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Sob Teich, Brasil reduz compra de respirador e EPI e investe 10 vezes menos

O ministro da Saúde, Nelson Teich - Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo
O ministro da Saúde, Nelson Teich Imagem: Edu Andrade/Fatopress/Estadão Conteúdo

Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio

14/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Após Mandetta, Ministério da Saúde reduz investimento em respiradores e EPIs
  • A gestão Nelson Teich investiu dez vezes menos do que o antecessor
  • O plano da equipe de Mandetta era continuar a fechar contratos para abastecer estados e municípios
  • Há atraso no recebimento de respiradores já comprados de acordo com o cronograma previsto em contratos
  • O Ministério da Saúde diz que a responsabilidade pelas compras é dos estados

Após a troca do comando do Ministério da Saúde, o governo federal reduziu o ritmo de compras de respiradores, EPIs (equipamentos de proteção individual) e outros itens para combate ao coronavírus apesar de a necessidade de leitos e insumos que garantem condição de trabalho para profissionais de saúde em hospitais do país não ter diminuído.

A gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, foi responsável por 91% do investimento feito diretamente pela pasta no enfrentamento à epidemia. Já a administração de Teich fechou apenas quatro contratos em 27 dias —o atual ministro gastou 9% do total usado contra o coronavírus, ou seja, dez vezes a menos do que o anterior em equipamentos para combate do surto.

Embora Mandetta tenha permanecido à frente da pasta por mais tempo do que a gestão Teich, levantamento feito pelo UOL em todos os contratos relativos ao combate do coronavírus indica queda na eficiência dos gastos em meio à pandemia.

No total, foi investido R$ 1,747 bilhão em equipamentos e serviços de forma direta pela pasta, com dispensa de licitação autorizada legalmente para o combate da epidemia. Há outra fatia do investimento que foi realizada por meio de repasses aos estados e municípios, que são os responsáveis pela execução de despesas em sua rede de saúde.

A análise dos contratos deixa clara a queda do ritmo de investimentos após o dia 16 de abril, quando Bolsonaro optou pela demissão de Mandetta, substituído por Teich. Posteriormente, houve também a saída do segundo homem do Ministério da Saúde —João Gabbardo foi trocado pelo general Eduardo Pazuello, que cuida da logística no combate à pandemia.

Das compras executadas pela pasta, a gestão de Mandetta fechou um total de 39 contratos para aquisição de testes, ventiladores, EPIs, UTIs, entre outros itens. Considerando o início da epidemia no Brasil, no final de fevereiro, fez quase 5,6 contratações por semana. Já a administração de Teich realizou aproximadamente um contrato por semana.

Os respiradores —os itens mais caros das aquisições do Ministério da Saúde— são um dos principais gargalos no combate à covid-19. Na gestão de Mandetta, foram adquiridos 10,8 mil aparelhos em duas compras com empresas nacionais. Houve uma compra inicial de 15 mil ventiladores da China que foi cancelada porque o fornecedor não conseguiu produzir os aparelhos (esse contrato foi desconsiderado no levantamento).

Já na gestão de Teich houve uma nova compra de 3.300 ventiladores, fechada em 20 de abril logo depois de ele assumir. Além disso, o atual ministro fechou um contrato com os laboratórios DASA para o fornecimento e realização de 3 milhões de testes para covid-19 de forma gratuita. Depois disso, fez nova aquisição de respiradores em 12 de maio, com mais 1.202 aparelhos.

O entendimento da equipe de Mandetta era de que ainda havia carências de equipamentos por todo o país quando houve a troca no ministério, segundo apurou o UOL. Portanto, a intenção do ex-ministro era continuar a realizar aquisições de respiradores e EPIs, caso tivessem continuado à frente da pasta. Isso dependeria também da disponibilidade dos itens no mercado internacional.

Além da lentidão para realizar compras, a atual gestão do Ministério da Saúde também tem demorado para receber de fornecedores e entregar os ventiladores aos estados e municípios. A pasta informou que até agora entregou 557 aparelhos. Nos contratos, há a previsão de que 7.400 dos respiradores sejam recebidos neste mês.

Na semana passada, o ministro esteve no Rio de Janeiro para entregar parte dos aparelhos, assim como equipamentos de proteção para profissionais de saúde, como máscaras, toucas, óculos e aventais. Todos foram comprados na gestão Mandetta que fechou a aquisição de 240 milhões de máscaras de uma empresa da China. Não há registros de compras de EPIs desde que Teich assumiu como ministro.

Até agora, o ministério informou ter entregado 83 milhões de EPIs, entre luvas, máscaras, toucas e óculos de proteção. No caso das máscaras, foram cerca de 30 milhões, isto é, menos de um oitavo do que foi comprado.

