Maranhão e Minas lideram liberação de verba do orçamento secreto
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Maranhão e Minas Gerais lideram os pedidos pelos recursos das emendas do orçamento secreto neste ano, mostra levantamento do UOL com base em dados do sistema Siga Brasil, do Senado. Em cada local, são os caciques políticos que decidem para onde vai o dinheiro, fruto das chamadas emendas de relator.
O apelido "secreto" vem do fato de os verdadeiros padrinhos das emendas não aparecem nos portais de orçamento, mas algumas vezes são revelados em documentos de indicações do Congresso ou em redes sociais pelos parlamentares.
Neste ano, o Maranhão teve R$ 778,49 milhões em emendas empenhadas, ou seja, comprometidas para pagamento posterior. Deste valor, R$ 643 milhões já caíram nas contas de prefeituras, empresas e entidades sem fins lucrativos do estado.
Em Minas Gerais, foram R$ 778,43 milhões em empenhos, com R$ 627 milhões em pagamentos (veja mais abaixo).
E isso é muito? No Brasil todo, foram empenhados R$ 8,2 bilhões do orçamento secreto, com R$ 6,7 bilhões em pagamentos até 26 de agosto, de acordo com dados do Siga Brasil. Proporcionalmente, são R$ 38 empenhados por habitante.
No Maranhão, esse índice é de R$ 108 em emendas por habitante. Em Minas, R$ 36, pouco abaixo da média nacional.
Então, há estados mais beneficiados proporcionalmente? Sim. Quando se compara a população do estado, Roraima e Alagoas saem na frente. Em Roraima, foram R$ 176 empenhados por cada um dos 652 mil habitantes. Em Alagoas, R$ 109 para cada um dos 3,3 milhões de moradores.
No entanto, no volume, Alagoas está bem à frente de Roraima. Na terra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um dos maiores defensores do orçamento secreto, foram R$ 368 milhões em empenhos, dos quais R$ 339 milhões já foram pagos. Em Roraima, foram R$ 115 milhões em empenhos, com R$ 85 milhões pagos em contas correntes.
Houve algum problema em Alagoas? Sim. Alagoas foi vítima de fortes chuvas em maio e julho. Isso aumentou a quantidade de repasses ao estado para atendimento emergencial da população.
No entanto, um mês antes de os problemas começarem, a terra de Lira já liderava a quantidade de emendas empenhadas, ao menos na área de educação, em 2021 e 2022, como mostrou o UOL em abril.
Essas emendas têm autoria? Não. Mas uma análise em inquéritos da Polícia Federal que apuram desvios de corrupção com a ajuda das informações ocultas do orçamento secreto, a observação em redes sociais e um olhar sobre o volume destinado a pequenas cidades permite identificar parte dos verdadeiros autores dessas emendas, os chamados padrinhos.
Nos portais de transparência, só consta o nome do relator do orçamento. No site da Câmara, há uma lista de documentos com indicações, mas nem sempre a pessoa que indica a verba é o deputado que atuou ali (entenda mais sobre as demais emendas no gráfico abaixo).
Ao contrário das de relator, as emendas individuais têm um teto para gastos dividido igualitariamente entre os senadores e deputados. O limite para o orçamento deste ano é de R$ 17,6 milhões por parlamentar. E o nome do autor da emenda aparece nos portais de transparência.
Qual o problema disso? Segundo a cientista política e professora do Insper Mariana Almeida, a distribuição desigual dos recursos do orçamento secreto e o fato de os padrinhos serem ocultos causam muitos questionamentos.
"O Orçamento brasileiro já é bastante enrijecido. Há compromissos assumidos que já mordem boa parte do dinheiro", disse. "Elas [orçamento secreto] não têm um mecanismo transparente e aberto, de tomada de decisão. E elas consomem um pedaço do Orçamento muito grande."
Os parlamentares, porém, pensam diferente. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defendeu o uso do instrumento para seu estado. "Objetivamente, o critério foi a análise das demandas dos municípios", disse o senador, em nota enviada por sua assessoria ao UOL.
Padrinho-senador apoiado por prefeito. No Maranhão, o senador Weverton Rocha (PDT-MA) é apontado como um dos principais padrinhos de emendas de relator. Rocha é aliado do prefeito de São Luís, Eduardo Braide, e candidato ao governo do estado.
Em um vídeo, Braide afirma que o senador tem "ajudado o município desde o ano passado com recursos".
Rocha, que apoiou a eleição de Pacheco para a presidência do Senado, selou uma aliança com o prefeito de São José do Ribamar, Dr. Julinho (PL), para sua campanha pelo governo do estado.
"Temos a obrigação de apoiá-lo pela ética, que é a ciência mais complexa do universo. Além disso, concatenamos as nossas ideias filosóficas para o progresso do Maranhão e de São José de Ribamar", disse Dr. Julinho em um ato da pré-campanha de Rocha em julho.
Dr. Julinho já pediu R$ 160 milhões em emendas de relator para seu município pelo Sistema de Indicação Orçamentária RP9.
Rocha é ainda aliado do prefeito de Bacabal, Edvan Brandão (PDT). Brandão já divulgou no site da própria prefeitura que o senador teria destinado emenda de R$ 10 milhões para obras de asfaltamento na cidade.
