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Coronavírus: síndico não pode vetar elevador, mas doente deve ter bom senso

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Imagem: iStockphoto

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/03/2020 14h54Atualizada em 17/03/2020 21h43

O síndico pode proibir o uso do elevador a moradores sob suspeita de terem contraído o covid-19, doença causada pelo coronavírus? E se o caso for confirmado? E os visitantes?

Dúvidas como essas crescem em meio ao aumento de casos informados pelo governo no Brasil, e advogados especialistas em direito imobiliário resumem: os síndicos têm pouco poder de veto de circulação de condôminos, morador precisa ter bom senso e disputa pode parar na Justiça. E em caso de desrespeito, advertências e até multas podem ser aplicadas.

Entenda o raciocínio dos especialistas:

Tenho sintomas do covid-19. O condomínio pode impedir uso de elevador ou áreas comuns?

Não. O condomínio não tem poder de polícia e não pode restringir o trânsito de moradores, estejam eles gripados ou sejam suspeitos. O que o condomínio pode fazer é conscientizar os residentes e pedir bom senso, dizem dois advogados ouvidos pelo UOL.

"Não é possível separar ou impedir doentes de usar as áreas comuns. Você estaria discriminando-as, e não há previsão legal alguma", afirma o advogado José Roberto Graiche, presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo.

Para quem apresenta os sintomas de covid-19 (febre acompanhada de tosse, coriza ou outro problema respiratório, como falta de ar), a recomendação do Ministério da Saúde é fazer isolamento domiciliar até o resultado do teste.

"Ninguém tem a obrigação de informar síndico, vizinho ou quem quer que seja. Por outro lado, se você suspeita que tem a doença, procure tomar todos os cuidados de higienização e ficar em casa", afirma o advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário.

"Você vive em comunidade, com idosos, crianças, pessoas em grupos de risco. Se suspeita da doença, evite usar os locais comuns e muito cuidado ao usar o elevador e maçanetas", concorda Graiche.

Fui confirmado com o coronavírus. Posso andar pela área comum?

Pode, mas não deve, dizem os advogados. A recomendação do Ministério da Saúde nesses casos é se isolar por ao menos 14 dias.

Então os outros moradores ficam reféns do doente que pode contaminar os vizinhos?

Segundo Tapai, ficar em quarentena significa ficar em casa, mas a lei não é clara quanto a área comum do condomínio.

Por isso, em caso de insistência do morador doente em circular pelas áreas comuns, o condomínio pode levar a questão à Justiça - mas nunca agir por conta própria.

"O síndico ou administradora [do prédio] não têm poder de polícia. Então não podem prender o paciente em casa. Mas se, em caso confirmado, o morador continua usando academia ou piscina, é possível acionar a Justiça - ele está contrariando a ordem médica e atentando contra a saúde pública", afirma Tapai.

Segundo Graiche, outra medida cabível é a aplicação de multas.

"Existem previsões nas regras do condomínio em que ele pode advertir o morador ou aplicar penalidades porque, em uma hipótese como esta, ele está agindo com dolo", argumenta.

Em caso de confirmação, meus familiares podem ser impedidos de me visitar?

Não.

"Você não pode ser privado ou impedido de fazer certas coisas porque convive ou tem contato com alguém doente", afirma Tapai.

"Mais uma vez, é questão de bom senso: se convivo com alguém doente, ao sair de casa, devo tomar o maior cuidado possível para não infectar a outros", completa o advogado Graiche.

Além disso, a recomendação do Ministério da Saúde é que, pessoas com contato próximo a doentes fiquem pelo menos sete dias em isolamento familiar, mesmo que não apresentem sintomas.

O condomínio pode vetar obras nos apartamentos para diminuir a circulação de pessoas?

Na situação atual, se a obra não for imprescindível para a vivência no apartamento, é possível.

Segundo Graiche, a atual situação de preocupação com saúde pública pode justificar algumas medidas como veto temporário de obras.

"São Paulo declarou [Estado de] Emergência, diversos estados estão proibindo eventos privados. Dessa forma, o representante legal do condomínio pode, com apoio do conselho, vetar obras temporariamente para diminuir trânsito desnecessário de pessoas", argumenta o advogado.

"Você vai pintar o apartamento agora? Reformar a cozinha? Não, são coisas que podem esperar. Agora, claro, se atrapalha a vivência no local, como um cano estourado, não tem como impedir, é imprescindível", orienta o presidente da AABIC.

O condomínio pode vetar a entrada de prestadores de serviços dos moradores aos apartamentos?

Não. No caso de prestadores de serviços, como encanadores, eletricistas, funcionários de limpeza, entre outros, não podem ser impedidos.

"Você não tem como vetar a entrada de pessoas se o dono do apartamento liberou", afirma Tapai.
Graiche, mais uma vez, diz que é questão da necessidade. "Você não tem como impedir serviços imprescindíveis para as pessoas."

O condomínio pode impedir mudanças ou a entrega de móveis e eletrodomésticos?

Não. Para Graiche, por enquanto, o condomínio não tem como impedir a entrada de móveis ou mudanças, desde que as regras já estabelecidas sobre dias e horários sejam respeitadas.

"A pessoa vai sentar no chão até [a crise] passar? Vai dormir onde? O condomínio não tem como julgar", afirma o advogado. "Mas reitero: é questão de bom senso. A recomendação é diminuir circulação de pessoas, então a dica é só fazer o que for necessário."

O que os condomínios devem fazer nestas situações?

Apesar de não poder restringir, os condomínios devem conscientizar seus moradores e tomar algumas providências práticas. O presidente da AABIC faz algumas recomendações:

  • Suspender ou adiar reuniões e assembleias; optar por meios eletrônicos
  • Pregar cartazes com dicas de higienização em elevadores e quadros de aviso
  • Distribuir tubos de álcool gel em áreas comuns como hall, academia e elevador
  • Orientar os funcionários a darem mais atenção à limpeza de maçanetas, botões do elevador, corrimãos e áreas de circulação intensa
  • Adiar obras gerais em busca de reduzir a circulação de pessoas

O que eu posso fazer para não aumentar as chances de contaminação no condomínio?

Não basta que o condomínio tome as devidas precauções sozinho, também há algumas medidas que os moradores podem tomar para evitar a disseminação do vírus, mesmo que não apresente sintomas da gripe.

"O ideal é tentar diminuir ao máximo o número de pessoas circulando pelo condomínio. É bom adiar ou suspender reformas, por exemplo, e, como não está tendo aulas, também não chamar amiguinhos do filho para brincar nas áreas comuns", sugere Graiche.

"O condomínio é um microcosmo. Esse tipo de atitude faz diferença, pois, no fim, não adianta nada você tomar todas as precauções na rua e estar exposto quando chega em casa", conclui o advogado.