Tragédia na escola

Massacre em Suzano (SP) choca pela crueldade e reproduz tipo de crime cada vez mais comum no Brasil

Do UOL, em São Paulo Arte UOL

Em um ano que em apenas três meses já está marcado por tragédias, um massacre chamou a atenção do Brasil e do mundo nesta quarta-feira (13). Um adolescente e um homem entraram em uma escola de Suzano (SP) e mataram sete pessoas lá dentro, cometendo suicídio logo em seguida. Momentos antes de partir para o colégio, a dupla matou um comerciante do bairro.

Massacres e tiroteios dentro de escolas são uma rotina comum nos Estados Unidos, e um deles, o de Columbine (1999), chegou a ser citado como exemplo para o ataque ocorrido no colégio da região metropolitana de São Paulo.

Não é a primeira vez, porém, que assassinatos bárbaros ocorrem em ambientes escolares no Brasil. Os de Realengo, no Rio (2011), e Goiânia (2018) são dois dos mais conhecidos.

A motivação da dupla de executores de Suzano ainda é desconhecida. Por enquanto, a polícia sabe que eles eram ex-alunos do colégio onde cometeram os crimes e que eram vizinhos. Uma linha de investigação indica que eles já planejavam o ataque há quase um ano.

Cinco estudantes morreram, todos garotos entre 15 e 17 anos.

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Rapazes entram em escola e provocam massacre

Suamy Beydoun/Agif/Estadão Conteúdo

Os passos do ataque

Era pouco depois das 9h30, o momento do recreio na Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano. Os alunos estavam fora das salas de aula, conversando ou lanchando. A porta da frente estava aberta, e foi por ela que entraram Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25. Eles haviam acabado de estacionar em frente ao colégio o carro modelo Ônyx branco, que havia sido alugado por um deles.

Antes, Guilherme havia atirado no tio --Jorge Antonio de Moraes, 51, dono de uma loja de veículos--, que foi socorrido ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos.

Munida de forte armamento - um revólver calibre 38, munições, uma besta, tipo de equipamento semelhante a um arco e flecha, e simulacros de explosivos -, a dupla, que já conhecia o colégio bem por lá ter estudado em anos anteriores, iniciou o massacre. Um deles entrou e atirou em Marilena Ferreira Vieira Umezo, 59, coordenadora da escola, e em Eliana Regina de Oliveira Xavier, 38, agente de organização escolar.

O rapaz seguiu em frente e continuou atirando em diversos adolescentes que apareceram a sua frente. Os jovens tentaram escapar - as imagens das câmeras de segurança mostram alunos correndo pela porta ou pulando os muros do colégio.

O segundo atirador entra e, com um machado em mãos, golpeia corpos que já estavam caídos. Em seguida, fica na porta da escola e tenta acertar os estudantes que fugiam para a rua.

Em seguida, os dois foram ao pátio do colégio, onde fizeram mais vítimas. De lá, seguiram para o centro de línguas. No local, uma professora e alunos estavam escondidos.

Foi neste momento, segundo a PM, que os assassinos se encontram com os primeiros policiais que chegaram ao local. Foram ouvidos dois disparos. De acordo com a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo), um dos atiradores matou o outro e também se suicidou.

Ao todo, cinco adolescentes e dois funcionários foram assassinados, e 11 pessoas ficaram feridas.

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Os autores do massacre

  • Guilherme Taucci Monteiro, 17

    Guilherme estudou na escola onde cometeu o massacre por dois anos, até 2018. Ele era considerado "evadido", já que não voltou ao colégio para concluir os estudos. A mãe de Guilherme contou à Band que ele saíra da escola por ser vítima de bullying de colegas. Para a mãe, o menino "era uma criança", um ótimo filho, "um moleque muito tranquilo", que "não falava nada, ficava jogando videogame". Minutos antes do ataque, o adolescente postou fotos suas em uma rede social fazendo gestos ofensivos e vestindo uma máscara de caveira. Cadernos do adolescente apreendidos pela Polícia Civil apresentam desenhos de homens encapuzados e palavras de ódio. As anotações trazem ainda "regras do jogo", em referência às táticas de vídeo semelhantes a games como Garena Free Fire e Call of Duty.

    Imagem: Reprodução/Facebook
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  • Luiz Henrique de Castro, 25

    Assim como Guilherme, Luiz Henrique também estudou na escola Estadual Raul Brasil, mas a polícia não informou quando. Ele era vizinho do parceiro, ambos moradores de uma rua no Jardim Imperador, próximo ao colégio onde praticaram o massacre. Segundo uma fonte policial informou à Folha de S.Paulo em off, Luiz Henrique e Guilherme planejaram o ataque por cerca de um ano, por meio de troca de mensagens. Coube a Luiz Henrique alugar o carro que ele e o parceiro pegaram na loja e usaram para chegar à escola. Uma das linhas de investigação indica que o tio de Guilherme, Jorge Antonio de Moraes, descobriu o plano dos rapazes. Por isso, eles teriam antecipado o massacre e passado na loja para assassiná-lo.

