20 bairros com mais mortes por covid-19 estão nos extremos de São Paulo
Resumo da notícia
- Regiões periféricas da cidade tiveram ao menos 2.564 moradores mortos com confirmação ou suspeita de síndrome respiratória
- Em toda a capital, número de óbitos suspeitos ou confirmados chegou a 6.505
- Dos 20 distritos, só 5 não estão nas bordas: Itaquera, Freguesia do Ó, Cidade Dutra, Pirituba e Cangaíba
- Brasilândia, na zona norte, é o bairro onde há mais óbitos registrados (185)
- No Campo Limpo, zona sul, mortes passaram de 10 para 71 em pouco mais de um mês
- Distanciamento social é difícil de ser obtido nas áreas mais extremas, dizem especialistas
Todos os 20 bairros onde mais pessoas morreram por covid-19 na cidade de São Paulo estão nas regiões periféricas da capital. Até quinta-feira (20), 2.564 moradores desses bairros morreram de síndrome respiratória, com suspeita ou confirmação do novo coronavírus. A cidade inteira soma 6.505 óbitos suspeitos ou confirmados, de acordo com os dados mais recentes divulgados pela prefeitura, na quinta-feira (21).
Desses 20 distritos, apenas 5 não estão nas bordas da cidade: Itaquera, Freguesia do Ó, Cidade Dutra, Pirituba e Cangaíba.
A Brasilândia, na zona norte, é o bairro onde há mais óbitos registrados: 185, sendo 29 deles nos últimos seis dias. São quase seis mortos por dia. Em Sapopemba, na zona leste, já são 179 casos fatais, 27 na última semana.
"A doença tem se mostrado dez vezes mais letal na periferia de São Paulo", disse ao UOL o prefeito da capital, Bruno Covas (PSDB), na quinta-feira (21).
O tucano afirmou que, apesar de a covid-19 ter começado na classe alta, que trouxe o vírus de viagens para a Europa, hoje a doença é muito mais presente entre os mais pobres, tanto em termos de mortes quanto de infecções.
"O problema é que temos uma questão histórica na periferia. A região, ao longo de décadas, foi esquecida pelo poder público, é lá que temos problemas sociais muito grandes. Essas regiões, também por ter dificuldade maior no processo de isolamento social, acabaram sendo mais atingidas com a contaminação e óbitos", afirmou o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, em entrevista ao UOL na terça-feira (19).
'Do jeito que está, a epidemia não vai diminuir'
No Campo Limpo, na zona sul, as mortes por síndrome respiratória cresceram 610% de 17 de abril até 20 de maio. O percentual é o maior da cidade — nesse período, o distrito viu o número de vítimas saltar de 10 para 71.
Atendente de uma farmácia no bairro, o jovem Luís Cortez, 19, foi duas vezes ao Hospital Municipal do Campo Limpo suspeitando que estava com covid-19. Como seus sintomas eram leves, ele não chegou a ser testado.
No fim da tarde de quarta-feira (20), ele voltou ao hospital, localizado a poucas quadras de sua casa. Desta vez para acompanhar a namorada, com febre e falta de ar. A mãe, em casa, também está com sintomas de covid-19.
Luís andava em círculos na calçada do hospital. Não se afastava de uma sala montada dentro de uma estrutura metálica, onde se lê "síndromes respiratórias" na faixa acima da porta de entrada. É para lá que a recepção do hospital encaminha casos suspeitos de covid-19, separando esses pacientes do restante do hospital
Uma lona transparente separa a rua da espera do atendimento a esses pacientes. Na noite de quarta, enquanto a reportagem esteve no local, não havia mais do que quatro pessoas esperando ao mesmo tempo pelo atendimento, sentadas em cadeiras de plástico. Nas calçadas, apoiados em muretas ou em pé, familiares aguardavam notícias de quem já tinha entrado. Todos usavam máscaras, cobrindo nariz e boca.
