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O que PM que desistiu de cargo no governo Lula diz que viu no Carandiru

Nivaldo Restivo afirma não ter participado diretamente do Massacre do Carandiru - Divulgação/PMSP
Nivaldo Restivo afirma não ter participado diretamente do Massacre do Carandiru Imagem: Divulgação/PMSP

Do UOL, em São Paulo

23/12/2022 16h49Atualizada em 24/12/2022 14h36

Nivaldo Cesar Restivo, coronel da Polícia Militar de São Paulo que desistiu hoje do cargo de secretário nacional de Políticas Penais do governo Lula (PT), disse ter visto apenas dois mortos e que não usou nenhuma das armas que carregava durante o Massacre do Carandiru, que tirou a vida de 111 presos em 2 de outubro de 1992.

Restivo, que é atualmente secretário da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), foi indicado para o cargo no governo petista por Flávio Dino (PSB), futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, mas não resistiu às críticas de entidades e decidiu recusar o convite.

Documento aponta que oficial participou de massacre. Um relatório produzido pelo MPSP (Ministério Público de São Paulo) em 1996, entretanto, aponta Nivaldo Cesar Restivo como um dos policiais militares envolvidos na operação de varredura no Carandiru.

Segundo o documento, 94 presos foram feridos por policiais militares durante a ação. Restivo, que comandava o 2º Batalhão de Choque, foi denunciado por omissão.

Em 2017, ele afirmou que não teve nenhuma participação direta na operação realizada no Pavilhão 9. O caso prescreveu antes de ser julgado.

O UOL teve acesso ao depoimento que Restivo, à época primeiro-tenente do 2º Batalhão de Choque, deu como testemunha em inquérito da Polícia Militar realizado um mês depois da chacina.

Confira abaixo alguns trechos:

O tenente Nivaldo Restivo, então com 27 anos, disse que no dia do massacre cumpria apoio logístico e se deslocou ao Carandiru com a tropa do 2º Batalhão de Choque. Sua permanência no presídio durou cerca de três horas.

Ele declarou que estava armado com um revólver calibre 38 e uma metralhadora Beretta, mas declarou não ter usado as armas.

Gritaria e barulho parecido com arma de fogo

  • Em um local denominado Divineia [um dos pátios do presídio] podia ouvir gritaria e barulho semelhante a estampido de arma de fogo.
  • A tropa se deslocou até o portão que dá acesso ao Pavilhão 9, que estava trancado, e teve a participação do Corpo de Bombeiros para desobstrução.
  • Notou que adentraram tropas do 2º Batalhão de Choque, Gate [Grupo de Ações Táticas Especiais], COE [Comandos e Operações Especiais], mas permaneceu no pavimento térreo do Pavilhão 9.

Mais barulho de tiros no Pavilhão 9

  • Enquanto aguardava ordens, observou que outras tropas subiram para os pavimentos superiores e o barulho de disparos de armas de fogo aumentou.
  • Passados 20 ou 30 minutos, os estampidos de arma de fogo cessaram.
  • Os presos dos pavimentos superiores começaram a descer, todos nus, e colocados no pátio interno.

Viu dois corpos que sugeriu estarem mortos

  • Após aproximadamente uma hora, subiu ao quarto pavimento e encontrou um pelotão sob o comando do tenente [Sérgio de Souza] Merlo, que conferia quantos presos havia dentro das celas.
  • Ele observou dois corpos aparentemente mortos na ala direita do quarto pavimento.
  • Em seguida, retornou ao térreo e não viu a retirada dos corpos dos pavimentos, tendo em vista que eles não foram conduzidos ao pavimento térreo.

Fez uma vistoria por mais presos

  • Ele e o capitão Cleodir [Fioravante Nardo] foram alertados por um guarda de presídio que faltavam alguns detentos e que eles poderiam estar no forro do Pavilhão 9.
  • Subiu com o capitão Cleodir e o guarda até o pavimento e, em seguida, até a sala de máquina do elevador, onde fizeram uma vistoria e não encontraram detentos.
  • Devido à escuridão no local, não tiveram condições de fazer vistoria no forro do Pavilhão 9 e retornou para a viatura.

Presença de Restivo seria 'retrocesso'. O tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo, Adilson Paes de Souza, criticou a possibilidade de ter Nivaldo Restivo à frente da secretaria.

Na sua avaliação, as decisões sobre o sistema prisional deveriam ser tomadas por um estudioso sobre o tema, e não a um militar.

O Lula passou a campanha [das eleições] inteira falando em retirar os militares da administração pública. Eu não entendo esse fetiche pelo militarismo [na política]. A democracia vai mal assim. Adilson Paes de Souza, tenente-coronel da reserva e doutor em Psicologia pela USP (Universidade de São Paulo)

O tenente-coronel afirma que, por mais que Restivo não tenha assumido o cargo, a indicação dele para a secretaria foi um aceno a setores conservadores e reacionários da população brasileira.

Nome de coronel foi reprovado pela transição. O GT (Grupo de Trabalho) de Segurança Pública emitiu uma nota em que afirma "constrangimento, decepção e vergonha" pela indicação do coronel Restivo ao comando da secretaria.

Para um sistema prisional marcado de violações, sendo o descaso e tortura marcas recorrentes, a indicação de alguém que carrega em seu currículo a participação num dos mais trágicos eventos da história das prisões do Brasil, o Massacre do Carandiru, representa um golpe bastante duro
Nota do GT de Segurança Pública

Os integrantes da equipe declararam também que a passagem de Restivo pelo comando da PM de São Paulo caminha no sentido contrário às propostas feitas pelo grupo. Segundo a equipe, o coronel manifestou "declarada ojeriza à democratização da política penal".

A nota lançada pelo GT ainda diz que Restivo não corresponde ao perfil adequado para assumir a secretaria.

O que diz Flávio Dino

Antes do anúncio da recusa de Restivo, a assessoria de imprensa do futuro ministro afirmou ao UOL que Dino não recebeu, até aquele presente momento do questionamento, documentos ou cartas que comprovassem a participação do policial militar no Massacre do Carandiru.

Quando tais documentos forem efetivamente enviados, acompanhados de argumentos e comprovações das alegações, eles serão analisados para uma decisão
Assessoria de imprensa de Flávio Dino