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Protocolo para cloroquina é político, populista e ditatorial, dizem médicos

Wanderley Preite Sobrinho*

Do UOL, em São Paulo

20/05/2020 13h09

A decisão do governo federal de publicar um protocolo para uso da cloroquina e hidroxicloroquina para todos os pacientes com covid-19, inclusive com sintomas leves, é uma medida populista, política e ditatorial, afirmam médicos consultados pelo UOL.

O protocolo divulgado hoje pelo Ministério da Saúde aconselha o uso dos dois medicamentos pela rede pública de saúde. A recomendação das drogas, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi a principal razão para o pedido de demissão do ex-ministro da Saúde Nelson Teich na semana passada.

"É espantoso ver a política interferir em uma decisão técnica sem consultar as sociedades médicas, que entendem do assunto e pensam diferente", diz o infectologista Renato Grinbaum, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "Essa decisão foi feita sem critérios técnicos; por pessoas que não entendem do assunto."

É uma posição de altíssimo risco tomada por quem faz política com a saúde. A medida tem objetivo político e não o bem-estar dos doentes. Se quisessem o bem-estar das pessoas, as sociedades médicas teriam sido consultadas
Renato Grinbaum, infectologista

Já o diretor científico da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), José Antônio Baddini, afirma que "existe uma politização do uso dessa droga" que, em sua visão pessoal e não da entidade, se assemelha ao populismo.

"O que a gente precisa é de isolamento social, leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva], respiradores de qualidade e profissionais treinados para dar o melhor atendimento aos pacientes. A cloroquina não pode ser vendida como a panaceia", afirma.

Diretor da Sociedade Paulista de Infectologia, o médico Evaldo Stanislau diz que a medida parece "imposta". "É uma medida ditatorial, de força, que acalenta o pensamento mágico de uma parcela de médicos não afeita à metodologia científica", afirma.

Baddini afirma que essa medicação deveria ser usada "exclusivamente em pacientes graves e em ambiente hospitalar", diz.

"A droga deve ser avaliada pelo médico caso a caso, e se ele achar que os benefícios suplantam os riscos, deve usar."

A responsabilidade é do doente?

O governo também preparou um termo de consentimento que o paciente terá de assinar para receber os compostos no tratamento. O termo admite que "a cloroquina e a hidroxicloroquina podem causar efeitos colaterais", citando disfunção cardíaca e alterações na visão, por exemplo.

"Com esse termo a responsabilidade fica sendo do doente?", questiona Baddini. "Significa que se ele tiver problema não deve dizer que o Ministério da Saúde cometeu um erro porque ele sabia que estava ocorrendo risco. Mas o paciente não estava embasado em conhecimento, mas na esperança que foi criada."

Para Grinbaum, da SBI, o governo usa o termo para tirar de si a responsabilidade sobre o protocolo publicado hoje. "Se eles tivessem certeza de que a medida é segura, esse termo não seria necessário", diz.

Ele acredita, no entanto, que o documento "não livra o governo nem o médico de responsabilidades". "O médico tem a liberdade de prescrever ou não. Ele não é obrigado mesmo que o paciente peça. É o especialista quem sabe o que pode ser bom para o bem-estar do doente."

Mesma dosagem para todo os casos

O documento recomenda quase que as mesmas doses do remédio para casos leves, moderados e graves. Para Grinbaum, "a dosagem é o de menos porque ninguém sabe qual é a dose eficaz".

Baddini diz que o assunto ainda está "no campo das opiniões". "A verdade é que não sabemos qual deve ser a dose porque não há pesquisa científica suficiente para isso."

Ele chama a atenção para o fato de o protocolo do governo recomendar o uso das vitaminas D e Zinco. "Também não há evidência de que elas sejam boas ou ruins contra a covid-19."

*Colaboração Nathan Lopes