Padrinho investigado pela PF. Outro padrinho no estado é Josimar Maranhãozinho, ex-presidente estadual do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro. Ele é investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal por uso político de emendas no estado em 2020 e 2021.
Em 11 de março, as investigações levaram a uma operação de busca e apreensão em endereços ligados ao parlamentar e a dois correligionários dele, os deputados Bosco Costa (PL-SE) e Pastor Gil (PL-MA). Todos negam as acusações.
A assessoria de Maranhãozinho afirmou ao UOL que ele não atuou como padrinho de emendas neste ano. "O parlamentar em questão gozou licença e afastou-se do mandato no período de 19 de abril de 2022 até 18 de agosto de 2022, não tendo realizado qualquer indicação de emendas [ou] recursos via RP9 [emendas de relator] para o município citado ou outros", disse em comunicado.
Tecnicamente, o empenho e o pagamento de emendas para este ano podem ser realizados sem a presença do deputado em Brasília, segundo relataram servidores do Congresso ouvidos pela reportagem. Quem faz o empenho e realiza a transferência do dinheiro são os ministérios do governo federal.
Emendas primeiro, apoio depois. Em Minas Gerais destacam-se os recursos enviados para o município de Governador Valadares. Com 282 mil habitantes, a nona maior cidade do estado foi o destino de R$ 31 milhões em emendas empenhadas e pagas este ano —quase R$ 110 por habitante. Isso significou mais do que a capital: Belo Horizonte teve apenas R$ 28 empenhados por habitante.
O prefeito de Valadares, André Merlo (PSDB), afirmou que o deputado Hercílio Diniz (MDB-MG) destinou mais de R$ 50 milhões em emendas à cidade.
"Recursos distribuídos na saúde, obras, assistência social e outras pastas para que fosse possível realizar um trabalho transformador", escreveu Merlo em uma rede social em 16 de julho.
Nas emendas individuais, em que seu nome aparece nos portais de transparência, Hercílio mandou apenas R$ 2,8 milhões a Governador Valadares desde o início do mandato —o limite em emendas em quatro anos chegaria na casa dos R$ 70 milhões.
Para chegar a R$ 50 milhões em um só município, como afirmou o prefeito, o deputado federal possivelmente contou com recursos do orçamento secreto.
Dez dias antes antes da comemoração do prefeito, em 6 de julho, Hercílio Diniz divulgou um vídeo em que aparece sendo recebido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no Planalto.
"Uma oportunidade de compartilhar com ele os problemas e desafios de Minas Gerais e da nossa região. Bolsonaro reafirmou o compromisso de trabalhar pelos mineiros!", escreveu.
Mineiro, o presidente do Senado disse que apoiou o envio de recursos para Minas em 2021.
"Apoiei essas indicações do relator, em 2021, porque os 853 municípios de Minas Gerais são uma síntese do Brasil, com carências em várias áreas e realmente necessitam", afirmou Rodrigo Pacheco ao UOL, em nota enviada por sua assessoria. "Com relação ao montante, em 2020 não fiz apoiamentos."
Aliado de Lira disputa vaga no TCU. O deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e seu pai, o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), são apontados em Roraima como os maiores provedores de emendas para Roraima.
Os dois assumem esse título: no site de Mecias, eles afirmam que a atuação de ambos já resultou em investimentos de mais de R$ 187 milhões para a capital Boa Vista. "O montante inclui obras concluídas, em andamento e emendas ao orçamento de 2022", explica o comunicado.
Em emendas individuais, Jhonatan empenhou um total de R$ 49 milhões ao longo do seu mandato atual, sendo R$ 5 milhões para Boa Vista. Mecias conseguiu empenhar R$ 7,8 milhões nesta modalidade para a capital do estado. Boa Vista tem 419 mil pessoas ou 67% da população roraimense.
Aliado de primeira hora do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Jhonatan é candidato a uma vaga no TCU (Tribunal de Contas da União) —cargo cuja indicação é feita pelo Legislativo.
Nos bastidores, Lira tem apoiado a eleição de Jhonatan para a Corte de contas. A bancada do Republicanos será fundamental para apoiar uma eventual reeleição de Lira para a presidência da Câmara.
Collor mandou orçamento secreto a Flexeiras. Candidato a governador de Alagoas, o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) mandou mais de R$ 2 milhões para a saúde de Flexeiras, segundo ele mesmo anunciou em abril, ainda antes das chuvas no estado.
A cidade não está na lista de beneficiadas por ele com emendas individuais. Flexeira teve R$ 2,52 milhões em emendas pagas pelo orçamento secreto para o Fundo Municipal de Saúde neste ano, segundo dados do Siga Brasil. Tudo está na conta bancária.
Flexeiras tem 12 mil habitantes. Os valores recebidos significam R$ 196 por habitante, mais que a média da capital, Maceió, do estado de Alagoas e do Brasil, respectivamente, R$ 41, R$ 109 e R$ 38 por habitante.
Cassado nos anos 90 após denúncias de corrupção em seu governo, hoje Collor é um dos principais aliados do presidente Bolsonaro em Alagoas.
Procurados, Lira e o Palácio do Planalto não se manifestaram. Outros parlamentares também. Os esclarecimentos serão publicados se forem recebidos.
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