem adquirido com a extração supostamente ilegal de ouro", diz um trecho do documento.

Helicóptero usado por deputado para deslocamento no interior do Estado do Rio é o mesmo que aparece em documento das investigações da Polícia Federal sendo usado por Márcio Macedo, um dos acusados de integrar uma rede de garimpo ilegal de ouro

As investigações da PF também apontaram que a Zocar Rio "é responsável pelo fornecimento do maquinário utilizado nos serviços de extração de minério no estado do Pará e pelos veículos e aeronaves comumente utilizados por Márcio Macedo Sobrinho e sua família".

A empresa ainda tem relação societária direta com o grupo Gana Gold, que é acusado de ter movimentado mais de R$ 1 bilhão entre 2020 e 2021 com atividades de extração irregular de minério. Os danos causados ao meio ambiente foram estimados pela polícia em mais de R$ 300 milhões.

De acordo com o registro na Receita Federal, a M.M Gold Mineração, principal firma do Grupo Gana, tem como um dos sócios a própria Zocar Rio Caminhões.

A PF também diz que Domingos Zoboli, um dos donos da Zocar Rio, tem a função de "investidor na suposta organização criminosa, mas figura também como um dos mentores intelectuais, sendo o responsável por fornecer ao investigado Márcio Macedo Sobrinho aeronaves, helicópteros e itens de luxo, bem como possui poder de gestão no grupo econômico".

Por e-mail, a Zocar Rio afirmou que, "desde a operação da Polícia Federal, presta —de forma irrestrita e transparente— cooperação com os órgãos de investigação". A empresa disse ainda que "a investigação está em fase preliminar e não traduz a realidade dos fatos" e que "continuará exercendo sua atividade de forma lícita junto a seus parceiros e clientes".

O UOL procurou a defesa de Márcio Sobrinho, do grupo Gana Gold, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Poder na gestão Cláudio Castro

Com base em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, o deputado Rodrigo Bacellar está em seu primeiro mandato na Alerj. Ele é advogado e foi eleito em 2018 com 26.135 votos.

O parlamentar começou a ganhar destaque quando foi, em 2020, o relator do processo de impeachment do ex-governador Wilson Witzel na Assembleia Legislativa do Rio.

Desde que o vice, atual governador e candidato à reeleição, Cláudio Castro, assumiu o cargo, Bacellar ganhou espaço no Executivo e é tido como um dos parlamentares com maior poder na gestão.

Em maio do ano passado, o deputado assumiu a Secretaria de Governo, onde permaneceu até abril, deixando o cargo para se dedicar à pré-candidatura à reeleição.

Apesar de não fazer mais parte oficialmente do governo, Bacellar tem sido visto em diversos eventos políticos com Castro. Ele também seria um dos principais beneficiados com cargos secretos de diversos projetos que estão sendo realizados pela Fundação Ceperj, conforme revelou reportagem do UOL.

Em Campos, o deputado tem tido embates diretos com a família do ex-governador Anthony Garotinho (União Brasil), que também tem a cidade como sua principal base eleitoral. Garotinho é pré-candidato ao governo fluminense e tem sido nas últimas semanas um dos principais críticos da gestão Cláudio Castro.

Mesmo tendo declarado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) apenas R$ 85 mil em espécie como seu único bem em 2018, Rodrigo Bacellar chamou atenção este ano por sua festa de aniversário de 42 anos, que reuniu uma multidão em uma casa de shows em Campos, com comida e bebida liberada, e apresentações dos cantores Belo e Sandra de Sá.