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SP: Familiares dormem em carros enquanto pacientes esperam por UTI em Mogi

Leonardo Martins

Colaboração para UOL, em São Paulo

04/03/2021 04h00

Em frente da sala de espera do Hospital Municipal de Mogi das Cruzes, a enfermeira sai pela porta e para na calçada. Todos do lado de fora instantaneamente encaram a profissional de saúde, que grita: "Familiares de Maria de Fátima". Antônio Henrique, 23, se assusta, responde rápido e corre para perto para ter notícias de sua mãe.

Desde terça-feira (2), Maria de Fátima é mais uma das pacientes internadas com covid-19 que ainda esperam por um leito simples de enfermaria no hospital de Mogi. A unidade registrou 100% de lotação tanto na enfermaria quanto na UTI.

A proximidade do colapso fez com que o prefeito Caio Cunha (Podemos) colocasse a cidade na fase vermelha do Plano São Paulo por meio de um decreto ainda na terça, antes mesmo da decisão anunciada pelo governador João Doria (PSDB).

Até ontem, Mogi das Cruzes somava 15.932 casos e 734 mortes, de acordo com a Fundação Seade, que contabiliza os dados do estado.

"Cenário de guerra", diz funcionário

Antônio Henrique, filho de Maria de Fátima, e dezenas de familiares chegam a dormir dentro de seus carros no estacionamento do pronto-socorro municipal aguardando notícias do quadro de saúde dos seus parentes ou na torcida para que ele consiga pelo menos uma vaga de internação.

"A enfermeira disse que minha mãe está estável, precisa de oxigênio de suporte e de uma vaga em um leito enfermaria. Ela só precisa de [leito de] enfermaria, ainda bem", disse ele ao UOL.

Há dezenas de famílias ansiosas como Antônio Henrique. Elas ficam do lado de fora do hospital, em pé ou sentadas em bancos e sarjetas, esperando por uma boa notícia.

Mas isso nem sempre é possível. Um profissional de saúde que trabalha na UTI do hospital conversou com o UOL sob condição de anonimato e resumiu como está o interior do hospital em três palavras: "cenário de guerra".

Ele disse que muitos dos que chegam ao ponto de serem intubados na UTI morrem e relata que o perfil dos internados mudou. De acordo com ele, hoje grande parte dos pacientes é formada por jovens entre 30 e 50 anos, exatamente a faixa etária mais atingida pela nova variante da covid-19, que teve origem em Manaus (AM), e se espalha por todo país.

"Boa parte dos pacientes, quando eu digo que preciso intubar, se desesperam: 'mas, moço, eu tomei hidroxicloroquina e ivermectina em casa, não é possível'. E eu respondo: 'o senhor não tem verme, mas esses remédios não funcionam para covid'. Muitas vezes isso acontece", contou.

Os dois medicamentos são comprovadamente ineficazes contra a covid-19, mas são defendidos inclusive por autoridades políticas no Brasil.

Pacientes de municípios vizinhos

A Prefeitura de Mogi das Cruzes diz que, além das contaminações na própria cidade, outro fator que prejudica o sistema de saúde municipal é a demanda de pessoas vindas de municípios vizinhos, que corresponderia de 30% a 40% dos internados.

É o caso de Fernando Souza, que, junto com a noiva Camila Medina, trouxe a mãe ontem do Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, para Mogi, na expectativa de que ela conseguisse um leito. Mas isso ainda não aconteceu.

"Iríamos casar daqui a duas semanas. Minha mãe não queria vir para o hospital com medo de perder o casamento, mas não teve jeito. A saturação dela [que mede o oxigênio no sangue] estava 92 e, em poucas horas, caiu para 88. Ficamos desesperados", conta.

Um homem, que não quis se identificar, estava havia quatro horas na porta do hospital com o filho de 3 anos aguardando notícias da esposa, que está internada em estado grave por causa da covid-19.

Enquanto falava da esposa, a conversa com a reportagem foi interrompida pelo filho, que mexia num celular e ouviu o nome da mãe. "Pai, a mamãe adora esse vídeo, né?", perguntou ao pai, que, abalado, abaixou a cabeça. "É difícil, cara. Está difícil", disse.

Apenas atividades essenciais

Em coletiva, ontem, o governo estadual afirmou que a taxa de ocupação de leitos de UTI atingiu 75,3% —recorde desde o início da pandemia. Para conter o avanço da doença, Doria colocou todo o estado na fase vermelha a partir de sábado (6). A medida vale até o dia 19, mas pode ser prorrogada.

Nesse período, funcionam apenas os serviços essenciais —como mercados e farmácias. Mas escolas permanecerão abertas e campeonatos de futebol podem acontecer, desde que sem plateia.

Os integrantes do Centro de Contingência do Coronavírus pediram para que as pessoas só saiam de casa para atividades essenciais, que usem máscaras e mantenham os cuidados de higiene.