    Imagem: Reprodução/Governo do Estado de São Paulo
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Quando caminhando em território aberto, Não aborreça ninguém. Se alguém lhe aborrecer, peça-o para parar. Se ele não parar, Destrua-o

Guilherme Taucci Monteiro, em um de seus cadernos

AP

O exemplo de Columbine

O massacre ocorrido nesta quarta-feira em Suzano tem detalhes bastante semelhantes aos do atentado de Columbine, em abril de 1999. Naquela ocasião, dois jovens, de 17 e 18 anos, entraram em uma escola na cidade norte-americana e abriram fogo. No total, 13 pessoas morreram e 21 ficaram feridas.

Segundo os primeiros indícios da investigação, Luiz Henrique e Guilherme tramaram o ataque por quase um ano, tal como Dylan e Eric fizeram em Columbine. Novamente repetindo os norte-americanos, a dupla brasileira entrou no colégio munida de forte armamento e até com simulacros de explosivos.

Embora uma versão oficial sobre a motivação dos atiradores de Columbine nunca tenha se confirmado, os principais relatos indicavam que os atiradores eram vítimas de bullying na escola, uma das hipóteses levantadas agora para o caso em Suzano. Além disso, a influência de videogames na vida dos adolescentes começou a ser debatida após o ataque americano e volta a ser assunto desta vez.

O massacre de Suzano, porém, não é o primeiro ataque brasileiro a ter semelhanças com Columbine. Em 2017, após invadir uma escola e matar dois alunos em Goiânia, o atirador revelou ter se inspirado no famoso caso norte-americano. Naquele mesmo ano, um vigia noturno ateou fogo a uma creche em Janaúba (MG) e matou 13 pessoas.

Em 2011, em Realengo, um massacre dentro de um colégio que vitimou 12 alunos também teve componentes semelhantes.

Nos Estados Unidos, os casos de massacre dentro de colégios ou ambientes adolescentes são frequentes. Em 2018, o ataque de um ex-aluno matou 17 pessoas dentro de uma escola na Flórida e mobilizou discussões no país sobre a posse de armas, que lá segue legislações estaduais.

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Bruna Nascimento/Myphoto Press/Estadão Conteúdo Bruna Nascimento/Myphoto Press/Estadão Conteúdo
Reprodução/Facebook

Corintiano fã de música

Douglas era natural de Itaquaquecetuba (SP), cidade que fica a cerca de 10 km de Suzano. Ele era torcedor do Corinthians e, por seus interesses nas redes sociais, gostava de ouvir rap e música eletrônica. Em seu perfil, Douglas compartilhava memes e outras postagens de humor. Sua última publicação foi feita às 6h28 da manhã de hoje, quando ele compartilhou uma imagem de um desenho animado.

Também pelas redes sociais, uma amiga de Douglas lamentou a morte do jovem. "Contamos com a oração de cada um de vocês. Douglas Murilo, Deus tá no comando de todas as coisas, Raul Brasil em LUTO", escreveu.

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Kaio Lucas da Costa Limeira, 15

Futebol também era um dos principais interesses do santista Kaio. Quase todas as postagens do garoto eram sobre o tema. Outras lembram da época em que ele praticava judô. Uma das fotos foi comentada por Caio Oliveira, um dos cinco adolescentes vítimas do massacre.

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Samuel Melquíades Oliveira, 16

Também nas redes sociais, Samuel fazia muitas postagens em homenagem à família, em especial a mãe e o pai. "FELIZ ANIVERSARIO MÃE, obrigado por sempre ser a mãe maravilhosa que você sempre é", escreveu.

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Claiton Antonio Ribeiro, 17

Nas redes sociais, o apelido de Claiton era "Samurai". Nas poucas fotos publicadas, ele aparece quase sempre de óculos escuros. O jovem era fã de Assassin's Creed, um jogo de ação de videogame.

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Caio Oliveira, 15

O jovem estava no 1º ano do ensino médio. Muitos de sua família haviam estudado no colégio. "Era muito inteligente", lembra a professora de inglês Jacqueline Mota. Em homenagem em rede social, uma amiga sua lembrou sua lealdade e companheirismo.