Luís esticava o pescoço tentando enxergar alguma coisa e só desviava o olhar da sala de atendimento para checar o celular. Ele conta que, na farmácia onde trabalha, outras duas colegas foram afastadas por suspeita de covid-19. "Do jeito que está, uma hora libera carro, outra hora não, não vai diminuir [a contaminação]", ele opina sobre a quarentena.
"As informações sobre o coronavírus não foram bem passadas. O governo só falou 'fica em casa', foi ditatorial. Muitas pessoas querem entender, muita gente chega na farmácia perguntando onde fazer teste, chega com sintoma perguntando onde pode passar", diz o jovem.
'Não tenho condição de comprar nenhuma máscara'
A poucos metros de Luís, Catiana de Paula, 34, aguardava por notícias do irmão, que ela acompanhava desde as 7h. Já eram quase 18h quando ela acenou para ele de longe, enquanto o via na sala de espera, já com um acesso para medicação e exames no braço.
Catiana mora com seus seis filhos e com a família do irmão, que por sua vez tem cinco filhos, em uma mesma casa no Jardim dos Reis. Ela conta que recebe Bolsa Família, mas foi bloqueada do benefício há um mês, pois uma filha não ia à escola. Também não está conseguindo o auxílio de R$ 600 do governo federal para o coronavírus: "Diz que tem que colocar um cartão virtual, não sei, a gente não entende muito disso".
"Essa máscara aqui foi doada", diz a mulher, em referência ao acessório feito com tecido cor-de-rosa, estampado com desenhos infantis. "Não tenho condição de comprar nenhuma com o tanto de filho que tenho", completa.
O irmão, conta a mulher, está passando mal desde domingo, com tosse, dor de cabeça, desconforto e diarreia. "Ele começou a desmaiar do nada. Hoje de manhã, desmaiou no banheiro e viemos aqui. Disseram que podia ser isso [covid-19] e que vão fazer exame."
'Tempestade perfeita'
Evaldo Stanislau, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia, descreve o avanço e a letalidade maior do coronavírus nas periferias como "uma tempestade perfeita".
"O distanciamento social é difícil de ser obtido nessas áreas mais extremas, pelas condições de moradia e falta de amparo social e financeiro. Muitos estão na economia informal, perderam a renda e, de alguma maneira, precisam sair de casa. E a condição das moradias, muito propícias à contaminação. Geralmente são moradias subnormais, como cortiços, onde há aglomeração. Somado à falta de assistência — os hospitais são pior equipados — tudo isso impacta o resultado final, que é mais infecções e mais mortes", diz o médico.
Stanislau conversou com o UOL, por telefone, enquanto estava preso em um engarrafamento na quarta-feira, primeiro dia do feriadão decretado pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) para tentar conter, no que chamou de "última cartada", a contaminação do novo coronavírus na capital.
O isolamento na capital, na quarta-feira (20), foi de 51%, dois pontos percentuais acima do que a véspera e quatro abaixo dos 55% esperados pela prefeitura.
Nas ruas, o fluxo de veículos estava longe do esperado para um feriado. Nas vias por onde passou, a reportagem viu centenas de lojas com portas fechadas e, em alguns casos, faixas avisando que ainda estavam atendendo a pedidos por telefone. Pizzarias, padarias, redes de fast food e supermercados estavam abertos, embora tivessem poucos clientes.
Em um cruzamento da avenida Rebouças, em Pinheiros, onde há uma farmácia e um posto de gasolina, uma tenda anunciava a disponibilidade de testes rápidos de covid-19. Em outra esquina, em Interlagos, um homem abordava motoristas do lado de fora do muro do autódromo pedindo trocados com um bebê nos braços, ambos de máscara.
O motorista que atende a reportagem por um aplicativo de transporte conta que mora no Grajaú e, em sua vizinhança, a vida segue com churrascos, reuniões e gente na rua. Ele relata que já perdeu um vizinho, taxista, por covid-19. "O que mudou é que o povo começou a ir para o bar de máscara", ele diz, ironizando a situação.
