Bolsonaro e aliados: Da minuta de golpe às conexões com os atos do dia 8/1

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reconheceu no ato deste domingo, na avenida Paulista, que estava ciente da minuta de golpe, como apontaram as investigações da Polícia Federal sobre atos golpistas do seu governo. Nesta terça, porém, seus advogados disseram que ele só teve contato com a tal minuta quando já estava fora do cargo.

O que aconteceu

As investigações da PF sobre atos golpistas apontam que a cúpula do governo Bolsonaro trabalhava desde o final do segundo turno das eleições de 2022, com um "plano para subverter o Estado Democrático de Direito". O objetivo era impedir a posse do presidente Lula e manter Bolsonaro no poder. "A expectativa dos investigados em obter êxito na referida empreitada criminosa permaneceu durante o mês de dezembro, adentrando, inclusive, em janeiro de 2023", diz a PF, em alusão aos atos golpistas de 8 de janeiro.

Bolsonaro reconheceu neste domingo a minuta. "O golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência", disse ele, minimizando o documento. A PF, porém, advertiu que usaria a fala do ex-presidente para corroborar a tese da investigação.

Advogado naturaliza a minuta e a fala de Bolsonaro reconhecendo a sua existência. "A defesa entende que o que se assiste é realmente a uma pobreza muito grande de elementos nessa investigação", afirmou o advogado Paulo Bueno, que defende Bolsonaro.

O ato do dia 25 e o quebra-cabeça da investigação. As falas sobre a minuta, assim como o pedido de Bolsonaro por anistia aos presos pelos atos de vandalismo em Brasília no dia 8 de janeiro de 2022, retomam o foco na investigação aberta com a operação Tempus Veritatis no dia 8 deste mês.

Evidências deixadas por ex-presidente e seus principais ministros sobre 8 de janeiro. A PF já identificou movimentos suspeitos de Bolsonaro e seus principais aliados com a invasão à praça dos Três Poderes. Os generais Braga Netto e Augusto Heleno, por exemplo, estiveram com alguns dos manifestantes que tomaram Brasília no dia 8 de janeiro.

Tratativas golpistas eram feitas nos bastidores. Publicamente, Bolsonaro ficou em silêncio no pós-eleição, se concentrando no Palácio da Alvorada e sem dar declarações. Naquele período, seus aliados repetiam que o ex-presidente estava deprimido e só fazia chorar. Nas poucas aparições públicas, adotava um tom dúbio para os seus apoiadores. Isso ocorreu, por exemplo, no dia 9 de dezembro, quando o então presidente quebrou um silêncio de 40 dias.

"Decisões difíceis passam por outros". Uma fala enigmática foi dita nesse dia aos seguidores que esperavam uma fala do ex-presidente do lado de fora do Alvorada. "As decisões, quando são exclusivamente nossas, são menos difíceis e menos dolorosas, mas, quando elas passam por outros setores da sociedade, elas são mais difíceis e devem ser trabalhadas. Se algo der errado, é porque eu perdi a minha liderança. Eu me responsabilizo pelos meus erros, mas peço a vocês: não critiquem sem ter certeza absoluta do que está acontecendo", disse Bolsonaro.

Minuta golpista dois dias antes. As investigações da PF revelam que, dias antes desse encontro com seguidores, Bolsonaro já havia feito mudanças na minuta golpista, mas a ideia não avançou. No dia 7 de dezembro, o texto foi levado aos comandantes das Forças Armadas e dois deles, Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos de Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica), foram contrários à intentona golpista. É o que explicaria a mensagem cifrada do dia 9.

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A escalada da violência era visível. No dia da diplomação de Lula, (10), a sede da PF em Brasília foi vandalizada. Na véspera de Natal, bolsonaristas planejaram explodir um caminhão-tanque no aeroporto da capital. A ideia foi gestada nos acampamentos nos quartéis. Bolsonaro e seus aliados nada fizeram para coibir apoiadores a deixarem os agrupamentos, que se mostravam mais extremistas e golpistas à medida que a posse de Lula se aproximava.
Em seu penúltimo dia no cargo, Bolsonaro viajou para os EUA. Antes, afirmou em uma live que, "até dentro das quatro linhas, você tem que ter apoios", sem dizer para qual tipo de ação. Sem previsão inicial de retorno, Bolsonaro transferiu R$ 800 mil antes de deixar o país.

Braga Netto: 'Fé' e silêncio

Walter Braga Netto conversou com manifestantes no Palácio do Alvorada. O general Braga Netto foi quem primeiro falou com manifestantes após as eleições. Em novembro de 2022, período que coincide com as discussões no Alvorada sobre a minuta golpista, o militar pediu "fé" aos apoiadores do ex-presidente, que reclamavam de falta de notícias do ex-presidente. "Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora."

