PF vê elo de 'Abin paralela' com trama golpista do 8/1

A estrutura montada pela "Abin paralela" no governo de Jair Bolsonaro (PL), segundo a Polícia Federal, atuou em ao menos 21 episódios com o objetivo de atacar instituições e autoridades dos três Poderes por meio de dossiês, em uma lógica que ajudou a alimentar, direta ou indiretamente, as manifestações golpistas do 8 de Janeiro.

O que aconteceu

Nova fase de investigação reforça suspeitas de que grupo alimentou movimentos golpistas. Operação deflagrada na quinta (11) mirou pessoas que atuaram na Abin durante a gestão de Alexandre Ramagem (PL-RJ) para produzir dossiês contra autoridades e difundi-los por meio de integrantes do "gabinete do ódio" lotados no Palácio do Planalto. Também foram usados entre 2019 e 2022 perfis nas redes sociais alinhados a Bolsonaro.

Investigação listou 21 episódios nos quais a estrutura da Abin teria sido utilizada de maneira indevida para atender interesses de Bolsonaro. Há mais arquivos localizados em buscas de fases anteriores que ainda estão sendo analisados.

A PF vinculou as ações de inteligência paralela às tentativas golpistas. Também solicitou para Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF, o compartilhamento de informações com outros processos em curso no Supremo contra Bolsonaro, como as ações sobre a tentativa de golpe de Estado e sobre fraudes no cartão de vacina.

Com isso, indica que vai tratar todas as suspeitas envolvendo o ex-presidente como parte de uma grande organização. Segundo a PF, o grupo teria utilizado diferentes métodos para atingir os interesses políticos do ex-presidente, da perpetuação no poder ao enriquecimento ilícito (como ficou registrado no relatório final do inquérito sobre a venda das joias).

Em mensagens trocadas pelos presos pela PF ontem, eles mostram saber que existia uma minuta de decreto golpista. Um deles pergunta se "nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto".

Troca de mensagem entre policiais comprova que eles estavam cientes de tentativa de golpe
Troca de mensagem entre policiais comprova que eles estavam cientes de tentativa de golpe Imagem: Reprodução/Inquérito/PF

Ações da "Abin paralela" incluíram ataques ao STF, ao TSE, ao Congresso Nacional, a opositores e às urnas eletrônicas. Nos dossiês, havia boatos inventados sobre Moraes, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e seus parentes. Tentaram, por exemplo, criar um vínculo falso da ex-esposa de Barroso a uma empresa que presta serviços ao TSE.

Lira também estava na lista dos alvos. O grupo tentou levantar informações sobre possíveis irregularidades envolvendo assessores do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Um dos suspeitos admite isso em diálogo.

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Para a PF, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e Moraes, a estratégia do grupo se insere na lógica das manifestações golpistas:

As ações clandestinas realizadas por meio do aparato estatal materializaram o intento deliberado para: a) atacar instituições (STF, Congresso Nacional, TSE e outras); b) ataques por meio de difusão de notícias falsas contra opositores; c) ataques contra o sistema eletrônico de votação e outros. As ações clandestinas potencialmente se situam, portanto, na linha de desdobramento natural dos eventos que deram causa à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
Trecho de representação da Polícia Federal que levou à operação desta quinta-feira

Os elementos condensados na representação policial revelaram que a estrutura infiltrada na Agência Brasileira de Inteligência representava uma célula de organização criminosa mais ampla, voltada ao ataque de opositores, instituições e sistemas republicanos. As ações do grupo criminoso não se esgotam em um único inquérito, sendo importante o compartilhamento das provas para o melhor enquadramento das condutas praticadas.
Parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet

As investigações apontam que as mencionadas ações clandestinas ensejaram, motivaram e causaram, direta ou indiretamente, a tentativa de golpe de Estado ocorrida em 8 de janeiro de 2023, que pretendia abolir nosso Estado Democrático de Direito e instituir uma ditadura e cujas investigações e processos já acarretaram mais de 230 condenações.
Decisão do ministro Alexandre de Moraes que autorizou a operação desta quinta

Como era o esquema

Dois servidores atuavam no esquema na Abin, segundo a investigação. O agente da PF Marcelo Bormevet e o militar Giancarlo Rodrigues. Eles teriam usado a estrutura da agência para atender a interesses políticos do governo Bolsonaro, além de monitorar e atacar opositores.

