Rodeios, combate ao 'grau' e dia da criança maçon: veja projetos da Câmara

Temas que não são prioridade para os paulistanos dominam a lista dos projetos de lei apresentados à Câmara Municipal de São Paulo.

O que aconteceu

Rodeios, persona non grata e dia da criança maçon. Enquanto a população requer soluções para segurança, saúde e transporte, vereadores apresentam propostas desconectadas da cidade, como a retomada de rodeios, declarar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad "persona non grata" na cidade e criar um dia para crianças e adolescentes maçons.

Dia de combate a empinar moto. É o caso da criação de datas comemorativas, que motivou a apresentação de 34 propostas de vereadores contra 12 sugestões na área da saúde. Entre as proposições, estão criar o Dia do Lowton (termo usado na maçonaria para crianças e adolescentes) e dia do combate ao "grau", termo popular para a manobra de empinar motocicleta.

Segurança, saúde e transporte coletivo foram apontados como principais problemas em pesquisa. Realizado pelo Ipec (antigo Ibope), o levantamento com 700 entrevistados identificou ainda habitação, educação, geração de emprego e renda, enchentes e falta de áreas verdes como as maiores preocupações do paulistano. A pesquisa foi feita a pedido da Rede Nossa São Paulo.

Levantamento do UOL mostra que só 61 dos 284 projetos apresentados entre janeiro e fevereiro tratavam diretamente dos principais problemas da cidade. O número equivale a 22% do total de propostas encaminhadas à Câmara. Além de datas comemorativas, propostas para pets (16) e mudança de nome de ruas (11) foram objeto de mais proposições do que segurança e transporte, por exemplo.

Projetos que geram polarização ganham destaque

Algumas propostas são combustível para polarização. Apesar de não se conectarem com prioridades do paulistano, acabam fomentando debates entre as bases eleitorais.

Projeto quer que ex-prefeito se torne "persona non grata" na cidade. O atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), é o alvo da proposta do vereador Rubinho Nunes (União), que atribui "inúmeros retrocessos" à administração do petista em São Paulo. Haddad esteve à frente da prefeitura entre 2013 e 2016.

Vereador fala em indignação. "O projeto reflete o sentimento de indignação da população paulistana diante de um gestor que, onde passa, deixa um rastro de desordem econômica e má administração", disse Nunes. Haddad foi procurado, mas não retornou os contatos da reportagem.

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Outro projeto quer tornar "obrigatória" a apresentação de boletim de ocorrência para realização de aborto após estupro. Segundo Lucas Pavanato (PL), a aprovação da proposta "trará segurança jurídica tanto aos profissionais médicos que realizarem a prática como à gestante vítima de violência sexual".

"O mínimo que deve ser exigido é algum tipo de comprovação da violência sofrida", afirmou Pavanato. "Caso contrário, pessoas que não sofreram violência podem usam essa brecha para burlar a lei", acrescentou.

Reproduzido em 12 capitais, projeto de lei contra rap e funk nasceu em São Paulo. A proposta de Amanda Vettorazzo (União) visa proibir a contratação pela prefeitura de artistas e shows que façam apologia ao crime ou às drogas.

"Acredito que qualquer cidadão de bem não queira que seus impostos sejam usados para financiar shows com apologia ao crime", disse Amanda. Doutor em Direito pela USP, Danilo Cymrot considerou a ideia inconstitucional.

Arena de disputa entre esquerda e direita, questões de gênero e sexualidade ganharam atenção dos vereadores. Foram pelo menos dez propostas nessa área, contra três para segurança, o maior problema da cidade na visão do paulistano.

Vetar crianças na parada gay e trans em concursos públicos. Há projetos para proibir crianças e adolescentes na Parada LGBTQIA+ e vetar cotas para pessoas trans em concursos públicos. Por outro lado, há propostas para incluir a Marcha do Orgulho Trans no calendário de eventos da cidade e para reservar vagas para pessoas trans em cursos da prefeitura.

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Projeto retoma rodeios, proibido em 1993 para evitar maus tratos a animais. Na semana passada, Zoe Martinez (PL) protocolou uma proposta que acaba com a proibição. Segundo Zoe, rodeios movimentam a economia e é possível realizá-los garantindo "a segurança e o bem-estar dos animais".

Houve espaço até para discussão sobre a escala 6 por 1. O PL (projeto de lei) nº 10, de Amanda Paschoal (PSOL), visa impedir a prefeitura de contratar empresas nas quais os funcionários trabalhem seis dias por semana e descansem um. O fim da jornada 6x1 está em discussão no Congresso, por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada pela deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), madrinha política de Amanda.

Desconectados da cidade

Divergência entre prioridades e projetos sugeridos revela que vereadores estão desconectados dos problemas da cidade. Para o cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marco Antônio Teixeira, eles estão mais preocupados em apresentar propostas que possam dar retorno eleitoral rápido do que em construir soluções a médio e longo prazo.

A postura distancia o eleitor da Câmara, avalia Teixeira. Segundo ele, isso aprofunda a crise no modelo de democracia representativa e faz com que o vereador atue como em um "balcão de negócios". "Ou seja, ele não atende por projeto de lei e mudança substantiva na vida das pessoas, mas atende por emendas parlamentares. E, em troca disso, dá seu apoio praticamente homologatório ao prefeito", critica.

É mais fácil pegar um atalho, propor nome de ruas, comendas, homenagens e criar datas comemorativas do que construir um projeto de médio e longo prazo. Os parlamentares estão muito mais preocupados com aquilo que dá voto, que garante sua reeleição ou uma progressão na carreira política, do que em debater, construir saídas para os problemas da cidade, que, muitas vezes, não têm efeito eleitoral imediato.
Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas)

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Conhecer a cidade

A população avalia que os vereadores precisam conhecer os problemas da cidade. Outra pesquisa feita pelo Ipec e publicada pela Rede Nossa São Paulo, em janeiro do ano passado, aponta que esta foi a alternativa mais apontada (31% dos entrevistados) como a ação que os vereadores deveriam tomar para melhorar a qualidade de vida dos paulistanos.

Câmara precisa se aproximar da população, avalia coordenador da Nossa São Paulo. Igor Pantoja afirma que os vereadores precisam criar canais mais diretos de diálogo com os cidadãos, além de destinar recursos para questões prioritárias da cidade. O que acontece, no entanto, é um afastamento entre o Legislativo e o público.

Se os representantes da Câmara Municipal, os vereadores e vereadoras, estabelecessem esses canais diretos de diálogo com a população, com os conselhos participativos, esse problema se resolveria. Mas, na verdade, eles fazem questão de se distanciar, de se fechar no gabinete.
Igor Pantoja, coordenador de relações institucionais da Rede Nossa São Paulo e do Instituto Cidades Sustentáveis

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