'Não há informações claras'
Até quarta-feira, 149 moradores do Grajaú, no extremo sul da capital, tinham morrido por covid-19. O número é pelo menos quatro vezes maior do que as 33 vítimas do bairro até 17 de abril.
Mãe e avó, Maria Luzia, a "Cida", 50, mora no bairro há 37 anos. Ela relata que os vizinhos, neste momento, estão se conscientizando mais do que no início da pandemia, mas ainda não é o bastante.
"Por mais que eu diga que esse essa doença começou lá na elite, ela agora está começando a ganhar rosto, nome, endereço e CPF. Tem colocado mais medo nas pessoas. Perdi uma vizinha de 30 anos. Tenho outro vizinho que está em estado grave, isso só aqui na minha rua", diz Maria Luiza.
Para ela, brigas entre políticos têm confundido as pessoas, principalmente na periferia. Ela se refere ao governador do estado, João Doria, ao prefeito de São Paulo, Bruno Covas, e ao presidente da República, Jair Bolsonaro.
Na noite de quarta (20), 21 pessoas, entre pacientes e acompanhantes, aguardavam atendimento na ala destinada a pacientes com sintomas respiratórios no Hospital Geral do Grajaú. Uma delas era Edilaine Figueiredo, moradora do Parque Residencial Cocaia, às margens da Represa Billings.
Edilaine aguardava notícias do marido, Jonas, que segundo ela recebia suplementação de oxigênio. "Eles só deixam para internar quem está morrendo", ela conta. Os dois correram para o hospital na manhã de quarta, quando o esposo, com sintomas desde sábado, começou a sentir muita falta de ar. O trajeto de carro até o hospital, diz, foi desesperador.
"O Hospital Geral do Grajaú conta com uma entrada específica para pessoas com sintomas respiratórios, visando a prevenção coletiva. Possui também 50 leitos para casos de covid-19, somando 10 de UTI e 40 de enfermaria. Na UTI, a ocupação é de 100% e 75% na enfermaria (28). Cabe pontuar que essa ocupação é dinâmica e varia no decorrer do dia, à medida que ocorrem altas, por exemplo", respondeu a Secretaria de Estado da Saúde ao UOL, na quinta (21).
Edilaine trabalha fazendo a limpeza de um prédio e não parou de dar expediente durante a quarentena. Jonas, o marido, trabalha na construção civil, também não parou. Ambos usam o transporte público para chegar a seus empregos. "Nós dois cuidamos direitinho, usamos máscara, álcool em gel no metrô, mas mesmo assim não adiantou", conta. A vida em Cocaia, segundo ela, também segue com churrascos, festas e reuniões na ruas. "O povo não entende", desabafa.
'Às vezes, o risco é maior em casa'
"Muitas vezes falam da gente [da periferia] sem entender o que acontece aqui. Claro, tem muita gente negligente, que não usa máscara, não se higieniza. Ouvir pessoas ignorantes neste momento é errado. O importante é se cuidar, ter uma higiene, para que a gente possa passar por situação", diz Ana Paula Nascimento, 47, moradora de Cidade Tiradentes.
Microempreendedora social, Ana Paula acredita que ficar em casa pode não ser a melhor opção, principalmente para quem mora em pequenas casas ou conjuntos habitacionais e precisa levantar sustento para dentro de casa.
"Muitas pessoas aqui na comunidade estão em situação de vulnerabilidade em seus lares, elas têm os 'barracos', mas não possuem o mínimo de infraestrutura dentro de casa. Elas vivem aglutinadas em um mesmo espaço. Às vezes, o risco pode estar mais dentro de casa do que fora. A aglomeração de pessoas existe há anos, e não é exclusividade só daqui de Cidade Tiradentes", relata.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.