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Conversas de WhatsApp mostram proximidade com Ramagem. Na época, Giancarlo estava subordinado a Bormevet, que era um homem de confiança de Ramagem e tinha contato direto com o então chefe da Abin. As mensagens mostram que cabia a Giancarlo fazer a maior parte dos levantamentos de informações, inclusive utilizando alguns softwares de espionagem, como o First Mile.

Diálogos também apontam ligação com integrantes do "gabinete do ódio" no Planalto. Giancarlo falava com assessor lotado no Palácio do Planalto e também com donos de perfis que difundiam fake news nas redes sociais. Eles eram, segundo a PF, abastecidos com informações fornecidas pelo militar.

Os dois foram presos preventivamente ontem. Além deles, também foram detidos:

Matheus de Carvalho Sposito, que foi assessor no Ministério das Comunicações no governo Bolsonaro e é suspeito de também atuar para o "gabinete do ódio";

Richards Pozzer, que divulgava notícias falsas em suas redes sociais e chegou a publicar ataques contra senadores da CPI da Covid;

Rogério Beraldo de Almeida, influenciador que, assim como Pozzer, divulgava notícias falsas repassadas por servidores da Abin.

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Os 21 episódios de uso indevido da estrutura da Abin, segundo a PF

Monitoramento do ex-deputado federal Jean Wyllys e de seus familiares - o telefone dele foi rastreado

Vigilância dos ex-deputados federais Rodrigo Maia e Joice Hasselmann - monitoraram reunião deles

Ação clandestina contra servidores do Ibama - rastrearam servidores com uso do software espião First Mile

Ação clandestina contra a jornalista Luiza Alves Bandeira - levantaram informações contra ela

Ação clandestina contra o jornalista Pedro Cesar Batista - levantaram informações contra ele após ter organizado um ato contra Bolsonaro

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Ação clandestina em investigação contra Jair Renan Bolsonaro - tentativa de interferência nas investigações

Ação clandestina em investigação contra Flávio Bolsonaro - tentativa de interferência nas investigações

Ação clandestina em investigação do caso Marielle Franco - monitoraram a promotora do caso no Ministério Público do Rio, Simone Sibilio

Ação clandestina em investigação do caso Adélio - criaram fake news sobre o caso, vinculando Adélio a membros da oposição e a jornalistas

Ações clandestinas contra o ministro Alexandre de Moraes - produziram dossiês com fake news sobre ele e podem ter usado sistemas clandestinos de espionagem

Evento "caçar podre" dos deputados federais Kim Kataguiri e Arthur Lira - levantaram informações de assessores deles

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Ação clandestina contra Sleeping Giants Brasil - levantaram informações pessoais dos responsáveis pelo grupo para serem expostas nas redes

Ação clandestina contra Anna Livia Solon Arida - levantaram informações sobre ela para serem expostas nas redes

Ação clandestina contra o Instituto Sou da Paz - levantaram e divulgaram informações sobre a ONG

"Exposed" de funcionários do Twitter - levantaram informações pessoais de funcionários da rede social para serem divulgadas nas redes

Ação clandestina contra a jornalista Mônica Bergamo e o ex-governador João Doria - buscaram informações e produziram fake news sobre eles

Ação clandestina contra as agências de checagem Aos Fatos e Lupa - produziram dossiês contra as agências

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Ação clandestina contra o diretor da Polícia Federal e o ministro Dias Toffoli - levantaram informações falsas vinculando o chefe da PF na época ao ministro do STF

Ações clandestinas contra os senadores Renan Calheiros, Omar Aziz e Randolfe Rodrigues - levantaram informações sobre servidores deles

Ações clandestinas contra o senador Alessandro Vieira - levantaram informações contra ele após ele pedir o depoimento de Carlos Bolsonaro na CPI da Covid

Ação clandestina contra o ministro Luís Roberto Barroso - tentaram levantar informações para atacar sistema eleitoral e parentes do ministro.

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