Milhares pegaram o consignado na eleição; agora estão fora do Bolsa Família
O Bolsa Família excluiu 1,4 milhão de beneficiários em março. Entre eles, estão 104 mil pessoas que pegaram o empréstimo consignado do Auxílio Brasil nas eleições. Se antes as parcelas do crédito eram descontadas do benefício pelo próprio governo federal, agora viraram um boleto extra no fim do mês.
Para devedores e credores, surge o espectro do calote.
O que aconteceu
As pessoas foram excluídas por inconsistências na renda informada ou por desatualização no cadastro superior a cinco anos, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Mesmo com o Bolsa Família cancelado, o consignado do Auxílio Brasil segue em vigor. O UOL obteve os dados pela Lei de Acesso à Informação.
Antes da exclusão, o governo federal descontava até R$ 160 do benefício e repassava para os bancos. O restante — R$ 440 de R$ 600 — era pago para o beneficiário.
Não existia, portanto, possibilidade de calote. Desde novembro, os bancos estão recebendo do governo federal cerca de R$ 550 milhões por mês como pagamento das parcelas do consignado, contratado por 3,5 milhões de pessoas.
Já agora, quem pegou o crédito e foi excluído do Bolsa Família, além de perder o benefício, terá que pagar a parcela mensal do empréstimo — que deixa de ser consignado ao pagamento feito pelo governo, agora cancelado. Se atrasar, deverá arcar com multas e mais juros. E pode ficar com o nome sujo.
Para os bancos, isso representa a possibilidade de inadimplência em larga escala. Mas, segundo a presidente da Caixa, o principal credor, o risco já foi considerado nos juros — cerca de 50% ao ano, acima de outras modalidades de consignado.
O calote pode chegar a R$ 200 milhões, se todas as 104 mil pessoas deixarem de pagar o restante das parcelas do empréstimo.
Novas exclusões do Bolsa Família estão previstas para os próximos meses.
As condições para pagamento pactuadas na operação de crédito serão mantidas até a quitação do empréstimo, com a realização do pagamento até a data de vencimento da prestação, conforme previsto em contrato"
Caixa Econômica Federal, em nota para o UOL
Além de exclusões, Bolsa Família fez bloqueios temporários
Em março, o governo federal também fez bloqueios temporários no Bolsa Família, para ajustes no cadastro. Se os dados forem regularizados, o pagamento só deve cair junto com a folha de abril.
Entre as pessoas bloqueadas, há milhares que pegaram o consignado e, sem o Bolsa Família, não devem honrar o pagamento da próxima parcela do empréstimo na data de vencimento.
O ministério negou que tenham ocorrido bloqueios em março. Mas a reportagem encontrou uma dezena de casos em visitas a quatro unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) na periferia da zona norte de São Paulo. É no Cras que devem ser feitas as regularizações de cadastro. Nas redes sociais, também há inúmeros relatos de bloqueios.
Eu tava dependendo do Bolsa Família para pagar o meu aluguel, de R$ 400. Se não fosse (a ajuda da) minha mãe, agora eu tava na rua com meus três filhos. Eu peguei o empréstimo (consignado do Auxílio Brasil) na lotérica. Se não tenho como pagar o aluguel (sem o Bolsa Família), imagina o empréstimo".
Maria José da Silva, 25 anos, moradora da Brasilândia, zona norte de SP, que teve o Bolsa Família bloqueado em março e fez o consignado com a Caixa, via lotérica
No app da Crefisa, já mostra que a próxima parcela (do consignado) não está paga. Sem o Bolsa Família, eu não tenho como efetuar o pagamento".
Pâmela Isabel, 32 anos, mãe-solo de três filhos e moradora de Pirituba, zona norte de SP, que teve o Bolsa Família bloqueado em março e fez o consignado com a Crefisa
Suspeita de uso eleitoral por Bolsonaro
O consignado do Auxílio Brasil foi criado por Jair Bolsonaro e só começou a ser liberado após o primeiro turno, quando o então candidato à reeleição teve 6 milhões de votos a menos que Lula.
Até o segundo turno, foram concedidos R$ 9,5 bilhões em empréstimos para 3,5 milhões de pessoas — 1 de cada 6 beneficiários do Auxílio Brasil.
A Caixa Econômica Federal, um banco estatal, é o principal credor, com cerca de 90% dos créditos.
Após a derrota de Bolsonaro, a Caixa interrompeu o consignado abruptamente, mostram dados revelados pelo UOL. Entre o primeiro e o segundo turno, foram concedidos 99% dos créditos. Depois, só 1%. O fato está sendo apurado pelo TCU.
O consignado também foi questionado por uma ação direta de inconstitucionalidade proposta ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Por que uma mudança tão brusca após a derrota do candidato Jair Bolsonaro às eleições? O que mudou no período das eleições e o período em que saiu derrotado? Os fatos falam por si. Mais uma vez: se antes eram autorizados inúmeros consignados e com extrema agilidade, por que mudou após as eleições?"
Subprocurador-geral do MPTCU Lucas Rocha Furtado, em pedido de abertura de apuração sobre o consignado
Os tomadores de empréstimos consignados estarão no caminho do superendividamento. Tratando-se dos beneficiários dos programas de transferência de renda, esse cenário mostra-se ainda mais preocupante, pois potencialmente comprometedor da dignidade humana."
Augusto Aras, procurador-geral da República, em parecer de 14 de novembro em ação no STF sobre o consignado
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