Na disputa entre governo e Pfizer, o vacinado prevalece, dizem advogados
Com apenas 3% da população brasileira vacinada, um impasse nesta semana freou a compra de vacinas da Pfizer/BioNTech pelo Ministério da Saúde. Segundo o governo, o problema é uma cláusula que confere à União a responsabilidade para possíveis processos em relação a efeitos adversos da vacina. Do outro lado, a farmacêutica diz que o contrato é padrão.
Disputas à parte, segundo advogados ouvidos pelo UOL, um acordo entre o governo e uma empresa não se sobrepõe à Constituição ou ao Código de Defesa do Consumidor. Neste caso, se o vacinado se sentir lesado, pode processar o governo ou a fabricante, independentemente do contrato. Os especialistas divergem, no entanto, se, no caso de vacinação em plena pandemia, este processo vingaria.
Em relação ao cidadão, essa possível cláusula não tem efeito prático. Não dá para ele [o acordo] diminuir o direito do cidadão. Já que foi assinado entre a fabricante e o governo brasileiro, não pode acarretar restrição a quem tomou a vacina. Se ele quiser responsabilizar [a empresa por algum eventual dano], ele responsabiliza.
Arthur Rollo, ex-secretário Nacional do Consumidor
A advogada Andrea Costa, especialista em direito digital, concorda. Segundo ela, nenhum acordo estabelecido entre o governo e uma empresa —privada ou pública, brasileira ou internacional— sobressai ao Código do Consumidor.
"Se for da forma que estão noticiando, esse contrato viola o direito individual do cidadão, que, embora seja impactado, não é parte direta deste acordo", afirma ela.
Contrato não foi divulgado
O UOL não teve acesso ao contrato da Pfizer. A reportagem procurou o Ministério da Saúde, mas, encaminhado à Casa Civil, não teve mais retorno.
Já a Pfizer disse não poder "comentar as negociações em curso com o governo brasileiro", mas declarou que "as cláusulas que estão sendo negociadas estão em linha com os acordos que fechamos em outros países do mundo —inclusive na América Latina".
De acordo com a imprensa internacional, estes termos de responsabilidade em contratos com outros países latino-americanos incluem uma espécie de caução em forma de prédios públicos para arcar com possíveis processos.
Se for o caso da presença desta cláusula neste ou em qualquer outro possível contrato, é o que se chama de "direito ao regresso". "Como ela não pode impedir de ser processada, em um eventual caso de perda —que acho improvável—, o que poderia ter efeito é isso: se ela paga [indenização] para o consumidor, ela cobra do governo o reembolso", avalia Rollo.
"Por isso faz sentido este suposto fundo que estão citando na imprensa. Porque eles [fabricantes] sabem que uma cláusula assim é objeto de discussão e que o consumidor pode, sim, acioná-lo [na Justiça]", concorda Costa.
O governo já estabeleceu contratos com o Instituto Butantan, de compra da CoronaVac, produzida em parceria com a chinesa Sinovac, e com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), para o imunizante da AstraZeneca/Oxford.
Diferentemente da Pfizer, ambos não são apenas contratos de compra e venda, preveem troca de tecnologia para produção nacional e não contêm cláusula de responsabilidade. Agora, o governo mira a indiana Covaxin, ainda não aprovada pela Anvisa, mas os detalhes da transação não foram divulgados.
Cabe ou não processo?
Embora concordem que o acordo não se sobreponha à legislação vigente, os advogados divergem quanto ao cabimento ou não do processo.
Para Rollo, no contexto da pandemia, com o desenvolvimento de uma vacina de forma tão rápida, as pessoas que optam por tomar o imunizante assumem riscos, mesmo que mínimos. Na aprovação, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirmou que sua bula indicará apenas 15 minutos de atenção após aplicação.
Tem provisão no código de que o produto não é considerado defeituoso ou viciado se o resultado era esperado. O importante, então, é a informação, o consumidor saber o que está tomando e os possíveis riscos. A qualidade deles [da Pfizer] é excelente, mas, como qualquer medicamento, há riscos.
Arthur Rollo, ex-secretário Nacional do Consumidor
Por isso, para ele, no contexto atual, o cidadão não tem causa para processo "nem com o governo nem com a fabricante". "Quem não quer se vacinar logo?"
Já Costa diz haver um limite para o "aceitável" entre os riscos assumidos.
"Nenhuma vacina ou medicamento é 100%. Todos vão ter uma bula com os possíveis efeitos colaterais. Eventualmente, pode haver uma reação adversa que não foi identificada nos testes. Acontece, mas isso não impede que aquele paciente entre na Justiça reclamando seus direitos, caso comprovada relação com a vacina. Tudo depende. Tem aquilo que é aceitável e tem o que não é aceitável.
Andrea Costa, advogada especialista em direito digital
"O laboratório colocando a responsabilidade para o governo da forma como foi dita na imprensa, pelo Código de Defesa do Consumidor já está errado. É o fabricante quem é o responsável e cabe [processo, caso se sinta lesado]", conclui a advogada.
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