Protocolo do governo sugere cloroquina em casos leves
O Ministério da Saúde divulgou hoje um protocolo para aplicação da cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes em todos os casos, inclusive os com sintomas leves, para tratar do novo coronavírus. O protocolo, que sugere a combinação dos dois medicamentos com azitromicina, é uma orientação para a rede pública de saúde.
O uso do medicamento é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e foi o principal ponto de divergência com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que deixou o cargo na semana passada. O protocolo foi publicado no momento em que o ministério é comandado interinamente pelo general Eduardo Pazuello.
Pela manhã, o presidente voltou a defender o uso do medicamento: "Ainda não existe comprovação científica, mas sendo monitorada e usada no Brasil e no mundo. Contudo, estamos em Guerra: 'Pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado'".
O protocolo, segundo o colunista Diogo Schelp, ampara-se em um parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM), que reconhece a ausência de evidências de sua eficácia e admite que a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas só recomenda o uso desses remédios em ensaios clínicos, ou seja, para fins de pesquisa.
"O Ministério da Saúde encontrou uma brecha legal para conseguir justificar uma decisão política. Essa brecha legal é o precedente que o Conselho Federal de Medicina abriu por um posicionamento igualmente político, sustentado em embasamentos científicos muito fracos", diz o infectologista Alexandre Naime Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia e um dos pesquisadores encarregados de um estudo clínico que está sendo feito em nível nacional, com 1.300 pacientes, para avaliar o uso da hidroxicloroquina para prevenção de hospitalização e complicações respiratórias em pacientes ambulatoriais com covid-19 leve.
Na prática, médicos podem continuar atendendo sem obrigatoriamente seguir o protocolo. Segundo o infectologista e pesquisador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e do Imip (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira) Lula Arraes, o médico segue sendo autônomo em suas decisões de receitar ou não. "O protocolo é uma guia do órgão máximo da saúde, mas não é obrigatório a ser seguido. Tem hospital que não usa mais a cloroquina."
Pesquisas não comprovam a eficiência da droga, sociedades médicas do Brasil recomendam não usar a droga e até a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) reforçou ontem que desaconselha seu uso.
Hoje, após a decisão do governo brasileiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou que, "nesse momento, a cloroquina e a hidroxicloroquina não foram identificadas como eficazes para o tratamento da covid-19", mas que que "cada nação é soberana" para "aconselhar seus cidadãos sobre qualquer tipo de medicamento".
Termo de consentimento
Segundo o protocolo, "a prescrição de todo e qualquer medicamento é prerrogativa do médico". Médicos da rede pública temem pressão pelo uso da cloroquina.
O texto também diz que o paciente vai ter que assinar o termo de consentimento a respeito da aplicação de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento.
O termo indica que "a cloroquina e a hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais", citando disfunção cardíaca e alterações visuais, por exemplo.
Os dois remédios têm formulações diferentes, mas que levam a mesma substância, a cloroquina. Os benefícios clínicos são parecidos, mas os efeitos adversos não. A hidroxicloroquina é considerada um pouco mais segura, com menos efeitos colaterais.
O termo de consentimento salienta que "não há, até o momento, estudos demonstrando melhora clínica dos pacientes com covid-19 quando tratados com hidroxicloroquina".
Sintomas leves e protocolo
Entre os sintomas leves listados pelo governo, estão coriza, diarreia, dor abdominal, febre, tosse, entre outros.
A aplicação indicada da cloroquina é de 450 miligramas a cada doze horas no primeiro dia. A mesma quantidade poderá ser usada a cada 24 horas do segundo ao quinto dia de tratamento.
O medicamento deverá ser usado junto com a azitromicina, com uma dose de 500 miligramas, uma vez ao dia, por cinco dias. Nos casos leves, não está prevista a internação do paciente.
Outra possibilidade de tratamento para sintomas leves indicada pelo protocolo é combinar a azitromicina com sulfato de hidroxicloroquina. A dose seria aplicada nos mesmos períodos da cloroquina, mas em uma quantidade menor, de 400 miligramas.
O protocolo também aponta o mesmo uso desses medicamentos para sintomas moderados, como tosse e febre persistentes.
Ministério quer evitar "autoprescrição"
Para a pasta, a "autoprescrição" de medicamentos "pode resultar em prejuízos a saúde e/ou redução da oferta para pessoas com indicação precisa para o seu uso".
A cloroquina é um remédio usado para o tratamento de doenças como lúpus e malária. Alguns pacientes com lúpus temiam a falta do medicamento em razão de uma corrida em busca do medicamento.
O ministério indica que o protocolo foi feito "considerando a existência de diversos estudos e a larga experiência do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina" no tratamento dessas doenças. E diz que "não existe, até o momento, outro tratamento eficaz disponível para a covid-19".
No texto, o Ministério da Saúde diz que, "até o momento, não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica para a covid-19".
O protocolo diz que "existem muitos medicamentos em teste, com muitos resultados sendo divulgados diariamente". "E vários destes medicamentos têm sido promissores em testes de laboratório e por observação clínica, mesmo com ainda muitos ensaios clínicos em análise".
"Contramão"
O protocolo seria uma "medida imposta na contramão das evidências científicas", avalia o médico Evaldo Stanislau, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia. "Temos evidências que demonstram que não só não há benefício como há risco", avalia.
"Não dá para gente usar essa droga agora. Não tem base científica. As sociedades brasileiras, todos os grandes e respeitados institutos científicos, com metodologia e baseados em estudos, evidenciaram que a hidroxicloroquina não traz benefício, mas risco", comenta Stanislau.
*Colaborou Carlos Madeiro, em Maceió (AL)
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.