Protocolo para cloroquina é político, populista e ditatorial, dizem médicos
A decisão do governo federal de publicar um protocolo para uso da cloroquina e hidroxicloroquina para todos os pacientes com covid-19, inclusive com sintomas leves, é uma medida populista, política e ditatorial, afirmam médicos consultados pelo UOL.
O protocolo divulgado hoje pelo Ministério da Saúde aconselha o uso dos dois medicamentos pela rede pública de saúde. A recomendação das drogas, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi a principal razão para o pedido de demissão do ex-ministro da Saúde Nelson Teich na semana passada.
"É espantoso ver a política interferir em uma decisão técnica sem consultar as sociedades médicas, que entendem do assunto e pensam diferente", diz o infectologista Renato Grinbaum, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "Essa decisão foi feita sem critérios técnicos; por pessoas que não entendem do assunto."
É uma posição de altíssimo risco tomada por quem faz política com a saúde. A medida tem objetivo político e não o bem-estar dos doentes. Se quisessem o bem-estar das pessoas, as sociedades médicas teriam sido consultadas
Renato Grinbaum, infectologista
Já o diretor científico da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), José Antônio Baddini, afirma que "existe uma politização do uso dessa droga" que, em sua visão pessoal e não da entidade, se assemelha ao populismo.
"O que a gente precisa é de isolamento social, leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva], respiradores de qualidade e profissionais treinados para dar o melhor atendimento aos pacientes. A cloroquina não pode ser vendida como a panaceia", afirma.
Diretor da Sociedade Paulista de Infectologia, o médico Evaldo Stanislau diz que a medida parece "imposta". "É uma medida ditatorial, de força, que acalenta o pensamento mágico de uma parcela de médicos não afeita à metodologia científica", afirma.
Baddini afirma que essa medicação deveria ser usada "exclusivamente em pacientes graves e em ambiente hospitalar", diz.
"A droga deve ser avaliada pelo médico caso a caso, e se ele achar que os benefícios suplantam os riscos, deve usar."
A responsabilidade é do doente?
O governo também preparou um termo de consentimento que o paciente terá de assinar para receber os compostos no tratamento. O termo admite que "a cloroquina e a hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais", citando disfunção cardíaca e alterações na visão, por exemplo.
"Com esse termo a responsabilidade fica sendo do doente?", questiona Baddini. "Significa que se ele tiver problema não deve dizer que o Ministério da Saúde cometeu um erro porque ele sabia que estava ocorrendo risco. Mas o paciente não estava embasado em conhecimento, mas na esperança que foi criada."
Para Grinbaum, da SBI, o governo usa o termo para tirar de si a responsabilidade sobre o protocolo publicado hoje. "Se eles tivessem certeza de que a medida é segura, esse termo não seria necessário", diz.
Ele acredita, no entanto, que o documento "não livra o governo nem o médico de responsabilidades". "O médico tem a liberdade de prescrever ou não. Ele não é obrigado mesmo que o paciente peça. É o especialista quem sabe o que pode ser bom para o bem-estar do doente."
Mesma dosagem para todo os casos
O documento recomenda quase que as mesmas doses do remédio para casos leves, moderados e graves. Para Grinbaum, "a dosagem é o de menos porque ninguém sabe qual é a dose eficaz".
Baddini diz que o assunto ainda está "no campo das opiniões". "A verdade é que não sabemos qual deve ser a dose porque não há pesquisa científica suficiente para isso."
Ele chama a atenção para o fato de o protocolo do governo recomendar o uso das vitaminas D e Zinco. "Também não há evidência de que elas sejam boas ou ruins contra a covid-19."
*Colaboração Nathan Lopes
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.