General narrou à PGR reunião para blindar Flávio Bolsonaro sobre rachadinha

O general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) durante o governo Jair Bolsonaro, narra, em documento encaminhado à PGR (Procuradoria-Geral da República), como foi a reunião em 2020 na qual teria sido discutida uma ajuda para a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das rachadinhas. A versão, porém, bate de frente com recentes investigações da PF (Polícia Federal).

O que aconteceu

PF achou áudio de reunião entre Bolsonaro e Ramagem para blindar Flávio. O inquérito divulgado na última quinta (11) afirma que, em áudio de uma hora e oito minutos, Alexandre Ramagem (PL-RJ), então chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), sugere a instauração de um procedimento administrativo contra auditores da Receita Federal para anular a investigação das rachadinhas, bem como retirar alguns servidores de seus respectivos cargos, ajudando a defesa do filho mais velho de Bolsonaro.

'Abin paralela' em benefício da família Bolsonaro. Para a PF, o conteúdo do áudio, que permanece sob sigilo, reforça as suspeitas sobre o uso de estrutura da Abin para atender aos interesses da então família presidencial.

A premissa investigativa ainda é corroborada pelo áudio de 01:08 (uma hora e oito minutos) possivelmente gravado pelo del. Alexandre Ramagem no qual o então presidente da República Jair Bolsonaro, o GSI general Heleno e possivelmente advogada do senador Flávio Bolsonaro tratam sobre as supostas irregularidades cometidas pelos auditores da Receita Federal na confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que deu causa à investigação.
Trecho do relatório da PF que embasou a operação de quinta

O áudio transcrito na IPJ N° 2404151/2024 apresenta metadados do dia 25/08/2020. Neste áudio é possível identificar a atuação do del. Alexandre Ramagem indicando, em suma, que seria necessário a instauração de procedimento administrativo contra os auditores da Receita com o objetivo de anular a investigação, bem como retirar alguns auditores de seus respectivos cargos.
Trecho do relatório da PF que embasou a operação de quinta

Explicação de general Heleno não cita gravação. Em ofício para a PGR em dezembro de 2020, quando o órgão apurava a suspeita de atuação da Abin para auxiliar o senador a partir de reportagens na imprensa, o militar da reserva descreve o encontro. Investigação tramitou sob sigilo e foi arquivada sem avançar no caso.

UOL teve acesso à investigação. No ofício de 17 de dezembro de 2020, o então ministro do GSI, pasta à qual a Abin era submetida, critica a imprensa e diz que, na reunião, apenas ouviu os relatos das advogadas de Flávio Bolsonaro e afirmou que os assuntos não eram de competência do GSI nem da Abin.

Ex-presidente esteve na reunião com advogadas de Flávio. "Tomei conhecimento, em linhas gerais, do assunto, que teria sido tratado nos supostos relatórios, em uma reunião no gabinete do presidente da República, onde estavam presentes: eu; duas advogadas, que se disseram representantes de Flávio Bolsonaro; o diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, e o próprio presidente da República", descreve Heleno.

Ele diz que deixou o assunto de lado. "Só voltei a conversar com o delegado Alexandre Ramagem sobre o tema, quando o jornalista Guilherme Amado publicou, na revista Época, matéria sobre dois supostos relatórios, produzidos pela Abin, para orientar a defesa."

À guisa de conclusão, esta autoridade se contrapõe veementemente ao conteúdo das matérias jornalísticas e às ações que nelas se fundam, ressaltando que, conforme informações obtidas do díretor-geral da Abin, nenhum relatório foi produzido, pela agência, para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro. (...) Limitei-me a ouvir o que tinham a dizer e, diante dos fatos, que não possuíam qualquer envolvimento com a Segurança Institucional, concluí que não era da competência do GSI, nem da Abin, interferir no assunto. Desliguei-me, juntamente com o GSI, totalmente, desse assunto.
General Augusto Heleno, em ofício à PGR em dezembro de 2020

Flávio Bolsonaro negou ter sido beneficiado. "Simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin", disse o senador. "Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter."

Senador também afirmou que a operação teve objetivo político. "A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à Prefeitura do Rio de Janeiro", escreveu. Os que desejam disputar o pleito têm até o dia 15 de agosto para se inscrever na Justiça Eleitoral.

Mesmo tom foi adotado por Ramagem. "Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial", diz o deputado em publicação no X (antigo Twitter). A estratégia traçada por Ramagem de fato foi colocada em prática, e a investigação sobre o filho do presidente acabou sendo anulada na Justiça.

Silêncio de Heleno após a operação. A reportagem entrou em contato com a defesa de Augusto Heleno, mas ele não quis se manifestar.

'Abin paralela' em busca de 'podres'

Troca de mensagens também corroboram suspeitas. Além da reunião com a defesa de Flávio Bolsonaro, a PF encontrou mensagens que mostram auxiliares de Ramagem na Abin levantando informações contra auditores da Receita. O agente da PF Marcelo Bormevet e o militar Giancarlo Rodrigues levantaram "podres e relações políticas" dos auditores que fizeram relatório que apontou movimentação financeira atípica do senador Flávio Bolsonaro.

A diligência sobre os auditores responsáveis pela confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que substanciou investigação criminal envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, ao que indicam os vestígios encontrados, foi determinada pelo delegado Alexandre Ramagem.
Trecho do relatório da PF que embasou a operação de ontem

Senador chegou a ser denunciado. Mas a investigação acabou sendo anulada em 2021 pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Foi a partir das suspeitas iniciais de um esquema de rachadinha no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual levantadas pelos auditores que a polícia e o Ministério Público do Rio de Janeiro passaram a investigar o filho de Bolsonaro.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.