Falta de planejamento e negacionismo: por que Manaus ficou sem oxigênio?
O aumento de internações por covid-19 em Manaus provocou um novo colapso no sistema de saúde da capital amazonense, com pacientes morrendo por falta de oxigênio nos hospitais. A tragédia é resultado da falta de planejamento (nas esferas federal e local) e de restrições de circulação, além do descumprimento de medidas de proteção —estimulados pelo negacionismo do vírus.
A pedido do UOL, médicos sanitaristas analisaram a crise no Amazonas e concluíram: a nova onda em Manaus era "previsível" e os gestores poderiam ter se antecipado. Nem mesmo o alerta feito na semana passada aos governos do Amazonas e federal por empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio —de que não conseguiria suprir a demanda crescente— foi suficiente para conter a tragédia.
O governo do Amazonas admitiu, por meio de nota, que a falta de oxigênio ocorreu "por conta dos elevados números de internações de pacientes com covid-19 no mês de dezembro de 2020" e pela "alta considerável nos primeiros dias de janeiro de 2021".
Segundo o governo, a White Martins, empresa responsável pelo fornecimento de oxigênio, informou em 7 de janeiro que não teria condições de suprir a demanda crescente, alertando, inclusive, o governo federal.
Recuo do governo do AM sobre restrição
Alertado sobre a possibilidade de as festas de fim de ano gerarem colapso na saúde local, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), determinou o fechamento de serviços não essenciais por 15 dias no final de 2020 a fim de reduzir a circulação de pessoas e, assim, diminuir os riscos de transmissão.
Após ter sido pressionado por representantes comerciais, o governador voltou atrás. A decisão foi comemorada amplamente por políticos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Houve uma total ausência de contenção por parte das autoridades sanitárias. Com uma cegueira e negacionismo criminosos, resultou uma inação. Essa inação ocasionou essas mortes. Não houve o mínimo planejamento para as consequências que teriam medidas que fingiram que não estamos em uma pandemia. Já era verificada a subida da curva de infecções desde novembro
Fernando Aith, diretor-geral do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP
Para ele, "com o recrudescimento da epidemia em níveis mais graves do que abril e maio de 2020, há um novo pico pandêmico em Manaus. Tanto em números de infecções quanto de mortes. Isso teve como causa uma certa leniência do governo do estado e da Prefeitura de Manaus em não adotar as medidas orientadas pela OMS, como fechar as atividades econômicas não essenciais".
Pelo contrário, foram incentivadas medidas de compra, consumo e aglomeração. Medidas essas que são refletidas do governo federal
Fernando Aith, professor da USP
Maior circulação, mais internações e consumo de oxigênio
Adriano Massuda, médico sanitarista e professor do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da FGV (Fundação Getúlio Vargas) narra uma sequência de fatos que levaram à tragédia —do aumento de casos às internações sem a devida compensação do suprimento de oxigênio.
"Houve um aumento rápido de casos graves no final do ano e começo do ano. E teve como consequência o aumento de consumo do oxigênio hospitalar num padrão bastante acima do comum. Houve um alerta da empresa para o governo do estado e Ministério da Saúde. Foi consumido o oxigênio que se tinha para o mês. Houve um aumento de consumo que não foi compensado por um aumento de suprimento."
Não houve um problema de interrupção de suprimento. Houve esse aumento [do consumo de oxigênio após alta de internações]. Tudo é consequência.
Adriano Massuda, professor da FGV
Falhas de gestão
Ainda de acordo com o médico sanitarista, "houve falhas de gestão de diferentes níveis, tanto do Ministério da Saúde —que falhou em identificar, fazer monitoramento e dar apoio— quanto da gestão local".
Decorridos praticamente 11 meses do surgimento do primeiro caso, entrar em saturação por falta de oxigênio é inadmissível. Ontem foi o dia G de Genocídio
Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde de Dilma Rousseff (PT)
"No começo, Manaus se deparou com falta de leitos de UTI. Não teve nenhum exercício de previsão de aumento de oxigênio por demanda. Desde a semana passada, as autoridades locais teriam aportado ao ministro a perspectiva de colapso."
Segundo a Secretaria de Saúde do Amazonas, o Ministério da Saúde foi informado no dia 7 de janeiro sobre o risco de desabastecimento de oxigênio —mesmo dia em que a empresa responsável alertou o governo do estado. Apesar disso, o governo federal não conseguiu conter a crise.
Na segunda (11), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciou em Manaus um plano de contingência e entregou novos leitos de UTI. Ontem, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, Pazuello admitiu que a saúde pública em Manaus está em colapso e anunciou a chegada de seis aviões da Força Aérea com cilindros de oxigênio.
"A mobilização de rede de suporte, mesmo que seja um produto inflamável, o oxigênio poderia chegar tanto do ponto de vista aéreo, terrestre, por barco, deveria já ter chegado. É inadmissível ter que transferir paciente grave para outro estado", afirmou Chioro.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.