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MP-SP investiga médica que divulgou "soro da imunidade" contra coronavírus

Eduardo Schiavoni

Colaboração para o UOL, em Ribeirão Preto (SP)

17/03/2020 15h02Atualizada em 17/03/2020 17h29

Resumo da notícia

  • Isabella Abdallah postou vídeo com pacientes que tomavam um suposto "soro da imunidade" contra coronavírus
  • Ela não apresentou estudos que comprovam eficiência. Cremesp e Associação de Nutrologia condenaram ato
  • Até agora, não há uma vacina contra o novo coronavírus
  • MP-SP abriu inquérito sobre suposta propaganda enganosa, que pode levar à prisão por até dois anos
  • Defesa da médica fala em "linchamento virtual' e diz que não prometeu ter uma defesa contra o novo coronavírus

O Ministério Público (MP) de São Paulo e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) investigam o caso da médica brasileira Isabella Abdallah que recomendou, nas redes sociais, um "soro da imunidade" para combater o coronavírus. Ela corre o risco de perder o registro profissional e ser indiciada por propaganda enganosa, que pode resultar em até dois anos de prisão.

Nas redes sociais, Isabella Abdallah postou um vídeo comentando com seus seguidores. "Gente, essa turma minha de gestante está cada uma mais maravilhosa que a outra. Todo mundo tomando soro para imunidade, né? Ficar imune do corona (vírus)", disse a médica, que trabalha em Ribeirão Preto (SP). Em seguida, ela afirmou que vem sendo procurada por clientes interessadas no soro.

A médica explicou que o soro é um composto de vitaminas e antioxidantes que recomenda para seus pacientes para, segundo ela, equilibrar os nutrientes e favorecer o desenvolvimento de um sistema imunológico eficiente. Porém, ela não apresenta prova ou estudo que comprove que o soro combata o novo coronavírus.

O promotor Ramon Lopes disse ao UOL que foi aberto ontem inquérito de possível propaganda enganosa por parte da médica. O Cremesp informou que abrirá sindicância e alertou a população para desconfiar de "anúncios sensacionalistas" e que "fake news colocam em risco a saúde da população". A Associação Brasileira de Nutrologia negou a existência de "soro de imunidade". Até o momento, não há uma vacina para combater o novo coronavírus.

Vídeo de soro viraliza

O vídeo com a médica viralizou nesta semana. Nele, a médica mostra clientes que estariam fazendo uso do "soro da imunidade" e disse que seria para "ficar imune do corona". Isabella ainda postou outro vídeo em que descreveu o soro e abriu a possibilidade de repassar a quem não seja seu cliente. Ela não divugou valores.

"O pessoal está desesperado por causa do coronavírus. Os meus pacientes estão vindo bastante fazer o soro para imunidade. Eu aconselho fazer", disse a médica, que afirmou que o medicamento não teria contraindicação.

Após a publicação viralizar e ser alvo de críticas, Isabella voltou às redes sociais para se defender. "Em momento algum do vídeo, vocês podem ver no vídeo, eu citei a palavra que o soro poderia curar, poderia prevenir ou poderia tratar o coronavírus. O soro, ele nada mais é que um conjunto de vitaminas e antioxidantes que pode melhorar o seu sistema imunológico", afirmou.

O advogado de Isabella, Abrão Issa Neto, alegou que sua cliente irá se manifestar sobre o assunto em momento futuro. "Neste momento, ela está sendo alvo de um linchamento moral pelas redes sociais", comentou. O UOL não conseguiu contato com a profissional.

Ele ressaltou, entretanto, que a defesa irá se basear no fato de toda a declaração da médica ter sido direcionada a esclarecer sobre a importância de se ter um sistema imunológico fortalecido. "A colocação pode ter extrapolado, mas jamais ela pretendeu falar que tinha uma defesa contra o coronavírus", declarou.

MP investiga se houve propaganda enganosa

O promotor Ramon Lopes, do MP-SP, informou que investiga Isabella por suposta propaganda enganosa. A pena para este crime pode chegar a dois anos de prisão, além de multa. Cabe, ainda, reparação civil por eventuais danos causados.

"Vamos apurar se a médica não se aproveitou de um momento de preocupação das pessoas para conseguir proveito econômico indevido", disse Lopes, que declarou, ainda, que, se forem constatadas irregularidades, a médica pode responder tanto no campo civil quanto no penal, de acordo com o preconizado no Código de Defesa do Consumidor.

"Ela está sujeita a indenização, proibição de venda do produto, contrapropaganda de esclarecimento, e ainda pode responder por eventual crime contra o consumidor e sanções administrativas junto ao Procon e Cremesp", disse Ramon, que pretende ouvir a médica ainda nesta semana.

Associações criticam vídeo

Procurado, o Cremesp informou, em nota, que abrirá sindicância para investigar o caso. "A sindicância tramitará sob sigilo determinado por lei", disse a entidade, que afirmou que "o médico deve sempre se pautar pelas evidências científicas e expô-las ao paciente".

A entidade recomendou ainda que a população "desconfie de anúncios sensacionalistas e promessas de resultado fácil". "A internet e o acesso rápido e amplo a informações permitiram a difusão de conteúdo de qualidade em saúde, por meio de páginas e influenciadores sérios, incluindo respeitadas instituições de saúde. Mas também permitiram a disseminação de falsas informações, as chamadas fake news, que colocam em risco a saúde da população", explicou.

As punições possíveis variam desde perda do direito de exercer a medicina até advertência.

Em nota, a Associação Brasileira de Nutrologia (Abran) condenou a atitude de Isabella e nega haver base científica no produto. "Não faz parte dos protocolos a administração de soroterapia endovenosa para a prevenção de doenças infectocontagiosas, bem como, não há nenhuma evidência científica de que a infusão de soros, com qualquer dose de vitaminas, minerais, aminoácidos, antioxidantes ou outros nutrientes, tenha efeito preventivo contra o novo coronavírus", alegou.

De acordo com a nutróloga Camila Rodrigues, entretanto, a alimentação equilibrada em nutrientes tem relação com a manutenção de boas condições de imunidade, o que pode ajudar a impedir que a pessoa desenvolva algumas moléstias ou tenha seus efeitos diminuídos. "Não se trata de um combate ao coronavírus, mas, quanto mais saudável está o sistema imunológico, maiores as chances de um combate eficaz a qualquer doença", disse.