Tratamento ajuda a recuperar fala de paciente que nasceu sem a língua
Há 16 anos, um raríssimo e complexo caso na Medicina impressionou e sensibilizou o cirurgião-dentista Frederico Salles, especialista em intervenções maxilares e faciais: uma menina que havia nascido com ausência total da língua. A anomalia, chamada de aglossia congênita, é tão incomum que há apenas três ocorrências em todo o mundo registradas na literatura médico-odontológica.
Graças a uma inédita intervenção cirúrgica e um acompanhamento sistemático oferecido por uma equipe da Universidade de Brasília (UnB), Auristela Viana da Silva – hoje com 22 anos – come bem, fala corretamente e leva uma vida normal. Ella inclusive cursa enfermagem.
Aos 5 anos, a menina apresentava um quadro de desnutrição, por não conseguir se alimentar direito. Além disso, apresentava feridas ao redor da boca, por incontinência salivar, e sofria graves problemas de dicção. Foi quando Salles a atendeu em seu consultório.
Com o propósito de alterar a anatomia da mandíbula e ajustar o maxilar para assegurar o desenvolvimento dos ossos no formato adequado – “que se apresentava pontiaguda, em forma de V” – Salles fez um orçamento de um distrator ostiogênico, aparelho de indução do crescimento ósseo que precisaria ser importado para o Brasil, mas a direção de um hospital de Brasília alegou que o instrumento era caro e não compensava o investimento.
Frustrado com a não possibilidade da intervenção naquele momento, o cirurgião prosseguiu com suas pesquisas em torno do caso. Em 2001, já em sua clínica, e graças à sua disposição pessoal para assumir o caso, Auristela, cuja família era de origem humilde, pôde ser submetida à cirurgia especialmente idealizada para ela. A partir da doação de voluntários e de uma rifa de um rádio feita pela mãe da menina, o aparelho foi adquirido e a intervenção realizada.
Tratamento multidisciplinar
Após duas cirurgias, que resultaram em uma expansão maxilar de 20 milímetros, na qual a mandíbula, que assumia a forma de “bico de pássaro”, pôde ser redesenhada. A partir disso, professores de diversas áreas da UnB assumiram as terapias da fala, psicológica, ortodôntica e nutricional - acompanhamento conduzido até hoje.
A equipe instituiu um protocolo para tratamento de sequelas de aglossia, algo que não existia no mundo. A intervenção conjunta e compartilhada dos especialistas resultou em outro procedimento inédito: o teste de percepção gustativa.
A equipe descobriu que a garota é capaz de sentir todos os sabores – o que fez os pesquisadores constatarem que essa percepção não está associada somente à língua.
O episódio científico vem despertando o interesse de especialistas em todo mundo. Em 2011, a bem-sucedida experiência cirúrgica, acompanhada do tratamento terapêutico, foi apresentada no EPS Hohhot International Paediatric Conference, evento de pediatria realizado na China. Na ocasião, Salles levou à plateia de especialistas um vídeo gravado com a própria Auristela, a qual saudou, em mandarim, os interessados em seu caso.
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