Invasão ou ocupação? Acesso à moradia opõe Boulos e Nunes

As narrativas divergentes entre Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB) sobre o tema moradia indicam a dispusta ideológica que vai nortear grande parte da campanha dos pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo.

A decisão de discursar sobre prédios que são ocupados ou invadidos está longe de um consenso — isso vale para o âmbito político e também jurídico. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a escolha de conceito usado está ligada à ideologia de quem fala.

"Não se trata de certo ou errado, existe uma escolha ideológica", disse Aldo Luiz Bizzocchi, doutor em semiótica e linguística geral pela USP. À reportagem, ele explicou que invadir vem do latim "invadere" e ocupar, de "ocupare". "Enquanto invadere dá a ideia de que você entra violentamente em algum lugar, ocupare dá a ideia de que você pegou alguma coisa que estava na sua frente sem dono, sobrando", disse.

Leandro Godoy, professor de direito na FGV e ex-procurador do Estado de São Paulo, afirma que em "termos práticos" invasão e ocupação é o mesmo que "esbulho". Na legislação, esbulho é crime — quando um bem é retirado do proprietário contra sua vontade.

Movimentos como o MTST (Trabalhadores Sem Teto) — historicamente ligado a Boulos — argumentam que se apoiam na Constituição e no Estatuto da Cidade para suas ações. A legislação aponta que um imóvel deve cumprir sua função social, ou seja, ser ocupado para moradia ou trabalho, por exemplo. Quando isso não ocorre, o poder público deve fazer a desapropriação.

São Paulo e outros municípios adotam medidas antes da desapropriação de imóveis ociosos. Uma delas é o IPTU progressivo, quando se aumenta o valor do imposto para o proprietário de um bem que está abandonado.

"A ocupação serve como pressão política para que o governo faça a reforma agrária", afirma Godoy. Ele ressalta, entretanto, que ações como essa "ferem o direito das outras pessoas que acreditam no governo, na fila de espera, esperando serem assentadas".

A falta de entendimento por essas palavras no mundo jurídico demonstra a falta de vontade política para que elas sejam esclarecidas, afirma Renata Helena Paganoto Moura, professora da Faculdade de Direito de Vitória. Para ela, esses termos precisam ser regulamentados. "Enquanto isso não acontece, as diferenças continuam: quando você quer apontar que aquele ingresso foi ilícito, você usa o termo invasão; quando quer que seja lícito, você usa ocupação", avalia Renata.

Não se trata de certo ou errado, ambos os termos podem ser usados. Existe uma escolha ideológica, se você quer dar uma nuance de que a propriedade improdutiva está errada, então os invasores, os ocupantes, eles têm razão de ocupar. [...] A escolha que nós fazemos das palavras revela quem nós somos.
Aldo Bizzochi

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Enquanto debatemos se foi ocupação ou invasão, a discussão mais importante fica de lado: o bem está abandonado? Está cumprindo a sua função social? Nós temos autores importantes falando de esbulho pacífico, mas ainda assim não discutimos sobre a propriedade abandonada em si.
Renata Helena Paganoto Moura, professora doutora em direito

Movimentos na pré-campanha

Boulos tem o MTST como seu berço político e Nunes quer transformar a entrega de unidades habitacionais em uma de suas vitrines para a reeleição. A cidade de São Paulo tem déficit habitacional de quase 400 mil imóveis e quase 32 mil pessoas em situação de rua, segundo dados da prefeitura.

"O MTST nunca invadiu a casa de ninguém", diz o site da entidade. "O movimento mapeia terrenos abandonados, em situação irregular e que não cumprem função social", justificam.

"Moradia sim, invasão não" é o lema da ATST (Associação dos Trabalhadores Sem Terra). Em novembro, Nunes participou de uma manifestação da associação em frente à sede da prefeitura. A entidade faz parte do Pode Entrar Entidades, uma das categorias do programa municipal de habitação.

Contra o psolista, o prefeito tenta colar a pecha de "invasor de terra". Por ser uma pauta que está muito atrelada a Boulos, Nunes tem tentado vincular sua gestão ao tema com programas como o Pode Entrar e na aproximação com movimentos de moradia.

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Ações na área têm como objetivo mostrar que luta por moradia não é bandeira da esquerda, dizem aliados do prefeito. O entorno de Boulos afirma que o programa municipal de habitação foi lançado por Bruno Covas (morto em 2021 e antecessor de Nunes) e está longe de cumprir a promessa de entregar 100 mil moradias — até março foram 10,3 mil.

"O Ricardo tem nos ajudado como outros prefeitos não fizeram", afirmou Creusa Ramos, presidente da ATST ao UOL. O grupo foi fundado por ela e seu marido, Marcos Zerbini — nomeado por Nunes como subprefeito da região de Pirituba/Jaraguá, zona norte, cargo que ocupa hoje.

Ela conta que já foi de "movimentos de invasão", mas hoje não concorda mais com esse tipo de ação. O vereador Fabio Riva (MDB), líder do governo na Câmara, é advogado voluntário na associação e defende as alternativas encontradas por grupos como esse para acabar com o déficit habitacional. "A discussão por moradia não pode ter cor partidária", disse.

Aliados de Boulos afirmam que a relação de Boulos não é exclusiva com o MTST e que ele tem ligação com outros grupos de expressão nacional na pauta de moradia. A pré-campanha afirma que deve atuar este ano como nas eleições em 2020 — desmentindo que o MTST invade casas.

"A relação do Boulos com a pauta de moradia é uma relação de compromisso de vida, com o povo da periferia, mais pobre", afirma Josué Rocha, coordenador da pré-campanha do psolista. "Ele tem uma atuação histórica, não é pontual, nem eleitoreira."

Procurado, o MTST não respondeu aos pedidos de entrevista do UOL.

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Bandeira política não dá casa. Estou nessa luta há mais de 40 anos, quantos governos passaram e o povo continua sem casa.
Creusa Ramos, presidente da ATST

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