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Por que os jovens passam mais tempo na UTI e ajudam a lotar os hospitais

Aglomeração na Vila Madalena, em agosto do ano passado, durante a pandemia do novo coronavírus - DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO
Aglomeração na Vila Madalena, em agosto do ano passado, durante a pandemia do novo coronavírus Imagem: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

13/03/2021 04h00

Por todo o país, profissionais da área de saúde têm narrado o aumento de jovens internados pela covid-19. Embora o percentual de mortes se mantenha maior entre os idosos acima de 60 anos, tem sido cada vez mais comum ver pacientes com menos de 50 anos e sem comorbidades ocupando leitos de UTI (unidade de terapia intensiva).

Em São Paulo, estima-se que o número de pacientes graves até 50 anos tenha subido de 25% a 35% neste ano em relação ao ano passado. Esse aumento, no entanto, não impacta só o paciente. Além de ajudar na transmissão para os mais velhos, quanto mais jovem, maior a resistência no combate ao vírus e maior o tempo de cuidados na UTI.

A avaliação de médicos ouvidos pelo UOL é a de uma cadeia:

  • Jovens e adultos de até 50 anos têm saído mais e se exposto mais.
  • Consequentemente, se infectam mais e, por resistirem a procurar tratamento, chegam em estado mais grave às UTIs.
  • Assim, se tornaram peça fundamental na escalada de casos e mortes que o país passa atualmente.

"Como o jovem tem uma defesa imunológica maior que o idoso, um corpo mais forte, ele luta com a doença e demora muito mais para se salvar ou, eventualmente, morrer. Dessa forma, ele fica mais tempo na UTI", afirma o infectologista Marcos Boulos, professor da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Ele diz tratar-se de "matemática simples": quanto maior o número de jovens internados, menor a rotatividade dos leitos de UTI e maior ocupação do sistema.

O paciente mais jovem produz muitos anticorpos, ele vai combatendo o vírus, enquanto o mais velho tem uma capacidade muito menor [de reação]. Com essa doença, temos visto que ou ele [idoso ou paciente com comorbidade] se salva logo ou morre-- tanto que a quantidade [de óbitos] aumenta de acordo com a idade --, mas, de qualquer maneira, o idoso tem um tempo médio de internação muito menor.
Marcos Boulos, infectologista e professor da FMUSP

Jovens subestimam o vírus

O epidemiologista Paulo Menezes, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo, avalia que é a baixa taxa de mortes entre os jovens (menos de 2% abaixo dos 30 anos) um dos motivos para que muitos jovens e adultos sem comorbidade "subestimem o coronavírus" e demorem a procurar tratamento.

Muitos não levam o vírus a sério. Eles acham que só vão perder o olfato ou ter qualquer sintoma leve. Quando vão ao hospital, muitas vezes já estão com parte do pulmão comprometido e têm de internar.
Paulo Menezes, epidemiologista

"O jovem circula e geralmente se descuida, acha que vai ficar tudo bem. Mas nem sempre. Agora, tem muito mais jovem de 20, 30 anos morrendo nos hospitais", concorda Boulos

Nova variante contribui

Há ainda a questão da nova variante P1, identificada inicialmente em Manaus no fim do ano passado, e que, de acordo com Boulos e especialistas que acompanharam a transmissão de perto, tem sido mais potente contra os jovens.

"A nova variante brasileira tem um quê mais jovem. Na cepa original, ele passava assintomático ou com poucos sintomas, raramente evoluía. O que está acontecendo com a cepa nova é que o paciente jovem está ficando mais doente, com mais gravidade e mais rápido", afirma Boulos.

Isso já havia sido narrado ao UOL em janeiro, por médicos que ajudaram a combater o colapso na capital do Amazonas. De acordo com profissionais da linha de frente, a nova cepa gerou mais mortes no estado e impactou em especial os mais jovens.

UTI mais jovem

No estado de São Paulo o percentual de jovens e adultos de 59 anos para baixo infectados ainda não sofreu uma alteração brusca, variando entre 20% e 27% desde o início da pandemia. Não se pode dizer o mesmo sobre internados.

O UOL não teve acesso ao número total de internações por faixa etária neste momento no estado, mas, segundo os dados gerais de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) da Secretaria Estadual da Saúde, desde o início da pandemia, dos mais de 383.000 pacientes internados, 47% são idosos (acima de 60 anos) e 37% estão abaixo dos 50 anos.

Nesta segunda onda, no entanto, a pirâmide tem engordado cada vez mais para baixo. "A gente ainda tem predomínio de pessoas acima de 60, mas observamos elevação [nas faixas de 50 para baixo]. UTIs no município [de São Paulo] revelam ter de 50% a 60% de pacientes com faixas etárias menores do que 50 anos", afirmou o secretário Jean Gorinchteyn em coletiva na última quinta (11).

O que temos observado nessa segunda onda é que, no estado de forma geral, temos um aumento de 25% a 35% dos pacientes na faixa de 35 a 50 anos. São pessoas que se expõem mais, geralmente do sexo masculino, sem máscara e acabam adoecendo. Como hoje temos uma carga viral maior, acaba promovendo quadros mais graves, que acabam impactando em jovens.
Jean Gorinchteyn, secretário estadual de Saúde

Interna menos, transmite mais

Mesmo que não desenvolvam sintomas graves o bastante para exigir uma internação ou leve a óbitos, a disseminação do vírus entre jovens também ajuda a superlotar o sistema por uma razão simples: passam para os seus familiares.

De acordo com um levantamento feito pelo Centro de Contingência em fevereiro em São Paulo, neste ano, os jovens eram responsáveis por oito a cada dez novas infecções, enquanto a taxa de óbitos abaixo dos 50 não chega a 40%.

O jovem sai para uma festa, viaja, encontra os amigos --mesmo que seja um grupo menor-- e volta para a casa. Muitas vezes ele está assintomático, nem sabe que carrega o vírus, mas ele acaba transportando de um local para o outro. O pai, a mãe, o colega de trabalho podem não ter a mesma sorte, o mesmo destino. E aí ele acaba infectando as pessoas, disseminando o vírus sem nem saber.
Ana de Brito, infectologista e professora da UPE (Universidade de Pernambuco)

Guerra às festas

Os eventos noturnos têm sido um dos principais alvos do governo de São Paulo para coibir a disseminação entre jovens. Aglomerações são proibidas em todos os estágios do Plano São Paulo, não só na fase emergencial, anunciada na última quinta-feira (11).

Segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública, nos primeiros dez dias de março houve quase 29 mil dispersões de aglomerações no estado, com 330 pessoas presas. Só no último fim de semana, mais de 200 eventos de médio e grande porte foram fechados.