Criatura contra criadores: CPI do 8/1 vira inferno para bolsonaristas

Criada pela oposição ao governo Lula e só depois abraçada pela base aliada, a CPI do 8 de Janeiro tem fustigado em cheio o bolsonarismo.

O esforço da criação

Nem bem começava o ano parlamentar, em fevereiro, e o Congresso já fervia. Deputados e senadores do PL, principal partido de oposição, carregavam cartazes e chamavam a imprensa para entrevistas em que acusavam o governo de impedir a criação da CPI. Até uma lista de deputados que não assinaram o requerimento de abertura foi publicada nas redes sociais como forma de pressão.

Quando imagens vazaram mostrando a falta de ação do então chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Gonçalves Dias, no dia das invasões, a CPI se tornou um fato.

A expectativa dos bolsonaristas era constranger gente graúda do governo, como o ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), durante os depoimentos.

Nos bastidores, parlamentares da oposição negociavam para serem indicados a participar da investigação. Até mesmo filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro quiseram entrar: Flávio e Eduardo são suplentes na comissão.

Mas o governo conseguiu ficar com a maioria e controlar a CPI. Com isso, aprovaram a convocação de personagens vinculados a Bolsonaro que causam constrangimento justamente para a oposição.

Numa manhã de agosto, fotógrafos e cinegrafistas abusaram do zoom para capturar o pé esquerdo do depoente. Nada que o ex-ministro Anderson Torres falou ou omitiu à CPI de 8 de Janeiro chamou mais atenção do que sua tornozeleira eletrônica.

Ele foi sucedido por um hacker falastrão. Walter Delgatti acusou o ex-presidente de conspirar contra a urna eletrônica.

Os bolsonaristas tentam bater na tecla de que culpar Bolsonaro é uma "cortina de fumaça" para evitar que se jogue luz à suposta negligência dos ministros de Lula —como reforçou o deputado federal Filipe Barros (PL-PR).

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A outra narrativa é que aliados de Lula queriam que os atos fossem violentos para poder relacioná-los aos apoiadores de Bolsonaro. Na avaliação do senador Cleitinho (Republicanos-MG), os governistas desvirtuaram a CPI ao ampliar o foco para outras datas. Tudo para proteger o governo.

Para o deputado Rogério Correa (PT-MG), os fatos mostram justamente o oposto, pois todos os personagens dos ataques têm relação com o ex-presidente.

Tenente-coronel Mauro Cid na CPI de 8 de Janeiro
Tenente-coronel Mauro Cid na CPI de 8 de Janeiro Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Cid se cala

O tenente-coronel Mauro Cid causou burburinho antes mesmo de abrir a boca. Deputados e senadores comentavam a surpresa em ele aparecer fardado.

Cid vestia o mesmo uniforme que usava quando trabalhava como ajudante de ordens de Bolsonaro. Quando abriu a boca, o tenente-coronel provocou indignação.

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Ele ficava repetindo que tinha o direito de permanecer calado e deixava de responder perguntas espinhosas. Os governistas aproveitaram a ocasião para dizer que "quem cala consente".

O tenente-coronel foi um golpe ainda mais forte no bolsonarismo que a imagem da tornozeleira de Torres. O militar saiu da cadeia só para depor. Ele chegou ao Congresso Nacional escoltado pela Polícia do Exército.

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres usa tornozeleira eletrônica em depoimento na CPI do 8 de Janeiro
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres usa tornozeleira eletrônica em depoimento na CPI do 8 de Janeiro Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Tornozelo vira calcanhar de aquiles

O presidente da CPI, deputado Arthur Maia (União-BA), abriu a sessão com uma fala constrangedora. Os trabalhos tinham que terminar até as 20h porque o depoente usava tornozeleira eletrônica. Não chegar em casa no horário estipulado traria consequências para o preso.

A tornozeleira acionaria a PM em caso de descumprimento do recolhimento domiciliar. O ex-ministro da Justiça poderia parar num camburão.

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Delegado da Polícia Federal e ex-ministro, Anderson Torres foi apontado como o depoente mais preparado. Mas governistas consideraram a cena da tornozeleira suficiente para desgastar o bolsonarismo.

A minuta golpista foi mencionada várias vezes. Também foi martelado que Torres e Bolsonaro não fizeram nada para desmobilizar o acampamento de onde saíram os criminosos que invadiram as sedes dos três Poderes.

O hacker Walter Delgatti, que disse ter sido contratado para fraudar as urnas eletrônicas
O hacker Walter Delgatti, que disse ter sido contratado para fraudar as urnas eletrônicas Imagem: 17.ago.2023 - Ton Molina/Estadão Conteúdo

Acusações de um hacker preso

Esse foi o depoimento mais esperado dos governistas. Para eles, seria a oitiva que ajudaria a avançar nas investigações sobre o papel de Bolsonaro nos ataques golpistas.

O hacker Walter Delgatti entrou na mira da comissão depois que afirmou ter recebido dinheiro da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) para invadir o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ele está preso desde o início de agosto.

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Delgatti ficou conhecido após invadir celulares de integrantes do Ministério Público que atuavam na Lava Jato. Na CPI, foi blindado pelos governistas e virou alvo de críticas e ataques da oposição.

Ele travou um embate pessoal com o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro (União-PR), alvo da "Vaza Jato", a quem chamou de "criminoso contumaz". O senador rebateu as declarações e disse que era ele quem estava preso.

No depoimento, o hacker afirmou ter recebido ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar deslegitimar o sistema eleitoral antes do pleito. Ele disse ainda que o então chefe do Executivo havia lhe prometido um indulto, em caso de ser preso pelos serviços de hacker.

Segundo o advogado dele, Ariovaldo Moreira, teria recebido R$ 40 mil de Zambelli em pagamentos pelos serviços de hacker. A parlamentar teria feito depósitos que chegam a R$ 14 mil e o restante do valor foi pago em espécie. A deputada nega as acusações.

Tiro no pé

Quando a oposição falou de 8 de janeiro, o discurso foi que o acampamento era formado por senhoras com Bíblia embaixo do braço e patriotas com a bandeira nos ombros. Nas palavras dos bolsonaristas, golpe se faz com armas, algo que não existia no acampamento.

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Ocorre que aquele monte de barracas estava na frente do QG do Exército. Sem falar que o acampamento serviu para montar o plano de colocar uma bomba no eixo traseiro de um caminhão perto do aeroporto de Brasília.

Até aqui, a maior eficácia da CPI para a oposiçao é obter material para pregar aos seus convertidos nas redes sociais. Mas as imagens da comissão que ficarão marcadas no futuro são outras.

O ex-ministro de tornozeleira eletrônica, o ajudante de ordens de Bolsonaro que saiu da cadeia para depor e o hacker estelionatário levado pelo ex-presidente ao Ministério da Defesa.

Bolsonaristas insistiram em tentar envergonhar o governo. Acabaram produzindo fatos constrangedores contra si mesmos.

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