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STF discute se racismo estrutural em abordagem policial anula processo

23.fev.2023 - Ministros do STF durante sessão plenária do tribunal - Nelson Jr./SCO/STF
23.fev.2023 - Ministros do STF durante sessão plenária do tribunal Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Do UOL, em Brasília

01/03/2023 04h00

O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar hoje a tese sobre o racismo estrutural afetar abordagens policiais e pode anular processos penais, caso fique comprovado que a abordagem foi motivada unicamente pela cor da pele do suspeito.

Caso não obrigará os tribunais a adotarem a mesma posição —não tem uma repercussão geral, na linguagem jurídica. Mas eventual resultado do julgamento pode servir como jurisprudência para casos semelhantes que cheguem ao Supremo.

Discussão envolve homem pego com 1,5 gramas de entorpecentes. O julgamento será feito em um habeas corpus apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

O homem foi condenado por tráfico de drogas a sete anos e onze meses de prisão em regime fechado, mas o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reduziu para dois anos e onze meses. A Defensoria, porém, recorreu ao STF.

Provas tiveram como base cor da pele. A Defensoria alegou que as provas produzidas no processo decorreram de busca pessoal baseada em "filtragem racial" e que a abordagem policial foi justificada principalmente em razão do suspeito ser um homem negro.

São citados, como exemplo, os depoimentos dos dois agentes.

  • Policias alegaram que viram um "indivíduo negro". Ele estaria, segundo um dos agentes, "servindo algum usuário de droga";
  • Outro policial disse que o homem estava em uma "cena típica de tráfico de drogas".

É possível afirmar, com segurança, que se está diante de caso de racismo institucional na atuação policial, concretizado na prática de perfilamento racial pelos dois policiais envolvidos na abordagem do réu."
Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Os defensores citam que outros fatores foram posteriormente mencionados para, na visão dos policiais, justificar a abordagem. Entretanto, apontam como "evidente o destaque à cor de pele do indivíduo avistado na rua".

Dessa forma, não há como se dizer que a menção à cor de pele negra do suspeito foi meramente acidental e que a abordagem foi motivada por outros fatores."

Caso não era urgente. O relator, ministro Edson Fachin, rejeitou uma liminar (decisão provisória) por considerar que a situação não era imediata, uma vez que o homem já estava respondendo ao processo em regime aberto.

Mesmo assim, o magistrado atuou para que fosse levado ao plenário do tribunal em razão da importância do tema.

Para o advogado Gabriel Sampaio, diretor da Conectas Direitos Humanos —ONG que atua no caso como amiga da Corte—, a discussão é fundamental para apontar a necessidade de fundamentações que não sejam baseadas somente na cor da pele do suspeito, barrando o chamado "perfilamento racial".

A cor da pele determina todos os marcadores que vão gerar como consequência a prisão, a condenação, a aplicação de critérios, na aplicação da pena, que contrariava precedentes dos tribunais superiores."
Gabriel Sampaio, da Conectas Direitos Humanos

Segundo Sampaio, a necessidade de discutir a incidência do racismo estrutural na esfera penal é "essencial" para o Brasil virar a página no tema.

Julgamento pode ser adiado. Dentro do Supremo, há a expectativa de algum ministro pedir vista e interromper a discussão. Devido a uma nova resolução da Corte, se isso acontecer, o caso deve ser devolvido para julgamento em até 90 dias.

O que é racismo estrutural?

É o termo usado para reforçar o fato de que existem sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas raças em detrimento das outras. No Brasil, nos outros países americanos e nos europeus, essa distinção favorece os brancos e desfavorece negros e indígenas.