Na chuva, sem notícias. Uma apoiadora chegou a dizer a Braga Netto que ela, assim como outros, estavam "na chuva, no sol" enquanto o presidente permanecia em silêncio. "Tem que dar um tempo", disse Braga Netto à mulher. Àquela altura, as redes de mensagens fervilhavam com grupos bolsonaristas planejando protestos nos quartéis.

Nos bastidores, Braga Netto reclamava da falta de apoio entre os comandantes das Forças Armadas para um eventual golpe e exercia pressão para que eles aderissem ao movimento, de acordo com a investigação.

Ele ainda chamou de "cagão" o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. Em outra conversa, o general orienta ataques ao tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, então comandante da Aeronáutica, se referindo a ele como "traidor da pátria". Ambos foram contrários à possibilidade de um golpe.

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Um currículo suspeito. Em dezembro, a quatro dias do fim do governo, Braga Netto recebeu o currículo de uma mulher por meio de um assessor e respondeu que, "se continuarmos, poderia enviar para a Sec. Geral [Secretaria Geral]". A investigação suspeita que a declaração se referia à possibilidade de a gestão Bolsonaro seguir no poder.

Depois da posse de Lula, Braga Netto manteve silêncio nas redes sociais. Depois de uma publicação exaltando Bolsonaro em 1º de janeiro, o general só publicou novamente em março. Estava no Rio no 8 de janeiro.

General Heleno: 'Abin paralela' e reunião com golpistas

Augusto Heleno recebeu golpistas. Ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), teria recebido no gabinete participantes dos ataques aos três Poderes entre os dias 1º de novembro e 31 de dezembro de 2022. A informação foi citada em requerimentos de convocação para depor à CPI do 8/1. O general também se viu vinculado ao núcleo de inteligência paralela de Bolsonaro na Abin.

Heleno teria sido um dos integrantes de um núcleo voltado para repassar informações de inteligência a Bolsonaro, com o objetivo de contribuir com o golpe de Estado. "Os membros teriam monitorado o itinerário, o deslocamento e a localização do Ministro do Supremo Tribunal Federal e então chefe do Poder Judiciário Eleitoral, Alexandre de Moraes, e de possíveis outras autoridades da República, com o objetivo de captura e detenção, nas primeiras horas que se seguiram à assinatura do decreto de golpe de Estado", apontou a PF.

Em uma reunião em julho de 2022, o então chefe do GSI também mencionou a possibilidade de uma "infiltração" da Abin nas campanhas presidenciais. Ele foi prontamente interrompido por Bolsonaro. O então presidente disse que eles poderiam discutir o tema em uma reunião reservada.

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Um dia antes da posse de Lula, Heleno publicou uma mensagem nas redes sociais pedindo aos apoiadores que não desistissem do Brasil. "Meus amigos e amigas das redes sociais. Que 2023 lhes contemple com alegrias e realizações. Agradeço as manifestações de apreço e até as críticas, que me mantiveram ligado nos fatos que fazem história. Saúde, força e fé. Não desistam do Brasil. Cordial abraço", disse o general.

Anderson Torres nos EUA

É apontado com o responsável por falha na segurança em 8 de Janeiro. O ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, mas saiu de férias com a família nos EUA quando ocorreu a manifestação golpista, num momento de tensão social na capital.

Dois episódios dias antes mostravam que Brasília estava em combustão. No dia 12 de dezembro, quando Lula foi diplomado, manifestantes promoveram um quebra-quebra e queimaram carros e ônibus na capital. Ainda tentaram invadir a sede da PF, em protesto contra a prisão de um líder indígena bolsonarista. No dia 24 de dezembro, dois apoiadores do ex-presidente montaram um artefato explosivo que foi acoplado a um caminhão numa área de acesso ao aeroporto de Brasília.

Posição pública e nos bastidores. O então ministro da Justiça se manifestou nas redes lamentando os episódios. Mesmo assim, manteve uma viagem para os EUA com a família quando ocorreu a manifestação golpista de 8 de janeiro em Brasília. Após o episódio, acabou sendo exonerado do cargo por "indícios de omissão". Ele disse na reunião ministerial de 5 de julho de 2022 com Bolsonaro que teria criado um grupo da PF para questionar a legalidade das eleições.

PF encontra minuta golpista na casa de Torres. Dias depois da invasão à praça dos Três Poderes, a PF encontrou uma minuta golpista que o conecta com o plano de derrubar o presidente Lula. Torres ainda estava nos EUA. As evidências mostram que ele saiu de cena, assim como o ex-presidente, para não levantar suspeitas de seu envolvimento.

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* Colaborou Ana Luiza Cardoso

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