Importância da 2ª dose das vacinas precisa ser reforçada, dizem médicos
Com o Brasil na expectativa de começar a vacinação contra a covid-19 no primeiro trimestre do ano que vem, a comunidade médica reforça que um dos principais focos das campanhas de imunização precisa ser a comunicação. E a mensagem deve necessariamente ressaltar a importância de se tomar as duas doses —principalmente não esquecer a segunda.
"As vacinas têm que ser feitas em duas doses para dar a proteção. Quando a gente fala em eficácia, é eficácia em duas doses", diz a médica Mônica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários Vacinais da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações). "Com uma dose, você não vai ter esse benefício da proteção."
"Pelo que a gente sabe, com uma dose, podemos até conseguir alguma proteção, mas ela não vai conferir a proteção completa", complementa a médica epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Sabin Vaccine Institute, uma organização nos Estados Unidos que incentiva a imunização pelo mundo.
Como são as vacinas?
Entre as quatro vacinas avaliadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), três precisam de duas doses (veja tabela abaixo).
Dessas, apenas uma, a da Pfizer, já teve autorização para ser aplicada no exterior. Caso uma pessoa receba apenas a primeira dose, a proteção é de 52,4%, de acordo com o FDA, a Anvisa dos Estados Unidos. Com a segunda, aplicada 21 dias, a proteção chega a 95%.
A CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan e pelo laboratório chinês Sinovac, e a de Oxford ainda não apresentaram os resultados dos testes da fase 3. A do Butantan deve apresentar seus resultados no dia 23 de dezembro. De dose única, a vacina da Johnson & Johnson também aguarda avanço nos estudos.
A expectativa é que as vacinas de Butantan, Pfizer e Oxford sejam as primeiras a ser utilizadas no país. No estado de São Paulo, que apresentou um planejamento com base na CoronaVac, a vacinação deve começar em 25 de janeiro. No plano federal, o Ministério da Saúde ainda não apresentou uma data de início.
O que acontece com uma dose só?
"Não é para tomar uma dose só e achar que está protegido", diz o infectologista Plinio Trabasso, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Nosso maior problema é as pessoas acharem que estão imunizadas com uma dose só
Plinio Trabasso, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
Caso a pessoa não tome a segunda dose após o prazo estabelecido é incerto quais podem ser os efeitos, mas médicos dizem que o processo não deve ser retomado do início. "Dose dada é dose computada no nosso sistema imunológico. Nunca se reinicia esquemas. É só complementar quando houver atraso", explica a médica da SBIm.
"Você não vai ficar completamente imunizado enquanto não fizer a dose que falta. O ônus é para a pessoa de não estar com a proteção instalada. Levi diz que reiniciar pela primeira dose porque se perdeu a data "é um mito".
Como quebrar crenças?
Para reforçar a importância da imunização, a comunicação é peça-chave, dizem os médicos. No PNI (Plano Nacional de Imunização), apresentado na última quarta-feira (16), o Ministério da Saúde dedica cinco páginas ao tema.
A pasta diz que, com ela, um dos objetivos é "quebrar crenças negativas contra a vacina", uma posição contrária à adotada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Bolsonaro já declarou que não irá tomar vacina contra a covid-19.
O ministério —que não atendeu ao pedido da reportagem para indicar um porta-voz sobre o tema— propõe duas fases da campanha de comunicação. Na primeira, informar sobre a produção dos imunizantes; depois, uma etapa com foco na vacinação em si. Sem entrar em detalhes, a pasta diz que esta etapa terá "atores e personagens regionais com credibilidade, colocando a informação na língua e sotaques culturais de cada região".
Médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, a infectologista Rosana Richtmann reforça que, para o esclarecimento da população sobre as vacinas, "tem que ser uma comunicação muito fácil, muita clara e envolvendo pessoas que saibam se comunicar com a população como um todo". "Não adianta eu pegar um ministro da Saúde, eu como especialista. Vou falar numa linguagem que talvez a população não vá compreender tão bem."
Richtmann ressalta a importância da comunicação por causa do movimento que busca desacreditar as vacinas. E lembra como "foi um estrago terrível até esclarecer" a interrupção temporária de testes da CoronaVac por causa do suicídio de um dos voluntários dos testes —fato que chegou a ser comemorado por Bolsonaro.
Quem vai se lembrar da segunda dose?
No plano, também consta um ponto fundamental, segundo os médicos. O alerta para que os brasileiros lembrem-se da segunda dose, o que deve acontecer por meio do aplicativo Conecte-SUS. Segundo o ministério, ele "trará o registro da vacina utilizada, doses ministradas, além de alerta da data para segunda dose, em caso de necessidade".
Garrett pontua que isso é muito importante por ser um plano que envolve várias vacinas diferentes. "Porque não vai ser possível você tomar a primeira dose de uma e a segunda de outra", diz. "Isso é complexo mesmo."
Responsável pelo plano paulista, a Secretaria de Saúde do estado de São Paulo indica, por meio de nota, que a responsabilidade pela vacinação deve ser de "cada indivíduo", mas que "tomará todas as medidas para o êxito da imunização contra covid-19". A pasta também não indicou um porta-voz para atender a reportagem.
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