Choro e espírito de reconstrução: a força-tarefa para reerguer o Congresso
Agachada no chão do prédio principal do Congresso Nacional, a chefe do serviço de preservação da Câmara dos Deputados, Gilcy Rodrigues, procurava fragmentos de objetos de arte quebrados em meio a estilhaços de vidraças, bolinhas de gude e garrafas de água lançadas pelos terroristas que invadiram os prédios dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.
Era uma cena de guerra. Nessa hora, não importava o cargo, todo mundo que era cidadão entrou no salão para salvar o palácio"
Passadas duas semanas desde a tentativa de golpe, trabalhadores que ajudaram a reconstruir os espaços relatam desolação, adrenalina e alívio. O primeiro deles, relatam, foi no dia seguinte aos ataques, com a primeira sessão realizada na Câmara dos Deputados para aprovar o decreto presidencial sobre a intervenção federal no Distrito Federal.
Gilcy chegou ao Salão Verde às 7h30 da segunda-feira (9) para começar a restauração das peças. "Quando se trabalha há muito tempo em um lugar e sua função é preservar a memória desse espaço, é como se uma parte da gente tivesse sido atacada". A chefe do serviço de preservação lembra que ela e a equipe não tiveram tempo para sentir ou pensar no que havia ocorrido. "Como brasiliense fiquei muito triste. Quando se destrói um bem que conta a história de um local, se danifica toda a memória."
"É tanta adrenalina que a primeira coisa que fiz foi ver o que estava estragado para recuperar", afirmou o arquiteto Ricardo André, diretor substituto do Departamento Técnico da Câmara dos Deputados. "Mas a sequência dos fatos se perde, ainda tenho lapsos de tempo. Fui pragmático para identificar os danos e resolver."
Responsável pela limpeza, a diretora Marisa Seixas Prata, 59 anos, diz que havia um clima de colaboração, com pessoas se voluntariando para a limpeza.
Vi vários trabalhadores chorando, mas com um espírito de reconstrução. É a nossa forma de proteger a democracia."
Depois do choque, a reconstrução
Marisa mora a nove quilômetros do Congresso. Às 6h da segunda-feira (9), estava nos salões para a operação de limpeza. Por volta das 8h, a diretora diz que os funcionários puderam, de fato, começar o trabalho.
A parte mais difícil foi esperar o momento de começar o trabalho. Em junho de 2013, quando manifestantes invadiram as áreas externas do Congresso, ela lembra que o grupo de profissionais de plantão, composto por 10 pessoas, foi suficiente para fazer a limpeza do prédio.
Desta vez, tapetes, de até 11 metros de diâmetro, normalmente carregados por 10 homens, tiveram de ser levados por pelo menos 20 pessoas e sem o funcionamento dos elevadores. "Metade do Salão Verde estava alagada, a gente trabalhava de um lado fazendo a aspiração, de outro lado, lavando o carpete. Tudo ao mesmo tempo", afirma.
Um dos que chegou ao edifício principal do Congresso no domingo, Ricardo conta que os ambientes estavam contaminados com gás de pimenta.
Fiquei no Anexo 2 porque não conseguia respirar. Vi um casal que se dirigia ao painel da [Marianne] Peretti para pendurar uma faixa. Nesse ímpeto de proteger o patrimônio, parti para cima deles para impedir que chegassem perto"
Ricardo André, arquiteto e diretor substituto do Departamento Técnico
Por volta das 17h45, quando a invasão havia sido contida, ele relata que pode ver as obras danificadas. Ele diz ainda que pediu aos plantonistas para acenderem as luzes para entender a dimensão dos danos e verificar se havia algum golpista escondido.
Só às 22h, ele deixou o prédio. "Cheguei em casa com a cabeça latejando, tomei um remédio e dormi pesado até 6h."
Na segunda-feira, Ricardo reuniu a equipe para retirar estilhaços de vidros e, na sequência, recompor o plenário. A partir da terça-feira, com as áreas principais recuperadas, o trabalho passou a ser reverter os danos considerados secundários —como os reparos de vidros, que até hoje continuam sendo feitos.
O alívio
Cada objeto recuperado, diz Gilcy, é uma vitória. De acordo com a chefe do serviço de preservação, 60% das peças estão prontas para voltarem aos salões. "No primeiro dia, tivemos que trabalhar com rapidez e técnica", diz ela.
A recuperação começou pelos objetos menos danificados. Agora, a equipe de 11 pessoas, trabalha para reconstruir os objetos mais comprometidos. "Os vasos despedaçados, que recuperamos os fragmentos, ficaram por último pela dificuldade."
Em quase três décadas à frente dos trabalhos na Câmara, Gilcy diz que o momento é sem precedentes.
A história é complexa, é difícil ter certeza de que não se repetirá."
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