Protocolo não obriga médicos a prescreverem cloroquina, dizem juristas
Resumo da notícia
- Protocolo não obriga médicos a receitar a cloroquina, dizem juristas ouvidos pelo UOL
- Medida é administrativa, mas coloca pressão sobre profissionais de Saúde, opinam
- Médicos poderão ser processados por não receitar o remédio ou por receitar e a droga causar a morte do paciente
- Termo de ciência e consentimento pode ser desconsiderado em processos judiciais
A publicação, pelo Ministério da Saúde, de um protocolo clínico que orienta o uso de cloroquina ou hidroxicloroquina, combinada com azitromicina, para casos leves de covid-19, não obriga médicos a prescrever a medicação. Porém, coloca sob pressão os profissionais de saúde, afirmam juristas ouvidos pelo UOL.
O uso do medicamento é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e foi o principal ponto de divergência com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que deixou o cargo na semana passada. O protocolo foi publicado ontem, num momento em que a pasta é comandada interinamente pelo general Eduardo Pazuello.
Segundo o professor Darlan Barroso, mestre em Direito e especialista em processo civil, o protocolo não gera "obrigação legal de uso do medicamento", pois a decisão de prescrever um remédio é do médico que cuida do paciente, que "tem a autoridade para decidir acerca do tratamento adequado e os riscos".
Para o professor Daniel Lamounier, mestre em Direito pela Universidade de Coimbra, "os médicos vão ficar na berlinda", apesar de poderem se recusar a prescrever o remédio. Na opinião do professor, o protocolo deixa o médico "pressionado", pois "se não usar a cloroquina e o paciente morrer, a família pode processá-lo e pode processar até o Estado."
O que são protocolos?
Protocolos clínicos são guias de sugestões de condutas técnicas. São "modelos" que servem para orientação dos profissionais de saúde em determinadas situações. Os protocolos são decorrentes de estudos científicos e experiências técnicas. No âmbito da medicina, especificamente, surgem estudos das próprias entidades e escolas médicas.
Não é o caso do protocolo brasileiro para uso de hidroxicloroquina e cloroquina, uma vez que não há evidência científica de que esses medicamentos sejam eficazes em pacientes diagnosticados com a covid-19. "Isso pode gerar insegurança jurídica", afirma Lamounier.
O uso do remédio, em doses altas, foi, inclusive, contraindicado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês, órgão equivalente ao Ministério da Saúde) no fim de abril. O FDA (a Anvisa americana) também contraindica a prescrição dessa droga.
Segundo o professor Barroso, o protocolo é apenas uma medida administrativa para facilitar a atuação do SUS na pandemia.
O fato de ter sido publicado apenas no site do Ministério da Saúde é outro elemento que tira peso jurídico do documento, segundo Lamounier. "Enquanto o protocolo não for publicado com a assinatura de um agente público, ele não vale", diz.
Consentimento pode ser desprezado pela Justiça
Junto com o protocolo que amplia as possibilidades de uso da hidroxicloroquina para pacientes com a covid-19, o Ministério da Saúde editou um modelo de termo de ciência e consentimento. O objetivo, segundo os juristas, é diminuir a possibilidade de responsabilização do Estado.
Entretanto, Lamounier observa que "o termo assinado poderá ser desprezado pelo Poder Judiciário, por causa da ausência de estudo científico e do grau de vulnerabilidade do paciente".
Esses termos são comuns quando a terapia incorre em risco de morte, pois o ideal é o médico obter o consentimento expressamente. "O médico possui o dever legal de comunicar o procedimento e os riscos de cada terapia. Consta, inclusive, no Código de Ética Médica", diz Lamounier.
Cloroquina não pode ser comprada sem receita
A cloroquina já é medicamento liberado no Brasil para tratamentos de outras doenças, como lúpus, mas é necessário apresentar a receita médica para a compra.
Mesmo sem estudos aprofundados sobre sua eficácia, o medicamento tem sido empregado associado a outros remédios, no tratamento da covid-19.
No Brasil, o CFM (Conselho Federal de Medicina), por meio da resolução 4/2020, já havia autorizado — com restrições — que os médicos receitem a substância caso entendam pertinente, em decisão que deve ser tomada em conjunto com o paciente.
Paciente deve ser alertado sobre os riscos
A resolução do CFM, lembra Barroso, não liberou os médicos a prescrever indiscriminadamente a cloroquina para pacientes diagnosticados com a covid-19. Apenas orienta esses profissionais a optar pelo tratamento com o consentimento do paciente e a alertá-lo em relação à inexistência de estudos conclusivos sobre sua eficácia diante do novo coronavírus.
São conhecidos os efeitos colaterais da cloroquina, especialmente para quem apresenta doenças do coração, uma vez que o remédio pode causar arritmia.
O protocolo e a deliberação do CFM não permitem que o paciente exija a prescrição da cloroquina. "A decisão é tomada em conjunto pelo médico e o paciente ou seus familiares", pontua Barroso.
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