Desde que chegou ao cargo, o novo ministro anunciou a ampliação de acordos de aquisição de testes para coronavírus. O número final previsto é de 46 milhões, entre exames de RT-PCR e sorológicos. Mas os contratos não constam no site do Ministério da Saúde e não fica claro se os acordos foram fechados na sua gestão ou na anterior.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cumprimentam-se durante a cerimônia de posse do novo ministro da Saúde do Brasil, Nelson Teich, no Palácio do Planalto em Brasília - UESLEI MARCELINO/REUTERS - UESLEI MARCELINO/REUTERS
17.abr.2020 - Bolsonaro e Mandetta em cerimônia de posse de Nelson Teich
Imagem: UESLEI MARCELINO/REUTERS

Sistema de saúde continua com carências

Apesar da queda do ritmo de compras do Ministério da Saúde, o Brasil ainda tem deficiência de equipamentos para o combate ao coronavírus, segundo Francisco Braga, pesquisador da ENSP/Fiocruz e coordenador do Observatório de Política e Gestão Hospitalar. Para ele, as compras feitas nos primeiros meses da pandemia não esgotaram a necessidade de mais equipamentos conforme a doença avança no país, que já soma 188.974 casos confirmados e 13.149 mortes.

No Rio, há uma fila em torno de 1.200 pessoas esperando por vaga para internação ou para UTI. Há mortes evitáveis. É lamentável que pessoas morram tendo recebido cuidados porque a doença é agressiva. Outra coisa é morrerem por não receberem cuidados

Francisco Braga, pesquisador da ENSP/Fiocruz

Além do Rio, há falta de leitos para doentes graves no Ceará e no Amazonas, além de regiões de outros estados.

O pesquisador defendeu que o Brasil deveria focar na aquisição de leitos privados porque isso daria maior agilidade ao processo. Braga também entende que hospitais militares poderiam ser abertos ao atendimento da população.

"Um dos gargalos é a aquisição e recebimento dos respiradores. Mas há também falta de disponibilidade de profissionais de saúde para atuar nos leitos. Por isso, a utilização dos leitos privados se torna mais necessária."

Ministério usou menos da metade do dinheiro para combate ao coronavírus

Em artigo no site "Poder360", os economistas José Roberto Afonso e Élida Pinto apontaram a ineficiência da política de investimento do governo federal no combate ao coronavírus, inclusive na gestão de Mandetta. Segundo o artigo, que analisou os gastos federais contra a covid-19 ao final de abril, há demora nas compras e repasses aos estados e municípios.

"Os números do Orçamento da União escancaram uma tripla falta de prioridade: para o combate direto à pandemia, para a saúde pública e, sobretudo, para a federação. Neste último caso, é importante atentar que a execução da política pública de saúde é profundamente descentralizada, algo ímpar entre as funções de governo no país. Tanto é assim que, do ponto de vista da execução direta da despesa pública com assistência médico-hospitalar, a rede federal mal responde por 5% do gasto nacional. Ou seja, o governo federal é um grande financiador, mas um irrisório executor."

Segundo números atualizados do Ministério da Saúde, o crédito total para combate à covid-19 na área da saúde foi de R$ 23,7 bilhões. Desse total, R$ 11,5 bilhões já foram empenhados, isto é, têm destinação definida. Mas apenas R$ 6,2 bilhões foram efetivamente pagos.

Em documento desta semana, o ministério informou ter repassado R$ 5,3 bilhões aos estados e municípios para combate ao coronavírus. Esse dinheiro se soma ao R$ 1,6 bilhão de compras diretas feito pelo Ministério da Saúde.

Ou seja, perto do pico da pandemia, não gastou nem a metade dos recursos disponíveis para a epidemia.

O que diz o Ministério da Saúde

Por meio de nota, o Ministério da Saúde disse que a responsabilidade de aquisições de equipamentos é de estados e dos municípios, mas que vinha ajudando nessa tarefa.

"O Ministério da Saúde informa que tem apoiado os estados e municípios com a aquisição de equipamentos, materiais e insumos usados no combate ao coronavírus, como Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), respiradores e testes de diagnóstico. Estas aquisições eram de responsabilidade dos gestores locais, mas, devido à escassez mundial destes produtos no cenário de emergência em saúde pública por conta da pandemia do coronavírus, o Ministério da Saúde utilizou o seu poder de compra para fazer as aquisições em apoio aos estados e municípios."

A pasta afirma já ter distribuído 83 milhões de equipamentos e 557 respiradores, além de 6,9 milhões de testes. "A distribuição ocorre na medida em que há produção e entrega destes materiais ao Ministério da Saúde", ressaltou a pasta. E informou que já liberou R$ 11 bilhões em ações relacionadas ao coronavírus, incluindo os repasses aos estados.

O Ministério da Saúde ainda explicou que o total de respiradores adquiridos pela pasta foi de 15,3 mil. A pasta informou ter comprado das empresas Magnamed, Intermed, KTK e Leistung.

"O Ministério da Saúde também busca novos fornecedores para aquisição de respiradores no mercado internacional. O esforço brasileiro na aquisição destes itens envolve mais de 15 instituições entre fabricantes processadores, instituições financeiras e empresas de alta tecnologia, entre outras", disse a pasta.