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SP: asilo "covid zero" adiantou quarentena; faixa etária tem 80% dos casos

Casa de repouso em Santo André (SP) evita transmissão de coronavírus com medidas de prevenção - Divulgação
Casa de repouso em Santo André (SP) evita transmissão de coronavírus com medidas de prevenção Imagem: Divulgação

Talyta Vespa

Do UOL, em São Paulo

08/05/2020 04h04Atualizada em 08/05/2020 22h37

Resumo da notícia

  • 80% dos casos de covid-19 atingem pessoas acima de 60 anos na cidade de SP
  • Casos de várias mortes no mesmo local são registradas no interior do estado
  • MP estadual reúne números incompletos sobre mortes em casas de repouso em SP
  • Estado não tem monitoramento específico, pois mortes são registradas em hospitais
  • Lares de idosos não têm obrigação de fornecer números, afirma Ministério Público

Uma rede de casas de repouso para idosos em Santo André (SP) antecipou o isolamento e até hoje não apresenta casos de coronavírus entre 60 moradores registrados. As três unidades proibiram que familiares fossem até os pacientes antes mesmo de o governador João Doria decretar quarentena em São Paulo: em 14 de março, as visitas já estavam proibidas.

Segundo dados do Ministério Público Estadual, há 21 óbitos confirmados por covid-19 em 67 casas de repouso, além de nove mortes suspeitas e 115 idosos contaminados pelo vírus. O levantamento, porém, permite apenas uma amostragem mínima, já que há 2012 asilos em todo estado de São Paulo. O MP explica que as instituições não são obrigadas a fornecer informações.

Na capital, até o dia 30 de abril, 80% dos casos confirmados de covid-19 atingiram pessoas com mais de 60 anos. A taxa de mortalidade cresce conforme a idade e chega a 61,9 óbitos a cada 100 mil habitantes entre 70 e 74 anos, segundo o último balanço quinzenal da Prefeitura de São Paulo.

Em entrevista ao UOL, a chefe de enfermagem Marcella Santos conta que na DG Sênior, onde trabalha, os cuidados não diferem do indicado a todos: a higienização de todos os produtos é feita com cautela, e o tempo todo. Os funcionários trabalharem paramentados dos pés à cabeça. Ela explica: "Quando a gente chega, entra pela área de serviço e, lá mesmo, já troca de roupa e faz a higienização", afirma. "Depois, nos paramentamos com máscara, luvas, touca e avental".

As visitas costumavam ser diárias e com poucas restrições. Isso mudou em 14 de março e, Marcella conta, o mais difícil foi explicar aos idosos o motivo pelo qual seus familiares deixariam de visitá-los.

A gente pensou em alternativas para amenizar a solidão deles, para que não ficassem deprimidos. Então, colocamos uma faixa no chão, em frente ao portão e, outra, dentro da casa. Os familiares podem conversar com seus idosos desde que mantendo essa distância segura, e do lado de fora.

Quando os parentes optam também por não sair de casa, os funcionários fazem chamadas de vídeo e os conectam com seus familiares.

"Se a gente vê alguém cabisbaixo, liga na hora. É curioso porque percebo que muitos não estão com medo da doença, mas, sim, preocupados com os familiares. Eles têm a sensação de estarem protegidos lá dentro, mas sentem a família vulnerável aqui fora", observa Marcella.

Estado não tem controle sobre óbitos em asilos públicos

A Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo informa que, até o momento, nos 564 equipamentos na rede de assistência social aos idosos, que acolhem 18.203 pessoas e mantém 12.831 funcionários, não houve nenhum caso confirmado para covid-19.

No entanto, segundo a própria secretaria os dados são imprecisos, uma vez que casas de repouso, por não serem unidades de saúde, não são obrigadas a notificar casos de covid-19 ou qualquer outra doença. Os casos confirmados são notificados pelo hospital ou pelo laboratório que realizou os testes, e não há uma relação entre esses números e as casas de repouso propriamente ditas.