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Reprodução/Facebook

A professora querida e alegre

Dois meses antes de ser morta a tiros dentro da escola onde deu aulas de filosofia e depois assumiu o cargo de coordenadora, Marilena Ferreira Vieira Umezo publicou nas redes sociais uma frase que mostrava exatamente o que ela pensava sobre a posse e o porte de armas de fogo: "Somos a favor do porte de livros, pois a melhor arma para salvar o cidadão é a educação".

Descrita por um irmão como "alegre, divertida e amiga", a professora era casada, tinha três filhos e netas, que aparecem em grande parte de suas fotos postadas na internet.

Marilena foi a primeira vítima dos atiradores dentro da escola, sendo atacada junto com Eliana Regina de Oliveira Xavier, 38. Segundo a polícia, os autores teriam entrado no colégio e chegado até elas após Guilherme dizer que queria retomar os estudos. Ele deixou a escola no ano passado.

"Eu amava a dona Mari, a coordenadora. Eu vi no vídeo ela deitada no corredor que eu estudo, então eu não quero mais passar por ali", relatou emocionada uma aluna da escola à RedeTV!

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Mauricio Sumiya/Futura Press/Folhapress

Jorginho, o palmeirense negociador

Jorge Antonio de Moraes, 51, o Jorginho, era um velho conhecido do bairro. Tinha uma loja de carros, que também funcionava como lava-jato, há mais de 25 anos, e era querido por grande parte da vizinhança.

O comerciante foi assassinado pelo próprio sobrinho, Guilherme, que chegou à loja pouco depois das 9h com Luiz Henrique em busca do tio. Segundo amigos, Jorge já havia tentado aconselhar Guilherme na época em que o adolescente abandonou a escola.

Palmeirense fervoroso, Jorge se divertia com os companheiros do bairro ao falar de futebol, mas ficava bravo ao ser ironizado nos momentos de queda do time paulista.

Além do bom humor, o comerciante ajudava os vizinhos com negócios. Costumava vender e comprar carros dos colegas do bairro.

"A gente fica triste. A gente se coloca no lugar dele", lamentou Alfredo dos Reis Filhos, dono da padaria em que Jorge passava todos os dias.

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É meu sobrinho

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Jorge Antonio de Moraes, após ser baleado por Guilherme

Fábio Motta/Estadão Conteúdo

Massacre com arma de fogo vira assunto político

O ataque em Suzano revitalizou o debate político sobre posse e porte de armas. Defendida em campanha de Jair Bolsonaro (PSL) e colocada em prática por ele em um de seus primeiros atos como presidente, a flexibilização da permissão de possuir armamento foi questionada por opositores do governo e por setores da sociedade.

Já os aliados de Bolsonaro aproveitaram o caso para reforçar a relação entre a posse de armas e a autodefesa.

Presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) disse no Twitter que "tragédias como essa resultam do incentivo à violência e à liberação do uso de armas".

Por sua vez, o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), afirmou que "aproveitadores" vão usar o ocorrido para criticar a política do governo Bolsonaro de maior acesso às armas. O senador usou o episódio para defender a redução da maioridade penal: "bandido não tem idade", disse.

"E não podemos deixar que os aproveitadores se utilizem da tragédia para falar que o desarmamento é solução, essas armas são ilegais e foram obtidas e usadas por adolescentes! A política desarmamentista fracassou! E quem perde são as famílias brasileiras", afirmou o senador do PSL.

O Planalto do Planalto tratou de desvincular a tragédia de Suzano com projetos da atual gestão. Em sua conta no Twitter, o presidente Bolsonaro se manifestou quase seis horas após o massacre e o chamou de "monstruosidade e covardia".

Pouco antes da ação dos assassinos, Bolsonaro disse, em conversa com jornalistas, que dorme com uma arma ao lado da cama no Palácio do Alvorada.

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Opinião

Lucas Lima / UOL

Josias de Souza

Não é que o presidente, seus filhos e seus aliados não tenham enxergado uma solução para o problema da violência. A questão é que eles ainda não enxergaram nem o problema. Tornaram-se parte da encrenca. A pistola acima de tudo. Depois das mortes, Deus acima de todos.

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Rede TV!

Reinaldo Azevedo

O que o presidente Bolsonaro tem a ver com a tragédia na escola de Suzano? Tudo! É claro que ele não pode ser responsabilizado pelo ato tresloucado de duas pessoas. Não se trata de responsabilização penal, mas de responsabilidade política. E, nesse caso, seu discurso está na raiz do problema.

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Lucas Lima/UOL

Leonardo Sakamoto

Ao invés de armar professores e pôr detector de metal em escolas - o que é impossível, tendo em vista que muitas não têm nem merenda ou papel -, precisamos atuar coletivamente para desarmas mãos, mentes e corações no que for possível. Mas também lembrar que, em última instância, atos de insanidade são atos de insanidade.

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