Aposta na cloroquina para todos é desnecessária e traz riscos, diz Gabbardo
O uso da cloroquina no combate ao novo coronavírus, uma aposta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seus apoiadores, oferece riscos à saúde dos pacientes em meio à pandemia do novo coronavírus, afirmou o médico João Gabbardo dos Reis, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde e atualmente chefe do centro de combate à covid-19 em São Paulo.
No UOL Entrevista de hoje, Gabbardo lembrou que há diversos estudos que afirmam que, apesar de possíveis benefícios, a substância oferece efeitos colaterais que nem todos os pacientes podem arcar durante uma pandemia. A conversa foi conduzida pelos colunistas Carla Araújo e Josias de Souza, do UOL.
"Havia trabalhos que mostravam que [a cloroquina] poderia ter algum benefício. Esses trabalhos diziam que os efeitos colaterais precisavam ser monitorados, eram frequentes, [como] arritmia cardíaca, e só poderia ser [administrada] dentro de hospital por monitoramento", afirmou Gabbardo.
Segundo o médico, o risco do medicamento no combate à covid-19 — e mesmo em doenças como a malária — é justamente a possibilidade de reações adversas. Por isso, o ex-número dois do Ministério da Saúde na gestão de Luiz Henrique Mandetta acredita ser "desnecessário" recomendar o remédio para todos os pacientes.
Mesmo para pacientes que usam para malária, a cloroquina apresenta efeitos colaterais. Com dose maior (do que a usada contra a malária), os efeitos colaterais aumentam na mesma proporção — por isso o risco de usar medicamento para uma doença que 80% das pessoas não vão ter sintomas ou vão sintomas leves. Usar medicamento para todos é desnecessário e oferece risco para a população que não precisaria tomar esse medicamento.
"Qualquer gripe seria tomar cloroquina, imagina. Isso pode ter um número muito grande de efeitos colaterais. Avaliamos que não era favorável se usassem de forma ambulatorial. Sei que isso está mudando, o ministério vai mudar os protocolos para que as pessoas tomem nos primeiros sintomas. Temos que respeitar, e cabe ao médico a decisão de usar o medicamento e falar com paciente. Se tiver consenso dos dois, ele tem base legal para sua prescrição. Não sera ilegal o uso do medicamento nessas condições", lembrou.
Produção de respiradores
Questionado sobre a disponibilidade de respiradores no país, Gabbardo explicou que o Ministério da Saúde deve receber 15 mil unidades até o final de julho, produzidas nacionalmente. Segundo o médico, esses aparelhos serão muito úteis porque não são "fixos", isto é, podem ser remanejados de acordo com a necessidade de determinado estado ou município.
"Não é doação para o estado ou município, vai ficar temporariamente naquele local. Se tiver aumento de casos em outro local, poderíamos remanejar os equipamentos. [A realocação] Pode ser feita dentro do próprio estado ou até para outro estado, porque vamos ter curvas de contágio diferentes", exemplificou.
Para Gabbardo, "é quase certo" que o norte do Brasil vá ser atingido pela pandemia de forma mais intensa que o sul, citando o que aconteceu na Itália como exemplo. "Nem todos os países tiveram uma distribuição de casos uniforme. No sul da Itália não teve quase nada, e lá é mais pobre, poderia haver maior volume de transmissão, mas não aconteceu. Quem sabe isso não possa acontecer no Brasil e nós não tenhamos a mesma evolução [da Itália] no sul?", completou.
Participaram dessa cobertura Anaís Motta, Emanuel Colombari, Flavio Costa, Gustavo Setti e Talyta Vespa (redação) e ainda Diego Henrique de Carvalho (produção)
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