Topo

Centenários se curam da covid-19 e chamam a atenção de médicos

Benedito dos Santos, de 104, com a equipe médica que acompanhou seu tratamento contra a covid-19 - Divulgação / Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas
Benedito dos Santos, de 104, com a equipe médica que acompanhou seu tratamento contra a covid-19 Imagem: Divulgação / Secretaria de Estado da Saúde de Alagoas

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

27/12/2020 04h00Atualizada em 29/12/2020 14h24

Aos 104 anos, o alagoano Benedito Correia dos Santos, morador do município de Marechal Deodoro (AL), região metropolitana de Maceió, passou neste ano por um dos momentos mais difíceis da vida: estar infectado pelo novo coronavírus e desenvolver a covid-19.

Com tosse persistente e cansaço, ele ficou internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no hospital da Mulher, referência em tratamento para doentes de covid-19, localizado em Maceió. Após 12 dias de internação, Benedito recebeu alta sob aplausos e músicas religiosas. Emocionado, ele agradeceu e atribuiu a recuperação a Deus. "Eu venci, graças a vocês e a Deus", disse.

Benedito é um dos exemplos de idosos centenários que foram infectados pelo novo coronavírus e se curaram no Brasil. No Nordeste, há casos recentes em pelo menos quatro estados, Alagoas, Bahia, Maranhão e Paraíba. A recuperação dos chamados "super idosos" tem chamado a atenção de médicos e pesquisadores.

Cientistas do Centro de Pesquisas do Genoma Humano e Células-Tronco da USP estão estudando um grupo de pessoas com mais de cem anos que conseguiram se curar da covid-19 e jovens que morreram em decorrência da doença, que já deixou quase 200 mil mortos no país. Os cientistas tentam descobrir a relação com um genoma em resposta à doença.

O Brasil tem 24 mil habitantes com mais de cem anos, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2018. O número corresponde a 0,012% da população brasileira, que é de 211,8 milhões de pessoas. A expectativa de vida do brasileiro é de 76 anos.

Estudo do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano apontou que pacientes com mais de 65 anos desenvolveram sintomas graves da doença com necessidade de internação e cuidados em UTI. Além disso, pessoas que têm mais de 85 anos tiveram sintomas mais graves e foi o grupo que dominou a taxa de mortes por covid-19 nos EUA.

Centenários vitoriosos

Raimunda Idelfôncia Pereira Pimenta, de 104 anos, que ficou 31 dias internada no Maranhão - Governo do Maranhão  - Governo do Maranhão
Raimunda Idelfôncia Pereira Pimenta, de 104 anos, que ficou 31 dias internada no Maranhão
Imagem: Governo do Maranhão

Raimunda Idelfôncia Pereira Pimenta, de 104 anos, nunca imaginou que enfrentaria uma pandemia e que iria adoecer com covid-19. Ela ficou 31 dias internada, sendo 16 no Hospital Regional Materno Infantil, em Imperatriz (MA), e, depois, mais 15 na UTI do hospital estadual de Imperatriz.

A alta de Raimunda foi comemorada até pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). "Com 104 anos, Dona Raimunda venceu o coronavírus e teve alta do hospital estadual em Imperatriz. Parabéns a ela e a toda a equipe profissional que a atendeu", comemorou.

O tempo que passou internado se recuperando da covid-19, no HCI (Hospital de Cuidados Intensivos), em São Luís (MA), Manoel Barros de Aguiar, de 103 anos, serviu de inspiração e exemplo de perseverança para outros pacientes se curarem da doença. Após 12 dias, ele recebeu alta.

"Ele motivou os outros pacientes, sempre falando com a família. É muito bacana ver que as pessoas têm muita vontade de viver e a família sempre esteve muito convicta da recuperação dele", relembra Wilna Barros, diretora administrativa do HCI.

Yvone Bomfim Oliveira, 99, que ficou internada por 12 dias na Bahia - Hospital de Referência Itaigara - Hospital de Referência Itaigara
Yvone Bomfim Oliveira, 99, que ficou internada por 12 dias na Bahia
Imagem: Hospital de Referência Itaigara

Na véspera do Natal, a família de Yvone Bomfim Oliveira, 99, que estava internada havia 12 dias em decorrência da covid-19, recebeu a notícia que ela estava curada. A idosa ficou internada no Hospital de Referência Itaigara, em Salvador, onde chegou a ficar sete dias na UTI. Na saída, funcionários do hospital estavam com balões e bateram palmas em homenagem à idosa. "Muito obrigada e que Deus abençoe a todo mundo", agradeceu.

Queda de imunidade coloca idosos em grupo de risco

O médico geriatra Reinaldo Madeiro Júnior, professor do curso de medicina da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), explica que o idoso é considerado grupo de risco por dois motivos: pelo fenômeno chamado de imunossenescência, que é uma queda da força do sistema imunológico devido à idade, e por estar associado a comorbidades.

"O grupo de idoso com covid-19 é extremamente heterogêneo. O novo coronavírus tem alguma coisa que não está perfeitamente explicada. Pacientes sem grupo de risco, jovens, algumas vezes, desenvolvem quadros graves — enquanto alguns pacientes idosos ou portadores de doenças crônicas não desenvolvem quadros graves. Isso não está esclarecido, mas a gente sabe que a probabilidade de complicar é quem tem comorbidades e idosos", diz Madeiro.

O geriatra afirma que o isolamento social de idosos para prevenção da infecção do novo coronavírus é necessário, mas alerta também que é preciso ter cuidado com os transtornos de humor que podem surgir de uma solidão. Ele diz que até agora não foi descoberta medicação específica para o tratamento ou combate da infecção do novo coronavírus, mas que o tratamento da covid-19 mudou pelo maior conhecimento da doença.

"Algumas medicações anticoagulantes são usadas mais precocemente, a intubação orotraqueal não é usada logo como antes. Apesar de não ter uma droga específica, hoje se tem mais conhecimento do que é a doença. É bom lembrar que independente disso, nenhuma medicação, no meio de tantas outras já faladas, mostrou-se capaz de resolver e de efetivamente agir no caso", explica o médico.

O médico infectologista Fernando Maia, professor do curso de medicina da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e presidente da Sociedade Alagoana de Infectologia, afirma que pessoas com mais de cem anos se curarem da covid-19 é "uma vitória porque a estatística é contra elas."

"A pessoa que tem mais de 60 anos é de grupo de risco porque a imunidade vai baixando ao longo dos anos, com o avanço da idade, como também as comorbidades que adquire", diz.

O infectologista explica que passados quase dez meses da pandemia do novo coronavírus no Brasil, os protocolos e orientações mudaram à medida que os médicos começaram a conhecer melhor a doença.

"No início se pensava que era uma pneumonia grave, mas a pneumonia é a ponta do iceberg. A covid-19 é uma inflamação sistêmica e a mais grave é o desenvolvimento de trombose, é também a principal complicação e que leva a óbito. Hoje se consegue salvar pessoas que, no início, não conseguíamos porque quando elas ficavam em casa não tinham diagnóstico de fatores agravantes da doença", afirma o infectologista.

A orientação de que pessoas com suspeita de infecção do novo coronavírus ou casos positivos confirmados devem ir ao médico para avaliação, o mais breve possível. "As pessoas devem ser isoladas para não transmitir o vírus, mas é imprescindível ir ao serviço de saúde para a gente ver se tem a tendência a evoluir mal ou bem ou recuperar sequelas mais rapidamente", explica Maia.