Funcionários do estado com suspeita de covid-19 são mandados para casa em isolamento, e, nos casos suspeitos entre os acolhidos, o paciente é isolado na própria casa de repouso, segundo o governo.

O Ministério da Cidadania publicou ontem no Diário Oficial da União uma portaria com orientações para serviços de acolhimento de idosos e pessoas com deficiência durante a pandemia do coronavírus.

Na portaria, o ministério recomenda que idosos sejam acolhidos em quartos de hotéis para evitar aglomerações e risco de contaminação em asilos. Segundo o texto, a utilização dos hotéis depende de acordos entre governos locais e empresários.

"Mistura de medo e ansiedade"

Só no Lar Betel, unidade em Piracicaba, oito pessoas morreram por covid-19. No interior se tem notícia de 20 mortes em casas de idosos. Na capital, a corrida contra o tempo não tem sido diferente: quem não se antecipou está sofrendo com o desespero de pacientes e familiares.

É o caso da enfermeira Luísa, de 50 anos, que pede para não ter o nome completo divulgado. Ela conta ao UOL que, na casa de repouso particular em que trabalha, na zona sul da capital, já são cinco infectados entre os 50 moradores da unidade. A primeira paciente a ser diagnosticada com covid-19 foi a mulher de 92 anos de quem Luísa cuida.

"Eu tenho contato direto com ela, fico sempre muito perto. Quando começaram os primeiros sintomas, eu que a acompanhei até o hospital e fiquei lá até o diagnóstico. Deu positivo. Ela ficou internada por dez dias, e eu, dez dias em casa, com uma das piores sensações que já tive. Uma mistura de medo e ansiedade. Não fui testada, então não sabia se tinha ou não", diz Luísa.

Assim que a paciente teve alta, Luísa recebeu a ordem de que voltasse para o trabalho -mesmo sem ter sido testada. Dos familiares da idosa, ouviu que não deveria informar ao espaço que a paciente havia sido diagnosticada com covid-19. Ignorou.

"Na clínica, trato diretamente com outros idosos além dela. Lá, não tem EPIs suficientes: só máscara de descarte rápido e capa de chuva, para que usemos no lugar do capote. Eu comprei, com meu dinheiro, a máscara n95, álcool em gel e luva. Não posso arriscar".

Segundo Luísa, o clima dentro da casa de repouso em que trabalha é de pressão, desespero e tristeza -tanto por parte dos funcionários como dos próprios pacientes. As visitas foram proibidas, por ora, então os poucos idosos que ainda encontravam os parentes não os veem mais. "Alguns já começaram a ficar deprimidos de tanta solidão."

Casa de repouso reduz salários

O mesmo acontece na casa de repouso Asilo Cidade dos Velhinhos Santa Luiza de Marilac, mantida pela ONG Filhas da Caridade de São Vicente de São Paulo, em Itaquera, na zona leste de São Paulo. Nele, há quatro pavilhões com 59 idosos. A irmã Agda, diretora, explica que a casa perdeu alguns funcionários para os hospitais de campanha construídos na cidade -outros saíram porque a casa precisou reduzir o salário dos profissionais em 25%, além de a carga horária ter sido reduzida em 20%.

"A gente também sobrevive de doações, e elas caíram muito com o coronavírus. Apesar de a clínica ser particular, o valor pago pelos idosos é menor que um salário mínimo, portanto insuficiente para bancar os custos", diz.

Agda conta que condutores escolares da região que estão sem trabalho começaram a ajudar com a parte da cozinha e de limpeza. "Eles nos ajudam a cortar legumes, preparar refeições, fazer compras... Têm ajudado muito. Ainda assim, precisamos de EPI, máscara, álcool em gel", conta. Na instituição, as visitas também foram proibidas.

Segundo o estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE) feito pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo), o número de idosos que residem nas instituições credenciadas pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é de, aproximadamente, 80.000. Ainda assim, o total de idosos que vivem nesse tipo de moradia, incluindo públicas, filantrópicas e particulares, pode chegar a 300.000 pessoas.