Nordeste é região com mais políticas públicas antirracistas, diz pesquisa

O Nordeste abriga mais de 400 políticas públicas municipais e estaduais de combate ao racismo, em um universo de cerca de mil iniciativas do tipo identificadas por um levantamento da Fundação Tide Setubal. Entre as cinco regiões do país, a área é aquela com maior número de ações ligadas ao tema, segundo a pesquisa.

O que aconteceu

Nordeste reúne 332 ações municipais e 79 estaduais, aponta estudo. Segundo o professor Delton Felipe, que participou do levantamento, o maior percentual de negros nessa região aumenta a mobilização em relação à questão racial.

Leque de ações é variado. A Prefeitura de São Luís (MA) criou um roteiro de pontos ligados à cultura negra e capacitou moradores para o turismo. Já a Agenda Bahia de Promoção da Igualdade Racial envolve da construção de casas para quilombolas à criação de lojas voltadas para afroempreendedorismo.

Ceará tem selo para municípios sem racismo. O governo do estado concede a certificação a prefeituras com órgãos voltados para igualdade racial e formação para servidores sobre relações étnico raciais — entre outros pontos. Até o momento, seis cidades já conquistaram o selo e outras 13 devem recebê-lo em breve.

O selo é uma política transversal por natureza, porque envolve aprimoramentos da atuação dos municípios em relação à questão racial em educação, segurança e outras áreas
Wanessa Brandão, coordenadora especial de política pública para promoção de igualdade racial do Ceará

Transversalidade de políticas implementadas chama atenção. Ações como feiras para empreendedores negros em Fortaleza (CE) e João Pessoa (PB) e serviços como Procon Racial de Maceió (AL), voltado para casos de racismo em relações de consumo, conectam a questão racial a temas como trabalho e direito do consumidor.

O racismo é um fenômeno estrutural e está presente em todos os assuntos e espaços. Por isso, as políticas de igualdade racial precisam ser construídas levando essa característica em conta. Há poucas ações em áreas como saúde e segurança pública, por exemplo
Quéren Samai, doutoranda em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP, pesquisadora do Centro de Justiça Racial e Direito e supervisora da pesquisa

São Paulo é destaque na pesquisa. Para pesquisadores, cidade conta com ações que dispõem de orçamento e outros recursos. A reserva de vagas para negros no serviço público, os centros de combate ao racismo e a formação para motoristas de ônibus sobre como agir diante de casos de preconceito são alguns exemplos.

Pouco dinheiro e medir resultados são desafios. Só 3% das ações analisadas em todo o país contavam com orçamento próprio. "Sem avaliação de resultados, é impossível dar continuidade a projetos, ajustá-los ou justificar que um certo valor seja destinado a eles", afirma Felipe.

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O próprio racismo estrutural é apontado como obstáculo. Casos como a resistência de municípios do Ceará a vacinarem quilombolas primeiro durante a pandemia de covid-19 são exemplos do problema. À época, várias prefeituras não reconheciam como quilombos comunidades já classificadas assim pela Fundação Palmares.

Mapeamento sobre o tema é inédito

Levantamento analisou ações implementadas entre 2021 e 2023. Ao todo, 913 políticas públicas municipais e 157 ações estaduais foram objeto da coleta de dados, feita por meio de consulta a canais oficiais de governos de estado e prefeituras, pedidos de Lei de Acesso à Informação e entrevista com gestores.

Pesquisadores estudaram ações de 23 estados e 130 cidades. Entre as unidades da federação, só não foram identificadas políticas em Acre, Roraima e Santa Catarina. Já a nível municipal, a opção foi por analisar iniciativas das cinco maiores cidades de cada estado, onde vivem 32% dos brasileiros.

Municípios analisados abrigam 62% da população negra do país. De acordo com a equipe responsável pelo estudo, a concentração acima da média nacional de 57% de pretos e pardos reflete a maior oferta de oportunidades de trabalho nesses locais e isso funciona como fator de atração para essa parcela da população.

Brasil tem mais de 110 milhões de negros, segundo Censo

Pretos e pardos são considerados negros pela legislação brasileira em vigor. O tratamento consta em textos como a lei 12.990, que reserva 20% das vagas do serviço público federal ao grupo. A adoção da nomenclatura pelo poder público se deu após intensa mobilização do movimento negro do país nesse sentido.

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Usado por órgãos públicos, o termo pardo é objeto de discussões hoje dentro do movimento negro. Para muitos afrodescendentes, o uso da palavra é negativo, por ter se tornado uma forma de disfarçar a identidade negra desse grupo.

O que dizem os envolvidos

As pessoas brancas também precisam ser convidadas para esse debate. Afinal, o racismo não é um problema só dos negros, mas da sociedade como um todo
Quéren Samai, doutoranda em Direito e Desenvolvimento na FGV Direito SP, pesquisadora do Centro de Justiça Racial e Direito e supervisora da pesquisa

Muitas políticas ainda estão engatinhando do ponto de vista institucional. É preciso consolidá-las oferecendo servidores de carreira especializados e outros recursos. Além disso, temos que entender como cada área pode ajudar no combate ao racismo.
Pedro Marin, coordenador do programa de planejamento e orçamento público da Fundação Tide Setubal

Nossas políticas públicas de combate ao racismo são muito frágeis. O Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial não se compara ao SUS, que é mais antigo e consolidado. A igualdade racial precisa ser cada vez mais institucionalizada como política pública para resistir a eventuais trocas de governo
Wanessa Brandão, coordenadora especial de política pública para promoção de igualdade racial do Ceará

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